Tip:
Highlight text to annotate it
X
Eu mal tinha entrado na adolescência quando tentei suicídio pela primeira vez.
Se na época eu soubesse o que sei hoje,
bem, provavelmente não teria sido muito diferente.
E provavelmente não teria sido muito diferente
porque, às vezes, não importa o que você sabe;
o que você sente simplesmente toma conta.
E há muitas formas, como essa, de nossa percepção ficar limitada.
Na verdade, nossa percepção é seus próprios limites
e esses limites são criados por nossa biologia,
por nossa psicologia, por nossa sociedade.
São esses os fatores que criam a bolha que nos envolve,
nosso campo perceptivo, o mundo como o percebemos.
Bem, essa bolha, nosso campo perceptivo,
tem a capacidade incrível de se expandir e se contrair,
dependendo de mudanças em quaisquer dos fatores que a criam e a informam.
A maioria de nós já vivenciou
os desafios da contração de nossa percepção uma vez ou outra.
Pense naquela vez em que alguém o fechou no trânsito.
Na cidade, isso provavelmente ocorreu hoje, sejamos francos.
Ao passar por isso,
talvez você tenha sentido o coração acelerar, o rosto queimar.
Você pisa nos freios para evitar uma batida.
Depois, você foca a placa do carro enquanto ele passa voando por você.
Talvez a única coisa que passa pela sua cabeça nessa hora
é o quanto você pode ser criativo
na escolha das palavras que está prestes a gritar para o cara, pela janela.
Depois disso, sua percepção volta ao normal.
Você relaxa e dá continuidade ao seu dia.
Talvez você até esqueça o ocorrido.
Mas imagine que não.
Imagine que você tenha ficado ali, parado, naquele lugar estreito e escuro.
Bem, viver com transtornos mentais pode ser assim.
Pelo menos, foi assim comigo,
no mais profundo do meu transtorno mental, quando adolescente.
Minha percepção havia ficado estreita, escurecida e destruída.
Eu me sentia como um asmático que perdeu os óculos num furacão.
Bem, quando estava naquela cadeira,
olhando para o meu orientador na oitava série,
a única coisa em que eu pensava era: "Você não é bom o bastante.
Você não é inteligente o bastante.
Você não é o bastante".
E não importava se eu fosse o bastante,
pois esses eram os limites estreitos da minha percepção.
Quando segurei aquela faca de cozinha de 20 cm nas mãos,
quando a ergui até a garganta,
pressionei-a e senti o sangue começar escorrer pela mão,
a única coisa em que conseguia pensar naquele momento era:
"Ninguém sequer sentiria sua falta".
Ouvi o orientador pedir, do outro lado da sala,
parecendo estar a milhas de distância: "Por favor, Mark, não!"
Eu o ouvia, mas não o estava escutando.
Respirei fundo.
"Não tenho escolha".
Se o orientador não tivesse corrido até mim,
jogado-me ao chão, tirado aquela faca à força da minha mão,
talvez eu não estivesse aqui hoje. Penso muito nisso.
Mas nem todos os dias eram tão traumáticos.
Eu talvez parecesse como qualquer jovem normal na maioria dos dias,
se não um tanto quieto.
A verdade é que eu era.
Eu era tão normal que a maioria das pessoas jamais notaria.
Provavelmente ficariam até surpresas ao descobrir
como eu odiava a forma
como a luz do sol entrava pela janela toda manhã
quando eu acordava.
Eu sei que alguns de vocês também sabem como é essa sensação.
Eu era tão normal que, alguns anos mais tarde,
sem ter recebido a ajudava de que tão claramente precisava,
a maioria das pessoas jamais perceberia que eu era aquele
que havia causado tanta comoção certa noite, bem tarde,
quando tentei me jogar de um viaduto.
Novamente, se soubessem, eu teria sido o último a descobrir, de qualquer forma,
porque é assim que essas coisas acontecem.
As pessoas parecem bem interessadas em falar de transtornos mentais e suicídio
desde que a portas fechadas e falando baixo.
Bem, é isto que vou fazer diferente com vocês hoje:
compartilhando minhas experiências,
espero aumentar minha voz e abrir essas portas.
É assim que faço: eu me lembro.
Lembro que estava caminhando pelas ruas vazias da minha cidade.
Estava sozinho dessa vez, diferente da outra vez,
porque eu queria morrer sozinho.
Minha mente estava acelerada, gritando, tremendo, desabando em si mesma de novo.
Quando se está nessa situação
e sua percepção está desabando dessa forma,
aqueles antigos pensamentos voltam: "Você não é bom o bastante.
Não é inteligente o bastante. Não é o bastante".
Então, fui andando e me aproximei do guarda-corpo do viaduto.
Caminhei ao lado dele, olhei por cima dele,
cheguei a um poste, ao meu lado esquerdo, e parei.
"Devo aguentar só mais um dia?"
Essa é uma pergunta que descobri que pessoas com tendência suicida
parecem sempre se perguntar.
Perguntei a mim mesmo e a outros com quem trabalhei.
Os jovens de hoje também já se perguntaram isso.
É uma pergunta instintiva de esperança:
"Devo aguentar só por mais um dia?"
Para quê?
Para ser um jovem maluco?
"Já aguentei até aqui e as coisas não melhoram nem um pouco.
Por que continuar tentando, se não dá certo?
Não sou louco."
Minha percepção estava desabando.
Ela estava comprimindo
aquela esperança instintiva que todos têm dentro de si.
Eu subi no guarda-corpo em três partes, como degraus de uma escada.
Tive muito cuidado para não escorregar.
Desci pelo outro lado do guarda-corpo.
Tive pouquíssimas escolhas na vida,
mas essa foi certamente uma delas.
Eu precisava de algo, qualquer coisa, de que eu pudesse ter certeza.
Então, eu me virei.
Senti o guarda-corpo contra minhas costas, logo abaixo das minhas omoplatas.
Estiquei os braços na extensão da superfície de metal.
Lembro-me de sentir gotas de chuva sob meus dedos.
Olhei para baixo, para os meus pés.
Meus tênis estavam velhos, desgastados.
Meus calcanhares estavam apoiados no concreto e as pontas dos pés, no ar.
Depois, olhei para o chão, a uns 15 metros abaixo.
No chão, vi uma cerca de treliça enferrujada,
com três linhas de arame farpado em cima.
Enquanto estava em pé ali, naquele momento,
a única coisa em que pude pensar com minha percepção reduzida
foi: "A que distância eu deveria saltar desta ponte
para não cair em cima daquela cerca?"
Porque eu só não queria...
Eu só não queria que doesse mais.
Naquele momento, minha vida inteira estava totalmente sob meu controle.
E quando se está vivendo em um furacão como esse, o tempo todo,
é uma sensação realmente desconhecida, mas realmente satisfatória,
sentir como se tivesse controle sobre toda a sua vida.
Fiquei ali por um tempo, apenas fiquei lá, com aquela sensação,
experimentando aquela sensação de poder controlar minha vida naquele momento.
Por fim, fui trazido de volta à realidade
ao ouvir a voz de um homem por cima do meu ombro direito.
Conversamos durante algum tempo,
mas, até hoje, não me lembro sobre o quê.
Ele usava uma jaqueta marrom-claro, mas não me lembro do rosto dele.
Não olhei para traz por tempo bastante e nunca mais o vi.
Antes que percebesse, pude ver luzes piscando, pelo canto dos olhos.
Olhei para a direita e para a esquerda
e havia três carros de polícia em cada lado, bloqueando a rua.
Havia uma multidão de transeuntes noturnos boquiabertos, em ambos os lados.
Eram 2h ou 3h da manhã, eu acho.
Ou estavam voltando de bares,
ou simplesmente chegaram ali para ver o que estava acontecendo.
Ouvi um homem, ao lado direito, gritar para mim: "Pule, covarde!"
"Certo. Já chega."
Mais uma vez, respirei fundo
e, quando fiz isso, meus braços pareceram se soltar do guarda-corpo,
como se, de repente, tivessem ficado sem peso, leves.
Pude sentir a extremidade do concreto
sob a concavidade dos meus pés começar a se mover.
Fui me inclinando para a frente
e senti o ar envolver meu corpo, em meu rosto, em meu cabelo
e me senti livre.
Então, um braço abraçou meu peito, seguraram a parte de trás da minha camisa.
O homem com jaqueta marrom-claro contou depois à polícia
que meu corpo estava completamente mole quando ele me segurou
e me puxou para o lado de dentro do guarda-corpo.
O suicídio é realmente uma escolha, quando é a única escolha disponível?
Nós nos perguntamos: "Como ele pode ser a única escolha?"
"Como pode ser sequer uma escolha racional?"
Felizmente imaginamos e nos perguntamos como podemos ajudar.
Podemos começar a ajudar
entendendo melhor que nosso transtorno mental pode afetar
o estado e a flexibilidade da nossa percepção.
Tenhamos ou não uma doença mental,
o quanto nossa percepção se expande ou se contrai
impacta as escolhas que fazemos.
Quando eu estava em pé naquele viaduto,
minha percepção estava tão restrita que eu via apenas aquela escolha.
Quando vemos o suicídio de outra pessoa,
sempre parecemos tentar racionalizá-lo.
Sempre ouço isso.
Acho que é porque ficamos desconfortáveis
com a sensação de estarmos perdidos e sem conseguir entender.
Mas uma vez que sabemos que nossa percepção é criada e continuamente formada
por nossa biologia, por nossa psicologia e por nossa sociedade,
temos na verdade muitos pontos de entrada
para podermos ajudar e podermos entender melhor o suicídio.
Uma forma de ajudar é parar de dizer que as pessoas "cometem" suicídio.
As pessoas cometem estupro, assassinato, mas ninguém cometeu suicídio no Canadá
desde o início dos anos 70, quando ele deixou de ser crime.
Isso porque o suicídio é um problema de saúde pública, não criminal.
É um problema de saúde, sabemos disso.
Noventa por cento dos suicidas
têm um transtorno mental diagnosticável e tratável à época de sua morte.
E sabemos que medicação e psicoterapia são tratamentos que funcionam
e, por isso, precisamos torná-los mais disponíveis e divulgá-los mais a todos.
Podemos fazer parte dessa mudança, tenhamos ou não transtornos mentais,
cuidando de nossa própria saúde mental quando formos fazer nosso check-up anual
e pedirmos um check-up psicológico também.
Tanto em nível social quanto individual, podemos desafiar nossos antigos conceitos,
como o de dizer que as pessoas "cometem" suicídio.
Quando comecei a fazer isso,
eu implorava para que alguém fizesse algo em relação ao suicídio e ao estigma.
Bem, isso não é mais aceitável.
Em vez disso, comecei a fazer algo.
Quando a principal causa de morte entre jovens mães
no primeiro ano após o parto é o suicídio, isso também não é aceitável.
Quando as comunidades indígenas dos Inuits e Métis estão sendo devastadas
por um índice de suicídio cinco a seis vezes maior que a média nacional,
isso não é aceitável.
Quando quase um quarto das mortes de jovens de 15 a 25 anos
são por suicídio,
isso não é aceitável.
Como eu disse, quando eu suplicava para que as pessoas fizessem algo,
e isso também não é aceitável...
bem, vocês estão aqui e já estão fazendo algo,
porque estão mudando sua forma de pensar e é isso que muda o mundo.
Para vocês que talvez estejam pensando em suicídio hoje, bom.
Continuem pensando nisso.
E então, comecem a falar nisso.
Então, comecem a fazer algo a respeito também.
E para aqueles que talvez estejam pensando em suicídio,
sei que há esperança em algum lugar dentro de vocês.
Também me senti assim.
Mantenham viva essa esperança.
Precisamos de vocês.
Precisamos que vocês sejam líderes nesse debate,
estejamos prontos ou não para tê-lo.
E acreditem, se vocês forem parecidos comigo,
é esse debate que vai mantê-los vivos,
a cada dia,
como se vocês tivessem apenas mais um dia.
Obrigado.
(Aplausos)