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Gostaria de falar da sua personagem.
A que a Noomi interpreta é a mais interessante de todas.
Teve de se esforçar para interpretar esta personagem?
Que tipo de preparação fez?
Sei que foi um desafio, no aspeto físico.
Fiz treino de artes marciais. Kickboxing, Thaiboxing, boxe.
O meu treinador chama-se Gago e tem um estilo próprio.
Aprendi com ele. Começámos...
... em Setembro, creio, no ano passado.
Cerca de meio ano antes do início da rodagem.
Também tive aulas de moto.
Na Primavera, já durante a rodagem, tirei a carta de condução de motos.
A preparação inicial foi...
... o treino, aprender a lutar, a parecer mais masculina...
... corporalmente mais robusta e ganhar força.
Há muitas cenas exigentes no aspeto físico
e é mais provável fazê-las bem e não nos magoarmos
se estivermos em boa forma física.
Também fiz dieta.
Tive um nutricionista que me ajudou a eliminar gordura subcutânea,
para ter um aspeto mais masculino.
Queria que ela fosse mais como um amigo, um rapaz.
Ou uma mulher que não gosta de ser mulher, nem que a contemplem
com essa abordagem, que é o facto de ser mulher.
Ela assume esta postura e o corpo...
Tem uma relação complexa com o corpo.
Tem relações sexuais com homens e mulheres e deve ser...
Não é gay,
mas é um ser *** que não gosta de ser visto como um ser ***.
Eu tinha o cabelo comprido. Rapámos o cabelo todo, de um lado,
e cortámos um pouco do outro.
Fizemos algumas experiências, eu e a Jenny Fred.
E também...
Cá está ela, a Jenny Fred.
Mais tarde, fizeram-me um piercing na sobrancelha até aqui.
Desde adolescente que tenho o nariz furado,
portanto pudemos usar isso.
E fizeram-me mais um furo aqui.
O que mais fizemos?
Deixei crescer os pêlos das axilas.
Bem, isso são apenas características exteriores.
Depois a parte mais difícil, um processo interior,
- um processo de preparação interior. - Exatamente.
Ela tem imenso potencial, mas tem alguns problemas com a sociedade.
- Sim. - Não chegou a pensar
que ela era sobre-humana, por ser tão talentosa?
No livro, a personagem dela é um pouco caricaturada.
Nada nela é credível, se analisarmos bem a descrição.
Ela come junk food, mas é rápida como um relâmpago.
É muito forte e capaz de subjugar os outros,
mas fuma imenso. E é anorética e baixa.
Além disso, o livro descreve-a como muito feia,
mas os homens sentem-se atraídos por ela.
Há muitas contradições.
Senti necessidade de me apropriar da personagem.
Precisava de entender tudo o que ela faz e diz,
as suas ações e história. Tinha de encontrar isso em mim.
Por isso, tentei alienar-me dos livros
e do facto de serem lidos por muita gente.
Seja como for, não é algo real.
Deve ser uma dificuldade comum,
ao interpretar uma personagem de um livro popular,
- ter de lidar com as expectativas. - Sim. É irritante.
É quase impossível não desiludir as pessoas.
Duvidam sempre do que vamos fazer.
Esforço-me para não me preocupar com as críticas e expectativas,
e com o potencial público destes filmes.
Quando estamos a trabalhar, fazemos algo concreto e difícil,
sem qualquer encanto, sujo e frio.
Nessas alturas, sentimo-nos...
Parece tudo muito cru e distante.
É um trabalho concreto e direto.
Tive de me alienar de tudo.
- Desculpa. - Não faz mal.
Distanciei-me de tudo.
Tudo o que ela é tem de ser dissociado de mim.
Assim, é um trabalho como outro qualquer. Não há diferença.
Está dissociado dos livros que as pessoas leram.
- Queres que vá para aí? - Sim.
- Podemos continuar? - Claro.
Qual é a sensação de participar numa produção gigantesca?
Talvez tenha participado em séries anteriormente,
mas aqui é necessário filmar uma quantidade imensa de cenas.
Nunca participei em nada que durasse tanto tempo.
Entrei em "Three Crowns" quando tinha 16 anos,
mas foram só 12 episódios e filmámos durante quatro meses.
- Olá. - Olá, papá.
- Como estás? - Bem.
Entrei em "Labyrinth" mas tinha um papel pequeno. Nunca fiz nada assim.
Tem vantagens e desvantagens. É difícil.
Deixamos de saber distinguir as coisas, de saber quem somos.
Mas há um aspeto positivo...
... em ter de fazer o mesmo durante muito tempo.
Apropriamo-nos do que fazemos, encarnamo-lo.
Mas ficamos desgastados.
No final, estamos um trapo.
É aborrecido interpretar a mesma personagem,
ou surgem sempre ideias novas
- e tenta aprofundar a interpretação? - Tem tudo a ver com...
Trata-se duma pessoa que passa por imensas situações,
que está a mudar e se desenvolve imenso.
Acontecem-lhe muitas coisas ao longo destes três filmes.
Mas é frustrante. Passo muito tempo sozinha.
Há muitas cenas em que estou sozinha e pode tornar-se aborrecido.
Apetece-me contracenar com outros atores.
Eu e o meu "papá" temos poucas cenas juntos e foi...
Foi muito bom dar-lhe com um machado na cabeça.
O que a faz escolher papéis sombrios?
Vimo-la interpretar muitos papéis difíceis e arriscados.
É uma necessidade sua?
Ou será que os papéis mais fáceis lhe parecem fingimento?
É só com papéis difíceis que sente que tira proveito da representação?
Nem por isso. Mas é frequente os guiões serem demasiado simplistas.
As personagens não são pessoas completas.
É frequente as personagens serem uma representação dum tipo de pessoa,
muito estereotipada, simplificada e banal.
É demasiado óbvio.
"Esta pessoa é assim."
Acho isso aborrecido, porque, na vida real,
as pessoas são complicadas.
Não há só os bons e os maus da fita. É difícil.
As pessoas são capazes de atos terríveis...
... em determinadas circunstâncias. Há uma duplicidade incrível.
Acho muito mais interessante interpretar alguém mais complexo.
Por esse motivo, tenho feito papéis de pessoas infelizes, sorumbáticas.
Mas não acho que algo tenha valor inerente por ser sombrio, triste...
... ou feio. Na minha opinião...
Simplesmente essas histórias, personagens e relações
têm sido mais interessantes.
Então, se aparecesse um ótimo guião de comédia com um papel feminino,
nem pensaria duas vezes?
Recusaria, provavelmente.
Não gosto lá muito de comédias.
Falta-me sentido de humor, por isso, não daria resultado.
É como se... Interessam-me mais...
... as relações e personagens disfuncionais, de extremos,
que não sejam tão lineares, ou tão bem-sucedidas.
Acho-as mais interessantes e genuínas,
por comparação com o que vejo na vida.
Há muito poucas pessoas tão perfumadas, bonitas...
... e bem-sucedidas como as que vemos em alguns filmes.
Sem dúvida.
Quer comentar a relação da Lisbeth com o Blomkvist?
Eles têm uma relação especial que atravessa os três livros.
É uma estranha relação de amor, de certa forma.
Eles complementam-se, mas têm características diferentes.
Bem, ela...
Está subdesenvolvida no aspeto emocional, de início.
É-lhe difícil lidar com relações, sentimentos e outras pessoas.
A situação com o Micke Blomkvist no primeiro filme é uma forma
para ela se abrir um pouco. Eles têm uma missão a cumprir.
Há uma razão para partilharem um quarto na hospedaria.
Como não têm emprego,
empenham-se nesta missão, algo que têm de resolver juntos.
É natural acabarem por se sentarem juntos, concentrados em algo.
É uma oportunidade para se abrirem um pouco,
sem que esse seja o objetivo aparente.
Cria-se uma confiança entre eles,
a oportunidade para ela se abrir com ele.
Acho que ela o ama.
É um amor triste, porque nunca se terão um ao outro.
Ela põe-no de parte, elimina esse laço.
Ela nunca admite nada abertamente, nem se expõe perante ele.
Como é trabalhar com o Daniel Alfredson?
É bom.
Ele trabalha muito depressa, comparado com outros realizadores?
Varia, mas estamos a avançar muito depressa.
Não sei se é por opção dele.
Parece-me mais uma decisão da produção.
Ele tenta dar o seu melhor nas condições que temos.
Faz tudo o que está ao seu alcance.
Às vezes, gostava
de ter mais tempo para algumas cenas e penso que ele concorda.
Não acho que ele trabalhe depressa demais.
Ele adapta-se e consegue tirar o maior partido da situação.
Que tipo de realizador e que ambiente de rodagem prefere?
Já trabalhou com vários realizadores.
Prefere improvisar, fazer vários takes ou ser espontânea?
Varia consoante o tipo de relação.
Há determinadas relações e situações,
em que temos de improvisar,
ou que nos permitem desenvolvê-las à medida que avançamos.
É importante que assim seja,
mas creio que depende do argumento.
É muito raro um argumento ser tão bom como eu desejaria.
Por isso, tudo depende do tipo de relação que estabelecemos.
Não acho imprescindível ser aconchegante e haver café e bolos.
Para mim, é muito mais importante...
... levar a situação a sério. O ideal seria as condições permitirem
que pudéssemos ter mais tempo para filmar.
Quando passamos um dia a filmar, pensamos que está terminado.
E, depois, descobrimos que não está, que devíamos ter feito doutra forma.
Podíamos ter repetido ou feito mais takes numa cena.
Muitas vezes, somos forçados a tomar decisões rápidas...
... a escolher uma via mais direta,
porque queremos trabalhar bem e cumprir os horários.
Sabemos que não temos tempo ilimitado para filmar uma cena
e podemos fazer escolhas pouco ponderadas.
Gostava de poder ter mais tempo para aprofundar as situações...
... mas não tenho uma técnica ou um método especial.
Depende das pessoas com quem trabalho.
Os atores com quem contraceno são extremamente importantes.
Tudo depende disso.
Sozinhos, não temos hipótese, por muito bons que sejamos,
ou por mais que nos embrenhemos no papel.
Se as pessoas que nos rodeiam não se quiserem empenhar como nós,
torna-se muito difícil, a meu ver.
Atores como Stellan Skarsgård e Daniel Day-Lewis
nunca vêem os próprios filmes.
Talvez assistam só à estreia, mas é difícil para eles.
- Isso também a incomoda? - Sim.
Qual será o motivo?
Normalmente, são os bons atores que se debatem com este aspeto.
Chega a ser contraditório,
que atores tão bons não fiquem satisfeitos com o resultado,
- por não ser perfeito. - É mesmo isso.
Não podemos ficar satisfeitos. Deixa de haver razão para continuar.
Há determinados aspetos...
Se ficarmos satisfeitos, mas quisermos continuar a progredir,
se sentirmos que podemos fazer melhor...
... há um motivo para continuarmos a esforçar-nos.
Mas há também...
Temos uma ideia de como soamos,
de como somos,
mas nunca corresponde à realidade, ao que vemos.
Tento libertar-me dos meus complexos,
da minha vaidade e inibições quando interpreto um papel,
para que os meus problemas pessoais não interfiram.
É fácil entregarmo-nos aos nossos complexos
E à nossa vaidade depois, quando vemos o filme terminado.
Consigo ver um filme meu depois de o dar por encerrado,
mas nunca quando ainda vai a meio.
E nunca gosto do que vejo. É muito raro gostar.
Posteriormente, já sou capaz de reter no meu corpo uma recordação do filme.
Posso tomar consciência de que eu e o Peter Andersson
demos o nosso melhor naquela cena terrível.
Fomos até ao nosso limite, esgotámos as nossas capacidades.
Levámos aquela relação ao extremo, no mínimo. E poderei sentir...
Posteriormente, já não me sinto embaraçada.
Já não me importa se o resultado foi bom ou não,
porque sei que demos o melhor. Não importa se ficou bem ou mal.
Pelo menos, foi algo genuíno naquela altura.
E depois...
Depois já sou capaz de me sentir satisfeita.
Sente o mesmo quando faz cenas como no filme "Daisy Diamond",
em que tem a possibilidade de se impor?
Sente satisfação em ter coragem para tomar esse tipo de atitudes...?
Só sinto satisfação se sentir que obtive algo genuíno
com as pessoas com quem trabalho.
Não sinto satisfação pessoal em ter esse tipo de coragem,
não é isso que sinto.
Há sempre uma luta com o guião e conflitos com a nossa opinião,
porque aceitamos fazer um filme, com um determinado argumento.
Devo a mim própria dar o meu melhor.
Se há coisas que me recuso a fazer,
devo dizê-lo de antemão: "Não quero fazer esta cena."
Nesse caso, eles podem eliminá-la ou reescrevê-la.
Mas quando nos comprometemos a fazer algo,
temos de fazer o que for preciso, independentemente das consequências.
Há determinadas coisas que não faço. Tenho limites pessoais.
Em termos pessoais, sei o que nunca faria,
o que nunca deixaria que me acontecesse.
E não fiz essas coisas.
O importante é confiar e concordar com as pessoas com quem trabalhamos.
Sempre.