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É uma das viagens épicas da humanidade.
Há milhares de anos atrás,
as pessoas saíram do campo pela primeira vez e formaram a Civilização.
Iriam construir monumentos gigantescos,
como as pirâmides e todas grandes cidades do Mundo Antigo.
Mas porque o fizeram?
Que forças deram origem à Civilização?
Durante anos, os arqueólogos têm tentado recuar no tempo até quando tudo começou,
para descobrir a resposta.
E agora, finalmente parece que conseguiram,
pois estão agora a explorar uma cidade perdida de pirâmides no Peru.
Tem quase 5 mil anos de idade.
E a história que mostra o porquê de termos
começado esta grande caminhada,
é mais extraordinária do que alguma vez alguém esperou.
Tradução e Legendagem: docsPT
AS PIRÂMIDES PERDIDAS DE CARAL
Deserto da costa do Peru,
preso entre a cordilheira dos Andes e o Oceano Pacífico.
Nada sobrevive aqui fora.
Em tempos, os exploradores debruçaram-se na procura de ouro
e dos tesouros dos Incas escondidos nas montanhas do outro lado,
mas ninguém parou por aqui.
Mas então, há 7 anos atrás, alguém o fez.
Ruth Shady ouvira falar de uns inexplicáveis e misteriosos montes
e, sozinha, entrou no deserto para os encontrar.
E então, mesmo no interior desta terra deserta, ela encontrou isto:
uma colina enorme elevando-se no deserto.
Quando pela primeira vez cheguei ao vale em 1994, estava estupefata.
Este local está algures entre a casa dos deuses
e a casa dos homens.
É um lugar muito peculiar.
Mais tarde, enquanto olhava mais de perto,
pensou que conseguia ver algo escondido debaixo do cascalho e das pedras.
Na sua imaginação ela conseguia distinguir os contornos de uma pirâmide.
E enquanto olhava em volta ela conseguia ver outra
e mais outra.
Ruth Shady tinha-se deparado com uma cidade perdida.
Foi uma descoberta que iria maravilhar o mundo da arqueologia,
porque iria dar início à resolução de uma das grandes questões ainda por responder:
por que razão os nossos antepassados abandonaram uma vida de simplicidade
e começaram a trilhar o caminho para a Civilização?
A cidade moderna dos dias de hoje é o culminar da civilização humana.
Milhões de pessoas a escolher viver e trabalhar juntas.
Numa civilização,
toda a gente tem uma tarefa específica que
contribui na busca de um objetivo comum.
Trabalhadores, profissionais, produtores,
todos eles se juntam para construir a mesma sociedade.
Acima de todos eles,
pessoas com poder.
Eles comandam quem faz o quê,
quando e onde o fazem.
Mas nem sempre foi assim.
Como este complexo sistema apareceu, tem sido um grande enigma para os cientistas.
Há mais de um século,
certamente uma das mais importantes questões dirigidas aos arqueólogos
é também a mais importante.
Qual é a origem da Civilização?
Este tem sido um tema central,
um guia para quase todos os arqueólogos a trabalhar em todos os continentes do mundo.
Porque a Civilização não era inevitável.
Durante mais de cem mil anos, não haviam governantes nem cidades.
A humanidade ou vagueava pelo mundo em pequenos grupos familiares,
ou vivia em pequenas aldeias.
Havia pouco planejamento,
pouca liderança e ausência de futuro.
Apenas sobrevivência.
E então, algo aconteceu.
Há seis mil anos atrás,
as pessoas começaram a sair das suas aldeias e a construir cidades enormes.
Os arqueólogos chamaram a isto: "Atravessar a grande divisão."
Isto aconteceu em seis locais no mundo:
no Egito, Mesopotâmia, China e Índia,
e no Novo Mundo, no Peru e na América Central.
Sem estes pioneiros a atravessar essa grande divisão
o nosso mundo moderno não existiria.
E o que é estimulante para nós,
é que aqui estamos nós no século XXI,
a viver em sociedades que em última análise são... que essencialmente resultam
dessa mudança histórica, dessa divisão histórica.
Os arqueólogos examinaram todas as civilizações antigas uma por uma,
na procura de pistas para saber o porquê de terem aparecido repentinamente.
E por várias vezes, descobriram que tinham muitas coisas em comum.
Por exemplo: aritmética, matemática e sistemas de calendarização.
Escrita.
Cerâmica.
Metalurgia.
Mas acima de tudo, havia mais uma coisa.
Arquitetura monumental.
Em todas as primeiras civilizações havia o mesmo.
Enormes estruturas monumentais.
Este era o derradeiro indicador que as pessoas reuniam-se
sob as indicações de líderes por um objetivo comum.
As pirâmides marcaram a chegada da Civilização.
Não se pode construir uma estrutura enorme como aquela na base de consensos.
É preciso ter líderes e seguidores,
são precisos especialistas,
tem que se ter pessoas no comando,
pessoas que possam dizer a pequenos grupos: "Certo, hoje vão fazer isto."
Este grupo: "Vocês vão fazer outra coisa."
Mas nada disto explicou o porquê
dos nossos antepassados terem cruzado esta divisão histórica.
O que fez com que tivéssemos desistido de uma vida simples pela cidade?
Essa questão ainda fascina os arqueólogos,
porque explicá-la é entender a verdadeira essência da humanidade moderna.
E essa é a questão central:
Como aconteceu, quando aconteceu e porque aconteceu?
Haviam, claro, muitas teorias.
Alguns disseram que foi a irrigação,
outros o comércio,
alguns afirmam, ainda hoje, que foram extraterrestres.
Mas muitos disseram que foi outra coisa qualquer,
algo aterrador.
A guerra.
A teoria era simples.
A guerra forço grupos de aldeões a juntarem-se para se protegerem.
Isto levou a novas formas de organizar a sociedade.
Líderes poderosos emergiram
e estes líderes tornaram-se faraós e reis.
Atribuíam tarefas e organizavam vidas.
A sociedade complexa teve origem a partir do medo.
Durante 20 anos, Jonathan Haas e Winifred Creamer,
testaram a teoria da guerra em todo o mundo.
Um casal de arqueólogos.
Eles encontraram sinais relevantes de batalhas em todas as primeiras civilizações.
Enquanto se observa uma cultura, à medida que se torna mais complexa,
parecem existir vestígios de guerras em todo o lado.
Estas sociedades pareciam estar sempre em guerra,
ou a guerra era caracterizada em pinturas, a guerra era representada na arquitetura.
Vê-se um guerreiro ou exércitos,
vê-se generais.
Em relação à escrita, a escrita é sobre guerras.
Enquanto não é universalmente aceite,
muitos concordam com as conclusões de Haas,
que as guerras foram uma força condutora crucial
por detrás do nascimento da sociedade moderna.
Eu francamente acho difícil de conceber
o surgimento de uma complexa civilização urbana
na ausência de graus de conflito,
ou da presença de guerras.
Mas era apenas uma teoria.
Os arqueólogos não tinham provas.
Por isso passaram anos a revolver a terra,
perseguindo uma maneira de transformar a teoria em fato.
O que eles tinham que encontrar era o que os arqueólogos chamavam de "Cidade Mãe".
Este era o elo perdido da arqueologia,
a primeira etapa da Civilização,
o momento em que a humanidade atravessou a grande divisão.
Portanto, se conseguíssemos encontrar uma dessas primeiras etapas da Civilização,
iria dar um enorme contributo
para o nosso entendimento do processo do desenvolvimento da Civilização.
Se a teoria deles estivesse certa,
então a cidade mãe estaria repleta de sinais de batalhas.
Mas embatiam sempre no mesmo obstáculo.
As civilizações foram construídas sucessivamente sobre elas mesmas.
O que significava que as primeiras fases tinham sido todas destruídas.
Os seres humanos reconstruíram edifícios, os seres humanos reciclaram materiais.
Em muitos casos é difícil conseguir- se retirar algo desses aglomerados de material,
que são a base dessa civilização.
Que constitui a civilização original.
Depois de anos a procurar no Velho Mundo, eles tinham encontrado pouco.
Ainda precisavam de descobrir a primeira fase que não tivesse sido soterrada,
em algum lugar inexplorado.
E então, a procura da cidade mãe mudou do Velho Mundo para o Novo.
Peru, morada de uma das maiores civilizações de sempre,
os Incas.
Aqui no alto, na Cordilheira dos Andes,
eles dirigiram um grande império,
até serem destruídos pelos espanhóis,
há 500 anos atrás.
Mas as origens desta grande civilização
remontam a milhares de anos
e a sua fase inicial permanece envolta em mistério.
E assim, a busca pela cidade mãe estabeleceu-se aqui,
desta vez na costa do Peru, onde há milhares de anos atrás, tudo começou.
Há sete anos,
a procura para encontrar essa fase inicial da Civilização, chegou aqui,
apenas a 16 km da costa, no Vale de Casma.
Foi descoberto algo verdadeiramente espetacular,
uma das maiores pirâmides no mundo.
Esta pirâmide é tão monstruosa,
que durante um século, os exploradores ignoraram-na,
convencidos de que só poderia ser uma colina.
Rivaliza com qualquer uma no Egito.
Esta é uma pirâmide que está classificada
como uma das maiores do mundo, ponto final.
É uma que cobre na superfície da colina...
abrange algo como 15 campos de futebol.
O volume dela é algo...
nós calculamos qualquer coisa como 2 milhões de metros cúbicos de material.
Mas a pirâmide era apenas o começo.
O local inteiro estende-se por mais de 10 km
e inclui uma boa quantidade de pirâmides mais pequenas.
Na frente da pirâmide principal,
estendem-se quatro praças por mais de 1,6 km.
Milhares de pessoas devem-se ter conhecido e feito negócios aqui.
O Vale de Casma
é uma das maravilhas do Peru
e é um local que cheira a civilização.
Os visitantes deste vale, quando viram esta pirâmide pela primeira vez, disseram:
"A sociedade que construiu isto trabalhou em grupo."
"Esta sociedade é muito poderosa."
"Esta sociedade é uma sociedade que é realmente muito organizada."
Tom Pozorski e a sua mulher Sheila,
estavam prestes a transformar Casma numa das sensações da arqueologia,
porque quatro anos antes,
eles desenterraram alguns pedaços de madeira
no interior da pirâmide principal.
A madeira pode ser datada pelo carbono que possui.
Os resultados mostraram que tinha sido construída em 1.500 AC.
Isso tornou Casma a cidade mais antiga alguma vez descoberta nas Américas
e uma candidata imediata para ser a cidade mãe.
E depois, eles escavaram ainda mais
e em todo o lado encontraram sinais relevantes de uma civilização
na sua fase inicial.
Havia cerâmica,
mas era muito simples.
E havia arte,
mas era igualmente rudimentar.
Era tudo muito primitivo.
Tudo parecia apontar para uma coisa:
Casma tinha que ser a cidade mãe.
Mas a questão final para os arqueólogos era:
existiriam sinais de batalhas?
Seria mesmo verdade que as primeiras civilizações
teriam resultado de guerras?
E então, chegou a descoberta final.
Aconteceu numa das pirâmides da periferia.
Ali encontraram algumas gravuras.
Há imagens de guerreiros ao pé das suas vítimas, que estão cortadas aos bocados,
estão decapitadas, os seus corpos cortados ao meio.
As cabeças têm sangue a escorrer dos seus olhos e sangue a jorrar das suas bocas
e depois há partes do corpo, de modo que se vê só uma perna
e também um busto,
ou pés e mão cruzadas.
Para arqueólogos como Jonathan Haas,
estas gravuras confirmaram o que eles há muito suspeitavam:
as guerras realmente parecem ter sido a força que deu origem à Civilização.
Parecia que a resposta para o porquê de termos cruzado a grande divisão,
do simples para o civilizado, tinha sido descoberta.
A grande expedição da arqueologia parecia ter acabado em Casma,
a cidade mãe.
Mas os dias de Casma como sensação arqueológica estavam contados.
Mesmo quando estava a chegar ao pico da fama,
Ruth Shady descobriu as suas colinas misteriosas
e elas iriam transformar tudo.
Ruth voltou ao sítio vezes sem conta
e levou consigo uma equipa de estudantes e arqueólogos.
A primeira tarefa deles:
ter uma idéia aproximada da idade de Caral,
que era como o local era conhecido, realmente tinha.
Para tal, eles tinham que encontrar cerâmica,
porque os arqueólogos são peritos a datar locais
apenas pelo tipo de cerâmica que encontram.
Mas após semanas de procura, não tinham encontrado nada.
Procuramos cerâmica durante dois meses.
Todas as noites perguntávamos uns aos outros se alguém tinha encontrado alguma,
mas ninguém tinha.
Estávamos completamente frustrados.
Isto era muito estranho.
Todas as civilizações primitivas estão repletas de cerâmicas,
mesmo Casma.
Mas esta não.
Por isso, procuraram por algo mais que se espera encontrar numa civilização:
utensílios de metal.
Mas os únicos utensílios que encontraram eram feitos não da metal,
mas de pedra.
Havia apenas uma conclusão:
esta era uma civilização numa fase extraordinariamente primitiva.
Pouco a pouco, à medida que analisávamos as nossas descobertas,
começamos a perceber que este sítio era completamente diferente
de tudo o que já tínhamos visto.
E que era muito mais antigo do que esperávamos.
Mas quão antigo?
Ainda não tinham encontrado nada que pudessem datar
e por isso decidiram escavar no interior das maiores estruturas de Caral,
as pirâmides.
Isso era um grande empreendimento.
O local era enorme e as pirâmides gigantescas.
Ruth precisava de ajuda,
de tal modo que recrutou o exército.
No seu percurso, amontoaram milhares de toneladas de areia,
cascalho e pedras, acumuladas durante milênios.
Teriam que ser mudadas,
e para que se evitasse causar danos às estruturas originais,
só poderiam ser removidas por um balde de cada vez.
Gradualmente, foram vislumbrando o que se encontrava soterrado.
Algumas das pedras originais,
um pouco de argamassa,
pinturas que não se viam há milhares de anos,
uma série de escadarias
e o muro à frente da pirâmide.
Não havia dúvidas que estas pirâmides
necessitaram de trabalhadores especializados, arquitetos,
uma enorme mão de obra e líderes.
Todos os ornamentos da Civilização.
E então, finalmente,
alguém da sua equipa encontrou o que eles andavam à procura.
Soterrado perto das fundações de um dos edifícios
estavam juncos.
Estes juncos tinham sido entrelaçados em algo a que se dá o nome de sacos de shicra.
E os sacos eram claramente usados para trazer as pedras das montanhas.
É uma técnica descoberta apenas nos edifícios mais antigos do Peru.
Os juncos podem ser datados pelo carbono.
O que significava que finalmente Ruth podia descobrir que idade tinha Caral,
mas faltavam-lhe os meios para o fazer,
por isso procurou ajuda no exterior.
E assim, no ano passado,
Jonathan Haas e Winifred Creamer foram convidados para irem ao local.
O que viram deixou-os perplexos.
Era o conjunto mais incrível na...
dos locais arqueológicos, que alguma vez tínhamos visto em todo o mundo.
Foi literalmente um daqueles momentos em que dá a sensação que o tempo pára,
quando se fica embasbacado e pensamos:
"Meu Deus! Nunca vi nada assim na minha vida"
Não tinham dúvidas que Caral era um sítio possivelmente muito importante.
Isso fez com que o datar dos sacos de shicra fosse crucial.
Levaram 12 amostras para a Universidade de Illinois
para fazerem ***.
Se os sacos fossem de 1.400 AC,
Caral teria sido com certeza um descoberta muito importante,
mas mais recente que Casma.
Datas por volta de 2.000 AC, faria dela a cidade mais antiga das Américas.
Qualquer data mais antiga parecia ser inconcebível.
Três meses depois, chegaram os resultados.
Eu estava a trabalhar e o Jonathan telefonou-me e disse:
"São simplesmente magníficas, são mesmo muito antigas."
Os sacos foram datados em 2.600 AC.
Caral tinha quase cinco mil anos de existência,
tão antiga como as pirâmides do Egito,
mais antiga do que alguém pensou ser possível.
Andei praticamente histérico durante os 3 dias seguintes.
Caral era mil anos mais antigo que Casma.
O que significava que Casma não podia ser a cidade mãe,
tinha que ser Caral.
Era agora a vez de Caral ser uma sensação.
A nova cidade mãe permitia que os arqueólogos pudessem finalmente
procurar respostas para a sua grande questão:
Por que razão a Civilização teve início?
Tínhamos eliminado algumas destas falsas partidas e becos sem saída.
Este é o sítio, que sempre que vemos locais onde a Civilização evoluiu, dizemos:
"Isto aconteceu e deu origem a tudo o resto."
No contexto da arqueologia mundial, é de uma grande importância.
Deu-nos um novo laboratório independente.
Podemos procurar aqui por todas as questões
que fazemos sobre cada civilização.
Temos aqui uma oportunidade única,
uma oportunidade única historicamente,
para vermos o início, essa transição,
para... para encontrarmos o nosso elo perdido, por assim dizer.
Ruth podia agora mostrar ao mundo
como uma sociedade se parecia no início da Civilização.
O seu trabalho revelou
que no centro de Caral haviam seis pirâmides,
dispostas à volta de uma gigantesca praça central.
Ao seu lado, um anfiteatro e um templo,
o coração religioso de Caral.
Continha um incinerador, no qual Ruth acreditava
ter uma labareda cujo propósito era arder para sempre.
No centro da praça existiam casas,
algumas ornamentadas, outras simples.
A sobressair de tudo o resto,
a pirâmide principal,
morada dos governadores da cidade
e o símbolo de que as pessoas de Caral tinham deixado para trás a vida primitiva
e descoberto a Civilização.
Então, era assim que a sociedade moderna se devia assemelhar
no seu começo.
Mas por que razão a cidade se encontrava aqui?
Porque começou a Civilização em Caral?
E foi aí que os problemas começaram.
Começaram quando Jonathan Haas, o maior especialista do mundo na teoria da guerra,
vez outra visita ao local.
Procurava provas para corroborar a sua teoria.
A primeira coisa que pensou que poderia encontrar eram muralhas.
Eu comecei a percorrer e a subir
todas as encostas à volta de Caral
e finalmente apercebi-me
que não haviam nenhumas fortificações em volta destes sítios.
Enquanto isso, Ruth e a sua equipa procuravam armas em Caral,
para provar a existência de guerras, qualquer coisa,
mas mais uma vez não havia nada.
Não encontramos vestígios do tipo de armas
que se vêem em períodos posteriores da História,
como bastões de pedra.
Não vejo nenhum indício de conflitos.
A cidade não está murada,
os seus habitantes não consideravam estar sobre qualquer ameaça de guerra,
não há instrumentos de guerra.
Haas estava agora extremamente confuso,
de tal modo que expandiu a sua investigação.
Dirigiu-se para a entrada do vale,
pela qual todos os invasores teriam de passar.
Se eu fosse um exército a aproximar- se,
seria por aí que eu viria,
e seria aí que devia encontrar fortificações defensivas.
Devia haver ali uma muralha, de um lado ou outro.
Existem locais em todos estes acessos onde seria fácil construir muralhas.
Mas mais uma vez, nada.
Devia existir algo para atrasar os inimigos
e na verdade não há nada.
Não há nenhumas fortificações em volta destes sítios.
Jonathan Haas deparava-se agora com uma realidade desconfortável.
Passou anos a insistir na hipótese
de que a guerra era a força que tinha criado a Civilização
e agora, à frente dos seus olhos, ela caia por terra.
Parecia que realmente conhecíamos como principiara essa sociedade complexa,
e incapaz de vê-la mesmo no seu início.
E procuro o conflito, procuro as guerras,
procuro os exércitos e as fortificações
e não estão lá.
Deviam estar aqui
e não estão.
E tem que se alterar toda a nossa maneira de pensar
acerca do papel das guerras nestas sociedades.
E portanto, isso destrói a nossa hipótese da guerra.
A hipótese da guerra simplesmente não funciona.
A mensagem de Caral era clara:
as guerras não tiveram nada a ver com a criação da Civilização,
pelo menos aqui.
Todos os esforços para descobrir a razão da formação da Civilização
tinha que começar outra vez.
Todos os olhos estavam agora postos em Ruth.
Todos queriam saber o que estava a acontecer em Caral.
Se não foram as guerras,
o que tinha motivado essas pessoas a construir a sua magnífica cidade?
O que se veio a revelar foi que Caral era
uma sociedade que sabia como se divertir.
Perto do templo principal, Ruth e a sua equipa descobriram belas flautas esculpidas
feitas dos ossos dos condores.
As flautas foram os primeiros objetos que encontramos,
que provou que haviam pessoas a trabalhar como artesãos em Caral.
Mas as pessoas de Caral também apreciavam outros prazeres mais mundanos.
De volta ao laboratório,
a equipa de Ruth desenterrou pedaços
do fruto de algo chamado "planta achiote".
Mesmo hoje,
é usada por tribos da floresta tropical para pintar o corpo e colorir a comida,
mas tinha ainda um outro uso:
aumentar o desempenho ***.
Encontraram também conchas de uma criatura de nome "caracol megabolinus".
Estas eram usadas como ornamentos para colares.
E no interior de um deles, detectaram vestígios de um misterioso pó branco.
Era lima.
A equipa encontrou também sementes da planta da coca em Caral
e isso significava drogas.
A lima quando misturada com a coca,
aumenta os efeitos da cocaína presente na planta da coca.
É um estimulante poderoso.
Há indícios que eles usaram drogas,
porque encontramos pequenos recipientes, nos quais havia alguma lima.
Encontramos também inaladores feitos de ossos.
Os xamãs, ou homens sagrados, em certas tribos amazonas,
ainda hoje usam algo parecido.
Os efeitos são dramáticos.
Durante o transe, acreditam que estão possuídos por espíritos de animais.
Ruth acredita que este tipo de situação poderia ter acontecido
durante os festivais em Caral há todos esses anos atrás.
É provável que durante as freqüentes cerimônias religiosas em Caral,
estivessem presentes algumas drogas alucinatórias.
Mas estas descobertas ensinaram a Ruth ainda mais sobre Caral.
A planta, o caracol e mesmo as flautas, eram uma prova
para o fundamento de toda a Civilização,
porque tinham uma outra característica muito especial.
Eram completamente alheias aos desertos em volta de Caral.
Tinham vindo ou das alturas nos Andes,
ou da floresta tropical.
E isso ficava a 320 km de distância.
Todos estes produtos tiveram que chegar a Caral vindos de muito longe,
mas porquê?
O mistério estava longe de ser resolvido.
A equipa da Ruth descobriu que a Caral não importava apenas os seus prazeres.
Também importava o mais fundamental de todos os produtos:
alimento.
Parecia que o principal artigo dietético de Caral
era completamente bizarro para uma cidade no meio do deserto.
Era peixe.
Haviam inúmeros ossos de peixes,
sobretudo de sardinhas e anchovas.
Só podiam ter vindo da costa do Pacífico a mais de 32 km de distância.
Havia agora um grande enigma.
Produtos de todo o gênero pareciam afluir para Caral vindos de todo o Peru.
Porquê?
O que acontecia em Caral que os atraiu para lá?
O mistério de Caral cativava agora Jonathan Haas e Winifred Creamer.
Desde o colapso da teoria da guerra,
eles percorriam os vales em volta de Caral,
na busca de provas para uma teoria alternativa.
As suas andanças levaram-nos às colinas circundantes dos vales
e fez com que se apercebessem
que todos os vales de Caral tinham uma coisa em comum:
rios.
Ainda hoje,
Caral é alimentada por rios que percorrem as encostas dos Andes até ao mar.
Esses rios seriam a chave no desvendar do mistério
do porquê da Civilização se ter formado primeiro aqui, em Caral.
Porque com os rios surgiria um enorme avanço tecnológico:
a irrigação.
Este é o tipo de sistema de irrigação mais simples possível.
Tudo o que foi preciso fazer foi pegar numa enxada, ou qualquer coisa parecida,
e cavar uma pequena vala do rio para um pedaço de terra
e podia-se ver que estava com a inclinação certa porque a água seguia nessa direção.
Os vales perto de Caral
são atravessados por valas de irrigação antigas
e a irrigação iria transformar o deserto.
Assim que se trouxesse água daquele rio
para o deserto peruano,
esse deserto iria florir.
Logo que tivesse água, seria a terra mais produtiva que se poderia esperar.
Jonathan acredita que Caral terá sido em tempos um enorme Jardim do Éden.
Aqui no meio do deserto,
teria existido um vasto oásis de campos com frutas e vegetais.
Teria feito de Caral uma das maravilhas do Mundo Antigo.
E a irrigação levou a outra coisa,
a descoberta que se iria revelar como a inovação crucial
por detrás do aparecimento da Civilização em Caral.
Os investigadores de Ruth
começaram a procurar pelo tipo de vegetais que
as pessoas de Caral tinham andado a comer.
Por entre os feijões e nozes,
encontraram sementes de algodão,
grandes quantidades.
De fato, o algodão parecia estar em todo o lado.
Praticamente todos os edifícios
continham sementes de algodão, fibras de algodão ou tecidos.
No começo estávamos muito surpreendidos com a abundância do algodão.
Algum do algodão tinha sido usado para roupas,
mas tinha outro uso que não tinha nada a ver com Caral:
redes de pesca.
Esta rede foi encontrada na costa, não muito longe de Caral.
Tem quase 5.000 anos,
tão antiga como Caral.
Foi então que tudo se tornou claro para Ruth.
Caral estava envolvida em comércio.
Fazia redes de algodão para os pescadores,
que enviavam peixe como pagamento.
Foi estabelecida uma ligação comercial entre os pescadores e os agricultores.
Os agricultores cultivavam o algodão,
que os pescadores precisavam para fazer as redes
e os pescadores davam-lhes, em troca, crustáceos e peixe seco.
Esta era a grande visão de Ruth Shady.
O comércio de algodão conduziu a um enorme sistema auto sustentado.
Caral criava o algodão para as redes.
Com as redes, os pescadores podiam apanhar mais comida.
Mais comida significava que mais pessoas
podiam viver em Caral para cultivar mais algodão.
E assim, Caral tornou-se num próspero centro comercial.
E o comércio propagou-se.
Foram encontrados produtos que vinham de tão longe como
o Equador, os Andes
e claro, da floresta tropical a centenas de quilômetros de distância.
Há comércio com pessoas nas montanhas,
na floresta e também com as pessoas do litoral, que fica muito longe daqui.
Existe uma rede de comércio
que é bem mais predominante que o comércio interno
no interior dos vales em torno de Caral.
Parecia então,
que tinham encontrado a resposta para essa grande expedição arqueológica.
A força impulsionadora
que levou ao nascimento da Civilização em Caral há 5 mil anos atrás,
não era a guerra.
Parecia ter sido o comércio.
Ruth Shady, a arqueóloga do Peru,
tinha-o descoberto.
Parece que as permutas era o que mantinha este sistema interligado
e tem vindo a emergir como a teoria mais efetiva que temos hoje
para explicar como este sistema se desenvolveu.
E surpreendentemente, esta permuta parece ter construído um mundo agradável.
Não existiam batalhas, nem fortalezas.
A Civilização no Peru nasceu aparentemente num tempo de paz.
Ou terá mesmo sido?
Mesmo quando parecia estar tudo resolvido,
a equipa de Ruth fez uma descoberta fortuita
que ameaçou questionar tudo.
Numa das casas maiores,
talvez a casa de alguém da classe alta,
descobriram algo invulgar.
Pensávamos que tínhamos acabado o trabalho nesta secção.
Olhamos para o chão e não achamos que houvesse ali mais nada.
Mas quando voltamos no dia seguinte,
reparamos que havia uma ligeira depressão
numa secção do chão do edifício.
No início, pensaram que tinham encontrado um objeto pessoal,
talvez um ornamento.
Quando observaram mais de perto,
conseguiram ver que era uma cesta de juncos.
Tinha permanecido debaixo do chão de uma casa durante aproximadamente 5.000 anos.
Quando Ruth limpou o pó,
encontrou algo muito mais perturbador no interior,
ossos humanos.
Tinham-se deparado com o corpo de uma pequena criança,
possivelmente até um recém nascido.
De repente, surgiu uma possibilidade assustadora.
Talvez as pessoas de Caral tenham dado início a uma tradição
que viria a ser habitual nas civilizações seguintes nas Américas,
o sacrifício humano.
Afinal de contas, talvez Caral não fosse uma civilização de paz e felicidade,
talvez fosse brutal e governada não pelo comércio, mas pelo medo.
Tornou-se vital descobrir como tinha morrido esta criança.
Teria sido uma vítima de alguma prática bárbara?
O corpo foi enviado para os laboratórios para análises
e com ele, os objetos encontrados junto a ele.
Ruth estava admirada por ver que o bebê
tinha sido colocado na posição fetal antes de ser enterrado.
E ainda mais surpreendida por ver que o corpo tinha sido cuidadosamente
envolto em vários pedaços de roupa de qualidade.
Ao lado do corpo estavam pequenas pedras.
Tinham sido escrupulosamente polidas e furadas mesmo no centro.
Tinham que ser contas, talvez de um colar.
Depois examinaram os ossos.
Eram de um bebê de 2 meses de idade.
E depois, lentamente, cada osso foi examinado na busca de sinais de violência,
mas não haviam nenhuns.
Suspeitaram que esta criança tinha morrido de causas naturais.
Tinha sido preparada com todo o carinho para o enterro.
Este primeiro cidadão da civilização americana, não tinha sido sacrificado,
mas uma criança muito amada.
Afinal de contas, Caral tinha mesmo sido uma cidade de paz.
Portanto, esta é a verdadeira história de Caral.
No deserto,
emergiu uma cidade de pirâmides,
construída sobre riquezas ganhas pacificamente através do comércio.
Deu origem a uma civilização que permaneceu intacta
por mais de 4 mil anos.
É uma história que ainda pode conter
a resposta para a questão mais importante da arqueologia:
qual o porquê dos humanos terem "atravessado a grande divisão",
do rudimentar para o civilizado?
Caral foi a primeira cidade
com o primeiro governo central
alguma vez criada.
Caral muda toda a nossa maneira atual de pensar sobre as origens da Civilização.
Porque parece que há 5 mil anos atrás,
eles não precisavam de guerras.
Caral desfrutou de uma paz que durou quase um milênio.
Um feito sem igual no mundo moderno.
É um período de mil anos de paz.
Não se pode ter mil anos de paz se a guerra é natural para os seres humanos.
A guerra faz parte da natureza humana.
Não se pode ter um milênio sem guerra.
Talvez esse seja o verdadeiro legado de Caral.
A civilização humana não nasceu do derramamento de sangue e batalhas.
A guerra foi uma parte posterior da história humana.
GRANDES ACÇÕES PODEM RESULTAR DA PAZ.
Tradução e Legendagem: Madeira @ docsPT