Tip:
Highlight text to annotate it
X
COM A COLABORAÇÃO DE INÚMEROS OUTROS APRESENTAM
''BERLIN ALEXANDERPLATZ''
BASEADO NO ROMANCE DE ALFRED DÖBLIN
FILME EM 13 PARTES E UM EPÍLOGO
DE RAINER WERNER FASSBINDER
Ilse, prepare um café. Somos duas.
-Sim, senhora. -O que me diz agora, Mieze?
Já tinha visto uma coisa dessas?
Uma casa dessas você nunca viu.
Meu Deus, são macacos de verdade!
O homem está tão louco por mim que instalou isso.
Mas para que macacos?
Herbert adora macacos. Ele se diverte com eles.
Quando vem aqui, brinca com eles.
O quê? Você traz Herbert aqui?
Que mal há nisso? O velho conhece Herbert.
Ele morre de ciúmes.
É bom que tenha ciúmes. Se ele não tivesse...
já teria me mandado passear.
Sim, pode ser.
Como assim, ''pode ser''? É isso mesmo.
Ele quer até ter um filho.
Imagine! Querer ter um filho comigo!
Até teria feito esse favor, mas não quero um filho dele.
Dele, não.
E o Herbert? Ele não quer filhos?
Não sei. Acho que ele não pode ter.
Dele eu gostaria de ter um filho.
Mas não dá certo.
Do Franz, eu também gostaria de ter um filho.
O que foi, Mieze? Ficou brava comigo?
Mieze, pare com isso!
Por favor, Eva.
Não fiquei brava. Que bom que você gosta do Franz.
Diga-me o quanto gosta dele.
Você quer um filho do Franz?
Diga a ele!
Ficou louca? O que deu em você?
Diga logo que quer empurrá-lo para mim.
Mas como assim?
Quero ficar com ele. É o meu Franz.
-Mas você é minha Eva. -Eu sou o quê?
Minha Eva.
Mieze, você é lésbica?
De jeito nenhum.
Eu gosto de você.
Antes, eu não tinha certeza...
mas quando você disse...
que gostaria de ter um filho com Franz...
passei a ter certeza.
Sim, foi aí que você ficou estranha.
Estranha? Como assim, estranha?
Deixe para lá. Esqueça.
Gostaria mesmo de ter um filho do Franz?
Mas o que há com você?
Diga, Eva! Você quer ou não quer?
Não. Falei só por falar.
Não é verdade. Você quer um, sim.
Só está dizendo que não quer.
Mas você quer.
É tão bonito que você queira ter um filho com Franz.
É tão bonito!
Fiquei tão feliz.
Meu Deus, como estou feliz!
Você é lésbica, Mieze?
Não, Eva, eu não sou lésbica.
Nunca toquei uma mulher.
Mas bem que queria me tocar.
Sim, mas...
só porque gosto muito de você...
e porque você quer um filho do Franz.
E eu quero que você tenha...
um filho...
do meu Franz.
Mieze, você ficou doida.
Não diga que não.
Você quer, sim.
-Prometa que terá um filho dele. -Beba isto.
Talvez agora fale mais ajuizadamente.
Sempre falo.
Então, Mieze, diga-me. Você gosta daqui?
O que deveria achar?
É bonito...
mas ao mesmo tempo...
tão estranho!
Ótimo!
Agora me diga.
Você gosta mesmo do Franz, não gosta?
-Sim. -Sente-se aqui, querida.
Se você realmente gosta do Franz...
deve cuidar melhor dele.
Ele está sempre por aí com aquele Willy...
aquele vigarista.
-Não serve para ele. -Mas ele gosta do Willy.
-E você? -Eu?
Eu também gosto dele. Se Franz gosta, eu também gosto.
Você é cega. E é jovem demais.
Ele não é boa companhia para o Franz.
Herbert também acha
Willy é um vigarista, ele vai meter Franz em encrencas.
Mieze.
Já não lhe bastou ter perdido o braço?
Como assim?
Você sabe de alguma coisa?
Está acontecendo alguma coisa?
Obrigada, Ilse.
Vou fazer compras, senhora.
O conselheiro deve voltar esta noite.
Ilse, compre linguado para amanhã. Sabe como ele gosta.
Vou procurar, senhora.
Eva, não me deixe em suspense.
Diga logo o que está acontecendo. Diga-me.
Meu Deus, Mieze, este é exatamente o problema.
Eu não sei o que está acontecendo.
Não fico correndo atrás do Franz. E você também não.
Nenhuma de nós tem tempo.
Mas aonde Franz diz que vai?
Ele deve dizer alguma coisa, não?
Nada! Diz que é política. E não entendo uma palavra.
Viu? Ele está metido com comunistas...
anarquistas e esses vagabundos...
que nem têm onde cair mortos.
É com esse tipo de gente que ele anda.
E você gosta disso?
É para isso que você trabalha?
Não posso dizer ao Franz aonde ele deve ir.
Não se pode fazer isso, Eva.
Mieze, ouça o que vou lhe dizer.
Se você não fosse tão jovem, levaria umas boas palmadas.
De repente, você não pode dizer nada.
Quer que Franz acabe mal de novo?
Ele não vai acabar mal.
Eu cuidarei disso.
Mieze, não leve tão a sério o que eu disse.
Não falei por mal.
É só para que você não deixe Franz andar com Willy.
Você sabe como o Franz é bem intencionado.
Ele deveria se ocupar de Pums e daquele que o fez perder o braço.
Sim.
Vou tentar cuidar.
Sabe, Mieze, não a invejo por ter Franz.
Mas se fosse outra, sim.
Perto de Abrudpanta A horda de bandidos
Perambulava livremente
Guito O líder destemido
Era bom e nobre
Guito O líder destemido
Era bom e nobre
AMBAS SABEM QUE É UMA CANÇÃO COMUM...
DESSAS MONÓTONAS.
MESMO ASSIM, ELAS PRECISAM CHORAR.
ÀS VEZES, A VIDA É CURTA DEMAIS...
PARA A ETERNIDADE DOS SENTIMENTOS.
Continuo dizendo.
Um homem ajuizado deve acreditar em Nietzsche...
e só faz aquilo que lhe dá prazer.
Entendeu?
Nietzsche.
Todo o resto é bobagem, colega.
Minha mulher está doente.
Ela não pode ficar comigo à noite. Precisa de paz.
Você se acostuma aos bares quando tem uma mulher doente em casa.
Interne-a num hospital.
Manter uma mulher doente em casa também não está certo.
Ela já esteve no hospital.
Mas eu a tirei de lá.
Ela não gostava da comida.
E seu estado também não melhorou.
Sua mulher está muito doente?
O útero cresceu e aderiu ao intestino, ou algo assim.
Ela foi operada, mas não ajudou muita coisa.
E agora, o médico diz que são só os nervos.
Que é só sua imaginação.
Mas ela sente dor, sofre e grita o dia inteiro.
É mesmo?
Não diga!
Logo mais, ele vai tirá-la da lista de doentes, você vai ver.
Pois doença dos nervos não é doença.
Não se meta de novo em política, Ede.
Nem me passou pela cabeça.
A política não nos leva a lugar nenhum. Só os outros.
Eu quero viver, entendeu? Só viver.
Mais quatro cominhos, Maxie. E uma cerveja.
É pra já. Não dou a mínima para o marxismo.
Nem Lênin, nem Stálin, esse bando todo.
Se tenho crédito, por quanto tempo...
e quanto, é por isso que o mundo gira.
Você fala como se fosse simples...
mas as coisas não são tão simples assim.
Também não preciso de marxismo ou de qualquer outra coisa...
porque aquilo que eu preciso, posso contar nos dedos.
Se alguém me estoura de pancada, eu sei o que significa.
Ou se hoje tenho trabalho...
e amanhã me puserem na rua porque não há mais encomendas...
o mestre fica e o chefe naturalmente também...
e só eu tenho que ir para a rua...
e pedir auxílio-desemprego.
E se eu tenho filhos...
e a mais velha tiver as pernas tortas...
não posso mandá-la embora de casa.
Talvez da escola a mande para o campo. Talvez.
E o pior é que...
as crianças aprendem tanto quanto nós.
Imagine só...
tanto quanto nós.
Não lhes ensinam nada que não tenhamos aprendido.
Como alguma coisa pode mudar?
Saúde.
Saúde.
-Saúde. -Saúde.
E se eu precisar ir ao médico, com reumatismo...
seremos 3O na sala de espera.
Então, o médico me pergunta...
''Já teve reumatismo antes?''
E ''Há quanto tempo trabalha?''
Ou ''Foi demitido?''
Ele não acredita em mim. Então...
sou enviado ao médico de confiança.
E se eu quiser ser transferido...
pela previdência social...
eles descontam do meu pagamento.
Posso lhe afirmar...
que vou ter que fazer o impossível...
até que eles me mandem. Não, Max! Não, não.
As coisas não são tão simples como você pensa.
Para isso ninguém precisa de Karl Marx.
Mas, Max...
essa é a verdade.
Deixe disso. Vamos continuar a beber. Saúde.
Tenho que dizer...
que há muita gente neste mundo com pernas tortas...
e também sem dinheiro para ir para o campo.
Na minha opinião, não é nenhuma tragédia...
-ter pernas tortas. -Ninguém falou em tragédia.
Só falei das pernas tortas que a moça tem.
Eu disse que era uma moça pobre...
e que não pode ir para o campo.
Além do mais, com crianças ricas...
não acontece com tanta freqüência...
ter pernas tortas.
Ricos e pobres sempre existiram.
Sim, mas...
a pobreza devia ser para quem tem vontade.
Os outros que sejam pobres.
Eu não tenho vontade de ser.
Com o tempo a gente se cansa.
São sempre os mesmos que são pobres.
Aqui, Max!
Obrigado.
O que há, Franz? Nós ainda queríamos...
Deixe, Willy! Quero ir cedo para a cama. Por causa de ontem.
Ele não acredita em mim.
Sou enviado ao médico de confiança. E se eu quiser ser transferido...
eles descontam do seu pagamento.
Vou ter que fazer o impossível...
até que eles me mandem.
Escândalo. Judeu tcheco molestou 2O meninos.
Ele não foi preso.
Escândalo por corrupção de menores.
Judeu tcheco molestou 2O meninos e não foi preso.
Seu útero aderiu ao intestino.
Eles a operaram...
mas não adiantou.
Escândalo. Judeu tcheco molestou 2O meninos.
Ninguém foi preso.
Escândalo por corrupção de menores.
Judeu tcheco molestou 2O meninos. Ninguém foi preso.
Escândalo.
Judeu tcheco molestou 2O meninos. Ninguém foi preso.
O que foi? Não gostou de alguma coisa?
Por que pergunta?
Fica me rodeando.
Qual é o problema?
Não é nada demais.
É que...
eu também vendi jornais.
-E daí? -Foi o que eu disse.
Nada mais.
Escândalo por corrupção de menores.
E as crianças aprendem o mesmo que nós.
Imagine o que isso vai dar.
Beba, beba Irmão, beba
Deixe as preocupações em casa
Beba, beba Irmão, beba
Deixe as preocupações em casa
Doença dos nervos não é doença.
Quem tem doença dos nervos está perfeitamente saudável.
Judeu tcheco molestou 2O meninos. Ninguém foi preso.
Ninguém mais precisa de Karl Marx.
É verdade. É verdade.
-Táxi! -Escândalo.
E que faz no campo uma pessoa com pernas tortas?
Judeu tcheco molestou 2O meninos.
De que me serve toda a política e esse lixo?
Não me serve para nada.
Leve-me para Tegel.
Judeu tcheco molestou 2O meninos.
Ninguém foi preso.
Judeu tcheco molestou 2O meninos. Ninguém foi preso.
Ei! Você! Acorde!
É proibido dormir nesse banco.
Entendeu? É proibido.
Proibido. Entendi, Sr. Comissário.
Que Comissário! Sou um simples guarda.
E me orgulho disso. Eu me orgulho, entendeu?
Entendi.
O que está fazendo aqui?
Por que dorme num banco?
-Não tem casa? -Claro que tenho casa.
-É que quis fazer uma visita. -A quem queria visitar?
É tão óbvio. Eu queria visitar Tegel.
O meu lar.
Aqui passei quatro anos.
De repente, fiquei cansado...
e peguei no sono.
Olhe!
A prisão ainda está ali.
Isso não alegra seu coração?
Deve ter um parafuso a menos.
Ninguém em sã consciência...
iria querer visitar uma prisão e dormir na porta.
Estou cansado. Quero ir para o berço.
Quero ir para o bercinho.
Já disse: não pode dormir aqui.
Se teimar, vai voltar para lá mais cedo do que pensa.
Onde você mora?
Achim-von-Armin Strasse, 32.
Como vai chegar lá?
-Como vou chegar lá? -Está muito tarde para um ônibus.
-Terá que ir a pé. -Sim, acho que irei a pé.
Táxi!
Táxi!
-Entendeu? -O quê?
O senhor precisa fazer seu trabalho como todo mundo, Comissário.
-Entendeu? -Entendi.
-Achim-von-Arnim Strasse. -Certo.
Delinqüente!
Liberdade e flores douradas...
no seu focinho...
que ele não lavou...
porque sua língua...
está paralisada por um tomate verde.
O significado de um novo penteado...
tem a ver com a liberdade.
Ele voltou a beber. Tinha parado.
Não é tão freqüente, Sra. Bast.
Talvez ele pare logo.
Foi isso que eu pensei naquela época.
Então aconteceu com Ida.
Foi bem diferente com Ida.
A morte... A morte é liberdade. E a morte é organizada.
A ordem está em ordem. E a ordem é organizada.
Liberdade é morte e ordem.
Ordem não é liberdade.
E as flores verdes...
Trouxe-o para cima nesse estado?
O que mais eu poderia fazer?
Me chamar. Ida sempre me chamava.
Ele nem se mexe mais.
Deixe-o dormir. Ele já dormiu muitas vezes na poltrona.
Ele está acostumado.
Franz, escute. Acorde, homem! Venha para a cama.
É mais confortável.
Poupe-se o trabalho, Srta. Mieze. Agora não adianta mais.
Nesse estado...
ele ronca mais alto do que de costume.
Não me importo.
Pelo contrário...
gosto de ouvir alguém roncar.
Isso é que é amor. Em todo o caso, boa noite.
Franz.
Meu querido, querido Franz.
Não está me ouvindo?
Você não me ouve mais?
Franz?
Um jornal tem muitas letras...
e as letras são todas pretas.
Um carro é preto, e as árvores são vermelhas...
e vermelho é o sangue.
Mas liberdade não é ordem.
A ordem é preta.
Preta como o carro.
E pretas...
como o carro são as letras do meu jornal.
Por favor, Mieze. Fique brava comigo.
Diga alguma coisa.
Não suporto o seu silêncio.
O que foi que eu lhe fiz?
Foi porque cheguei tarde ontem?
Fale, Mieze! Foi por que eu cheguei tarde ontem?
Não, Franz. É porque você está se destruindo.
Como assim?
Se mete com gente que não presta.
Quer dizer...
Quer dizer o Willy?
Por exemplo.
Olhe para mim.
Mieze.
Franz, não se meta em política.
Não estou envolvido com política.
Vai parar de ir àquelas reuniões?
Se você não quiser, tudo bem.
Promete?
Agora chega.
Quando digo uma coisa, está dita.
E além do mais...
você tem razão.
Eu estou bem.
E o que me importa a política?
As pessoas são umas tolas de se deixarem explorar.
Que culpa tenho eu?
Por que eu deveria me preocupar com os outros?
Obrigada. Obrigada, obrigada, obrigada.
Nunca tinha percebido...
que isso era tão importante para você...
-a política e as reuniões. -Eu nunca disse nada.
Mas agora está tudo bem.
Qual é o problema agora?
Está parada aí de novo.
Poderíamos tomar o café com calma...
e você fica aí de novo com essa cara.
PARTE 1O.
A SOLIDÃO CRIA RACHADURAS DE LOUCURA ATÉ NAS PAREDES
Franz.
O quê?
-Não pude contar antes. -Do que está falando?
-Eu queria ter certeza. -Certo. Agora você começou.
Continue.
Não é nada de ruim, Franz. E só que...
-conheci um senhor. -O quê?
Ele quer continuar como fixo. Assim como o namorado da Eva.
Quase tão rico quanto o dela. E já é casado...
o que é muito melhor.
Entende?
Então um fixo.
E ele tem dinheiro.
Ele é rico e casado.
E você fica assim.
Tem algo atrás disso.
Tem alguma coisa.
Não, Franz, não há nada por trás.
É só que...
Foi a primeira vez...
e eu não sabia como dizer.
Ele me disse que queria alugar um apartamento para mim.
Eu queria esperar para ver se ele alugaria mesmo.
E agora que ele alugou...
pensei que tinha que lhe contar.
E... Não, Franz. Isso é tudo.
Não há nada por trás.
Franz!
Franz, por favor!
Acredite em mim.
Não há nada mesmo por trás disso.
Olhe para mim, Franz!
Não há nada mesmo atrás disso?
Menina...
Que susto você me deu.
É porque você nunca acredita em mim.
Acho que é por que você é mulher.
O que é agora?
Por que essa pressa? Vai fazer alguma coisa?
Não é nada demais.
Tenho que ver o apartamento. Nem estive lá ainda.
E além do mais...
Sim? Além do mais o quê?
Além do mais, Eva vem às 11h00.
E daí?
Eu já deveria ter lhe contado.
Contado o quê, Mieze?
É que...
Combinei uma coisa com Eva.
Combinei com Eva...
que ela vai ter um filho seu.
Quando Eva e eu falamos sobre isso...
eu fiquei muito feliz.
Tive que convencê-la, quase implorei.
-Então, ela aceitou. -Então, é isso?
Eu sabia que havia alguma coisa. Você quer se livrar de mim.
Não! Eu não quero me livrar de você.
Percebi que havia alguma coisa.
Eu vi que havia alguma coisa.
Gado de corte.
É isso que eu sou.
E só tenho, um braço.
Sou pior que gado de corte.
Pode-se imaginar o que uma porca vai fazer num chiqueiro.
Uma porca tem mais sorte que um homem.
Ela é feita de carne e de gordura.
Não lhe pode acontecer nada.
A comida já basta.
Só pode ter mais uma cria.
No fim da vida, a faca a espera.
Mas também não é tão terrível.
Antes que ela perceba o que está acontecendo...
se é que pode perceber, já morreu. Já o homem...
o homem tem ouvidos.
No homem há mais coisas.
Uma grande confusão.
Ele pensa o diabo, e precisa pensar...
-porque tem essa cabeça horrível. -Não fale assim.
-E ele sempre pensa... -Pare!
no que vai acontecer.
Como assim, ''pare''?
Por que não devo falar assim?
O que quer dizer com isso? Estou perguntando!
Quero dizer simplesmente...
que nada do que disse está certo.
Não quero me ver livre de você.
Pelo contrário...
eu gosto de você.
E eu acho...
que sempre vou gostar.
Já fui ao médico, uma vez em Bernau e duas em Berlim.
Os três disseram o mesmo: nunca poderei ter filhos. Nunca.
Eva disse que queria ter um...
e que com Herbert não é possível.
Do velho, ela não quer. Disse que queria um filho seu.
Franz, fiquei tão feliz!
Cheguei a chorar de alegria.
Porque...
assim, também terei um filho.
Por isso, tudo o que você disse...
não é verdade.
Entre.
A Srta. Eva está aí.
Por que não a deixa entrar?
Bem, é por que havia uma gritaria há pouco...
Está tudo bem, Sra. Bast.
Ela lhe contou?
Por que está rindo assim?
Por causa da situação.
Estivemos juntos tantas vezes...
mas nunca como hoje.
Você quer?
Desabotoe minhas costas. Sozinha eu não consigo.
EMBORA SONIA E EVA SOUBESSEM...
QUE ERA UMA CANÇÃO COMUM...
AS DUAS CHORARAM QUANDO ACABARAM DE CANTAR.
Depressa, ele está buzinando feito louco.
Estou indo.
Deixe-me passar.
Estou indo.
Eva!
Como vão as coisas?
Nada de mais.
A vida se arrasta dia após dia.
Hoje acontece uma coisa, deixamos passar.
Amanhã acontece outra e esquecemos.
Há sempre algo acontecendo.
A vida tem suas razões.
Herbert, dê uma parada no Dorfmann.
Encomendei uma anágua. Assim poderia apanhá-la.
Como você irrita. Uma anágua.
Anágua é uma coisa humana. Sinto muito.
-Quer um gole? -Não, obrigado.
Não deveria beber tanto.
Não ouvi direito. O que disse?
Olhe só! O que você já foi?
Vendia jornais, e agora?
Só tem um braço, mas tem a Mieze, seu meio de vida.
Não precisa beber como quando estava com Ida.
De jeito nenhum.
Se bebo, é por tédio.
Fico sentado sem fazer nada, então bebo.
Depois bebo mais uma e mais uma.
No entanto, eu agüento bem.
Você diz que agüenta.
Olhe-se no espelho. Veja seus olhos.
-O que têm meus olhos? -Têm bolsas, como um velho.
Está envelhecendo com a bebida. A bebida faz envelhecer.
Vamos mudar de assunto.
Por que mudar de assunto? Pare de beber.
Por que eu não deveria beber? O que querem de mim?
Não posso fazer nada! Sou cem por cento inválido.
Vocês todos ficam me amolando.
Um diz ''não beba''. O outro diz ''não ande com Willy''...
o outro diz ''pare de fazer política''.
A política, se for um vício, não é tão ruim quanto a bebida.
Olhe há para mim. Sou um aleijado. Não sirvo para nada.
Acho que não é bem assim. Diga isso a Eva ou a Mieze.
Bem, para a cama...
ainda sirvo. E o resto?
Herbert, você é alguém.
Você faz alguma coisa. Você e os meninos.
E você? Se você quisesse mesmo...
-poderia fazer negócios. -Que nada!
Mieze não quer saber disso.
Ela me encheu tanto que desisti.
Então comece de novo.
Agora devo recomeçar?
Comece. Pare. Como um cachorrinho.
Suba na mesa, desça da mesa.
Sou um aleijado, Herbert. Veja a manga, está vazia.
Não imagina como o ombro dói à noite. Não consigo dormir.
Então vá ao médico.
Não quero.
Não quero saber de médicos.
Então peça para Mieze viajar com você.
Saia de Berlim, respire novos ares.
Não. Prefiro encher a cara.
E terminar fazendo com Mieze o que fez com Ida?
O quê?
Quatro anos não bastaram?
Espere aí.
Você deve estar maluco.
Eu estou maluco?
Que dificuldade. Primeiro, não achavam.
Depois disseram que não tinham encomendado. Então, acharam.
Aconteceu alguma coisa com vocês?
Herbert disse que eu não devia beber.
-Você disse isso? -Disse, sim.
Ficou louco? Por que ele não deveria beber?
Você quer que aconteça tudo de novo?
-Você ficou louco! Cale-se! -Levem-me para casa.
Ela está?
-Acabou de chegar. -Mieze! Mieze!
-O que há? -Diga-me uma coisa, querida.
-Diga-me se eu posso beber. -Claro, mas não muito.
Mas posso beber?
Naturalmente. Mas não demais...
-porque faz mal para a saúde. -E...
você não gostaria...
de se embebedar também uma vez?
Com você.
Mieze...
quer encher a cara comigo?
Mas você nunca encheu a cara.
Já.
Já?
Vamos lá, Franz.
Vamos encher a cara.
Agora.
Franz está ao lado dela.
Ela, tão boazinha...
tão pequena ao lado dele.
Ele pode guardá-la no casaco.
Ela o abraça. Ele a envolve com o braço esquerdo.
Então, Franz sai de si.
Só por um segundo. Seu braço está duro.
Em pensamento, seu braço se move. Seu rosto virou pedra.
Em pensamento, ele segura um pequeno instrumento de madeira...
golpeia Mieze de cima para baixo, acerta seu peito...
uma vez, mais uma...
quebrando suas costelas.
Hospital, cemitério, Tegel.
Eles disseram...
para eu não beber demais, para não fazer política.
O homem disse.
Mieze.
Isso.
Franz!
Mieze, Mieze, Mieze...
Franz, Franz, Franz...
Com licença.
Chegou um senhor procurando a Srta. Mieze.
Um tal de Sr. Freimut. Devo deixá-lo entrar?
Quem é esse?
É aquele.
-Quem? -O sujeito do apartamento.
Tinha me esquecido dele.
-Entendo. -Levante-se, Franz.
Sra. Bast...
mande-o entrar.
-Posso entrar? -Claro, entre.
Muito obrigado.
Fiquei o tempo todo esperando.
Então pensei que talvez...
Eu já estava indo.
Bem...
Este é Franz.
Esse é o meu marido.
E este, Franz, este é o Georg.
-Olá. -Olá, Sr. Biberkopf.
Desculpe-me...
mas terei que lhe dar a esquerda.
A direita não está mais conosco.
Sei. Essa guerra horrível!
Sim, que guerra horrível.
Sua mulher é uma pessoa encantadora.
Sim.
Eu sei.
Naturalmente você sabe.
Bem, para mim, posso dizer...
que a coisa mais encantadora numa mulher...
é quando ela se veste.
Quando ela se veste?
Sei que soa estranho...
mas uma mulher faz movimentos tão bonitos quando se veste.
Mais bonitos do que quando se despe.
Você não acha?
Bem...
por esse ponto de vista...
Claro que é só desse ponto de vista.
Você quer sair com Mieze?
Naturalmente. Ela não lhe disse que eu queria 2 ou 3 dias...
Não! Não, ela não me disse nada.
Bem, não tive oportunidade.
-Com licença, um momento. -Claro. Quer que eu saia?
Não é preciso. Sente-se um pouco.
Obrigado.
Se continuar assim, o que vai sobrar para mim?
O que quer que eu faça?
-O que há, Franz? -Nada.
Saia.
Por que está chorando?
Saia!
Não grite assim. E pare de chorar.
Eu disse para sair.
Meu ombro está doendo.
Por que meu ombro dói tanto?
Arrancaram meu braço.
Simplesmente cortaram.
Esses malditos cachorros!
Estou sem o braço.
E foram eles que o cortaram.
Eles.
Depois me largaram ali...
e agora dói.
Teria sido melhor se tivessem arrancado o ombro todo.
Então não doeria mais.
Mas eles não me mataram.
Isso eles não conseguiram. Azar deles.
Mas assim...
também não dá.
Agora posso ficar no chão...
e ninguém aparece.
Ninguém ouve quando grito...
quando o ombro e o braço doem.
Deveriam ter me matado de uma vez.
O que sou agora? Só meio homem.
Não agüento mais. Estou arruinado.
O que posso fazer?
O que vou fazer?
Vamos.
Este é o meu trabalho, Franz. Eu tenho que fazer isso.
Eu tenho.
Mieze.
Mieze.
Mieze!
A COBRA NA ALMA DA COBRA
FIM DA DÉCIMA PARTE