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Resolvi fazer uma série de vídeos sobre o tema da experimentação animal,
um tema que vem sendo bastante enfatizado pela mídia nos últimos tempos,
especialmente no Brasil.
Vi alguns vídeos na internet, de colegas biólogos, defendendo a experimentação animal
e senti que há muitos ruídos e vieses nos argumentos.
Então resolvi me posicionar em relação à esta temática.
Tenho pelo menos 15 anos trabalhando academicamente com o tema da experimentação animal,
e pensei "porque não traduzir esta experiência para este formato de vídeo"?
A ideia obviamente não é esgotar o assunto através destes vídeos
por ser um assunto bastante complexo. E seria inapropriado
abordar este assunto apenas neste formato.
O objetivo é ajuda-lo a entrar em contato com uma perspectiva crítica
à experimentação animal, especificamente a modelagem animal
na pesquisa biomédica.
Talvez em outro video eu explique porque a abordagem moral não será apresentada aqui,
uma abordagem que, diga-se de passagem, encontra-se bem apresentada na literatura.
Mas por hora, a ideia é apresentar a você alguns aspectos mais específicos
que eu considero mais relevantes, originados da própria ciência,
e que levantam questões importantes sobre a validade da modelagem animal.
De novo, é um assunto bastante complexo, e a minha expectativa com estes vídeos
é que você possa assumir uma postura mais esclarecida em relação ao assunto.
Bom, tem muita coisa pra ser dita, e espero que vocês gostem
Vamos lá.
Bom, vamos começar com uma primeira distinção que eu considero importante neste debate
Na verdade, este primeiro vídeo tem como objetivo melhor estabelecer o que é o termo "experimentação animal"
que por si só diz muito, mas também não diz nada...
Na literatura acadêmica podemos encontrar uma série de tipologias que especificam os objetivos
do uso de animais pela ciência. E veremos que este uso é bem diversificado.
Apenas para dar uma ideia, uma destas tipologias é esta:
De uma maneira mais simples, eu considero a experimentação animal
dentro de dois grandes objetivos: ensino e pesquisa.
No ensino, o animal é usado como um instrumento didático.
Basicamente, este método objetiva transmitir conhecimentos e habilidades
que são previamente sabidos.
Então, o animal é usado como um instrumento que gera um conflito cognitivo no estudante
de forma que possa então assimilar o conteúdo objetivado com a prática.
Atualmente estas práticas vem sendo alvo de críticas severas, e é cada vez mais difícil
encontrar professores defendendo este uso no ensino,
não apenas por todas as implicações éticas que este uso implica
especialmente enquanto uma prática geradora de conflitos,
mas também por sua obsolescência diante dos novos métodos
e abordagens de ensino atualmente disponíveis.
Assim, cursos onde tradicionalmente animais são utilizados, como técnica cirúrgica, fisiologia,
farmacologia, zoologia e muitos outros, este uso vem decaindo,
seguindo uma tendência mundial que visa não apenas modernizar,
mas também humanizar o ambiente de ensino.
Em outro vídeo explicarei melhor este tipo de uso, reforçando novamente que este uso
não gera novos conhecimentos, e que outros métodos mais modernos
são eficientes na transmissão dos diversos conteúdos em questão.
E isso não sou eu que estou achando. Há uma série de evidências
na literatura acadêmica demonstrando que estes métodos de ensino são
tão eficientes, e na maioria dos casos melhores, que o uso tradicional de animais.
Na pesquisa, o animal é utilizado para gerar conhecimento novo,
e há também uma grande variedade neste tipo de uso, como vimos
na tipologia que eu mostrei no começo do vídeo.
Então, antes de mais nada, é importante pensar a pesquisa como um campo bastante diversificado
com diferentes questões e métodos de pesquisa, sendo a pesquisa com animais apenas um
dentre vários métodos disponíveis.
A abordagem aqui considerará apenas o campo da pesquisa biomédica,
que também é bastante diversificado.
Podemos identificar aqui pelo menos três grandes coletivos de pesquisa neste campo.
Aqueles trabalhando no cenário clínico, com pacientes humanos, em situações mais realistas
e fiéis ao fenômeno estudado,
fazendo uso inclusive da abordagem epidemiológica.
Aqueles que trabalham com métodos mais modernos, como a tecnologia in vitro...
...culturas celulares, de tecido e órgãos.
Técnicas in silico, basicamente modelagem computacional.
E muitas outras que estão surgindo com os avanços na tecnologia.
E aqueles que insistem na tradicional modelagem animal, e que são obviamente
os mais interessados na promoção deste método.
Uma pesquisa recente nos revela que cerca de 25% dos artigos na área biomédica
usa o termo "animal" nos seus resumos.
É um número considerável, mas é importante destacar que não se trata
da totalidade da pesquisa produzida neste campo.
O custo estimado da experimentação animal no mundo é de cerca de U$14 bilhões por ano.
Outra estimativa é que cerca de 115 milhões de animais sejam usados pela ciência a cada ano.
São 200 animais por segundo.
No Brasil não temos um número preciso, mas sabemos
que cerca de 60% dos animais utilizados são roedores, seguidos de hamsters, porquinhos da índia, coelhos
e cerca de 11% de outras espécies, incluindo anfíbios, aves, cães, primatas e outros.
No mundo, este gráfico nos mostra que cerca de 80% dos animais utilizados são roedores.
Ainda mundialmente, as áreas onde os animais são mais usados pela ciência são
no desenvolvimento de novas drogas (23%), produção de vacinas (21%),
pesquisa contra o câncer (12%) e estudos toxicológicos (9%).
Notem que apenas 1% são usados para fins de ensino.
Este percentual pode parecer irrelevante, mas se considerarmos aqueles 115 milhões
temos então um número considerável de mortes neste tipo de uso (1 milhão).
E por falar em morte....
Não vamos ler em um artigo o pesquisador dizer
"Nesta pesquisa foram mortos 300 animais..."
O termo mais comum utilizado na literatura para fazer referencia
a tirar a vida de um animal experimental é o "sacrifício"
Uma revisão nas bases de artigos científicos nos revela essa informação.
Outro termo bastante usado é a "eutanásia", que significa "boa morte"
Há alguma controvérsia no emprego deste tempo, e eu tendo a ficar com
os filósofos neste debate, pois possuem uma melhor compreensão dos termos empregados.
De acordo com um destes filósofos, este termo "deveria ser empregado apenas para designar...
...a morte que serve para beneficiar o interesse daquele que morre".
O termo eutanásia seria aplicado corretamente apenas quando o animal está sob uma
condição clínica irreversível, e a indução da morte é feita em benefício
ao animal em questão, para cessar seu sofrimento, e não para que supostos benefícios sejam agregados à nossa espécie.
Bom, este ainda é o primeiro vídeo de uma série.
Vejam que eu não levantei os principais problemas de se utilizar animais na pesquisa biomédica.
Isso será feito em partes, para facilitar a compreensão.
O que eu apresentei até agora é ainda um primeiro balizamento.
O principal objetivo destes vídeos é chacoalhar uma zona de conforto que se estabeleceu
em parte da pesquisa biomédica.
Pesquisadores que trabalham há muitos anos com animais dificilmente serão convencidos de que este método
é irrelevante do ponto de vista científico.
E isso é muito compreensível. A pessoa tem toda uma biografia, uma carreira dedicada,
estruturas disponíveis, como biotérios, canais de publicação...
... e milhares de animais sacrificados!
É quase como querer convencer minha vó que deus não existe...
...e eu não perderia meu tempo com isso...
Mas pesquisadores que trabalham com animais não são pessoas malvadas, cruéis, como pintam por aí...
e estou quase certo que a maioria deles sente alguma angústia moral com este tipo de método.
Mas ainda insuficiente para provocar mudanças em suas práticas.
Isso acontece porque há um apego muito grande a este método, e pouca auto-crítica
em relação à sua relevância e impacto.
Não há nada insubstituível na ciência, como muitos defensores da experimentação animal afirmam,
e eu entendo esta afirmação. Mas qualquer um que saiba um pouco de história da ciência
sabe que o que era necessário para a ciência há 50 anos, hoje é obsoleto.
qualquer um que saiba um pouco de filosofia da ciência, também sabe que não há neutralidade
no empreendimento cientifico.
Pensando bem, existem sim algumas coisas indispensáveis ao progresso da ciência...
eu poderia mencionar criatividade, auto-crítica, sensibilidade moral, sensibilidade social...
Mas não a experimentação animal!
Bom, por enquanto é isso.
Ainda há muito a ser dito e a ser pensado...
Até a próxima! Saravá!