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Após dois anos de "resgates", os governos amantes da austeridade....
... aumentam a dívida soberana de 115% do PIB para 160%.
Um em cada dois trabalhadores jovens está desempregado.
Outros milhares emigram ou têm de viver com 500 euros por mês.
As taxas de suicídio aumentam em 20%, enquanto em Atenas os sem-teto já passam dos 20 000
A Constituição é ignorada.
Banqueiros e antigos apoiadores da junta militar...
... ocupam lugares-chave na máquina estatal.
Está tudo a postos para o último ato da tragédia.
A liquidação total da Grécia.
INFOWAR PRODUCTIONS apresenta
Um documentário de Katerina Kitidi e Aris Chatzistefanou
CATASTROIKA
Editor científico Leonidas Vatikiotis
Edição Aris Trianfyllou
Música Active Member
Diretor de produção Thanos Tsantas
1991.
O curto século XX aproxima-se do fim.
O Ocidente sonha com o fim da História.
E tenta implementá-lo na Rússia.
O FMI e o Banco Mundial deixaram a União Soviética entre a espada e a parede.
Acho que, àquela altura, o presidente do Banco Mundial era o Larry Summers
e ele disse algo como
"as leis da economia são como as leis da engenharia, funcionam em toda a parte."
Era este o nível de arrogância daquele momento.
O Departamento de Estado financiou, através da Universidade de Harvard,
um grupo muito reduzido de economistas e advogados,
para gerir a transição na Rússia.
A transição incluiu a maior experiência...
... de privatizações da história da humanidade.
Uma experiência que levou uma nação ao desastre absoluto.
Por um ou dois milhões de dólares,
Alexander Buzgalin: podia comprar-se uma empresa
em que as próprias instalações valiam talvez centenas de milhões ou mais de bilhões de dólares...
como fábricas gigantescas em Ural, na Sibéria ou na Rússia central,
antigos complexos industriais militares,
fábricas de químicos, aço, etc..
O Hotel Central de Moscou
é um edifício lindíssimo do Século XIX,
mesmo no centro da cidade,
e iam vendê-lo pelo equivalente
(em rublos russos)
a mil dólares.
Quando fomos lá,
Boris Kagarlitsky no hall havia um candelabro enorme,
do século XIX,
e perguntamos a um especialista
quanto é que pagaria por ele,
se estivesse à venda.
"1 200 dólares... agora mesmo", foi a resposta.
Foi verdadeiramente catastrófico, na Rússia.
Milhões de pessoas empurradas para a pobreza extrema.
Havia gente faminta vivendo do que tinha nos jardins.
A esperança média de vida retrocedeu uma década.
Os níveis de AIDS e prostituição infantil dispararam.
Foi a dizimação de um país.
A liquidação total de todo um país,
planejada no Ocidente e executada pela oligarquia russa,
nunca teria acontecido sem a restrição das liberdades democráticas.
A proletarização brutal foi um dos motivos que levaram a oposição a reagir,
e Yeltsin, os oligarcas, a "nova" burguesia e os burocratas...
... a começar a lutar contra o parlamento.
As regras do jogo tinham de mudar.
Depois do mini-golpe de estado de 1993 contra o parlamento,
Yeltsin sente-se pronto para acelerar as privatizações.
Tenho a certeza absoluta de que a privatização de 1994
não teria sido sequer tecnicamente possível sem o golpe de estado de 1993.
A este processo chamou-se ... Catastroika.
A Catastroika na Rússia é normalmente referida com uma exceção...
na história das privatizações em ***.
Mas foi apenas mais um exemplo extremo...
... de como a liquidação de bens públicos...
... é incompatível com a democracia política e econômica.
A política liberal típica, das privatizações e desregulamentação,
com cortes nas despesas sociais,
muitas vezes acompanhados por aumentos em gastos militares...
Estas políticas foram primeiro impostas sob ditaduras.
Os primeiros laboratórios do neoliberalismo
estavam a quilômetros de qualquer sistema democrático.
A prática de leiloar os bens públicos é trazida pelos ventos neoliberais...
... que sopram pela primeira vez na Universidade de Chicago.
Professores como Friedrich Von Hayek e Milton Friedman...
... procuram um laboratório para testar...
... o chamado "mercado livre" com o mínimo de intervenção estatal.
Mas, como nenhum governo democrático aceitou concretizar as suas ideias,
Viraram-se para o Chile de Pinochet...
... e, depois, para a Turquia do general Evren.
Há uma troca de correspondência muito interessante...
entre Friedrich von Hayek e Margareth Thatcher,
que eu cito no "Doutrina de Choque",
em que Hayek diz:
"Acabei de regressar do Chile, ...
...e é fantástico o que o Pinochet está fazendo",
e descreve a maravilhosa experiência neoliberal chilena,
dizendo a Thatcher que devia fazer o mesmo...
e note-se que Hayek era o mentor dela!
Porém, ela manda-lhe uma resposta bastante severa:
"esse tipo de políticas não é compatível com uma democracia constitucional."
Margaret Thatcher acaba por encontrar um jeito...
... de trazer as privatizações neoliberais para a Europa ocidental.
Para conseguir isso, precisará de duas guerras...
... e de limitar as liberdades democráticas.
O que salvou a carreira política de Margareth Thatcher,
e a fez ser reeleita,
foi a guerra das Malvinas.
Ela chegou a dizer, literalmente,
que "já ganhamos a luta lá fora, agora temos de a ganhar em casa."
E a guerra em casa era uma guerra contra os sindicatos.
referia-se especificamente aos mineiros de carvão.
E de maneira extraordinariamente violenta...
o governo de Thatcher massacrou aquele sindicato.
Foi um dos mais violentos ataques ao sindicalismo no mundo ocidental.
A Grã-Bretanha de Thatcher é o exemplo típico de como a violação...
... das leis do Trabalho e dos direitos dos trabalhadores...
... coincidiram com a escalada de medidas repressivas.
O exemplo mais emblemático é que, hoje em dia,
de acordo com a lei britânica,
quando há mais do que quatro pessoas fazendo um piquete junto a um posto de trabalho,
o protesto pode ser proibido...
Porque pode afetar a moral de quem estiver trabalhando na empresa.
O neoliberalismo, que promete menos controle estatal,
só pode ser implementado se exigir mecanismos estatais fortes.
Não devemos esquecer nunca que o neoliberalismo é uma ideologia;
e com isto não o estou minimizando de forma alguma,
o que quero dizer é que, enquanto ideologia,
nunca, ou raramente,
é aplicado de fato de acordo com suas políticas concretas.
Olhemos para Reagan, o primeiro neoliberal no poder.
Vocês estão cientes de que ele expandiu como nunca o aparelho estatal?
É óbvio que o neoliberalismo só consegue funcionar...
se o estado exercer um papel regulador extremamente forte.
Por isso, a pergunta que interessa não tem a ver com pseudo-problemas...
como a quantidade de regulamentação ou de capital...
mas é antes "quem é que vai fazer essa regulamentação?
Um sistema de iniciativa privada não significa um sistema de iniciativa livre;
significa apenas que quem controla o sistema não foi eleito;
Daí a imagem do piquenique dos abutres.
Porém, os ditadores sedentos de sangue e a política de choque de Thatcher...
... têm um prazo de validade.
É portanto necessário encontrar novos meios...
... para infligir privatizações em ***.
Ou seja, começou sem democracia, nas ditaduras,
imposto pela força bruta, recorrendo à tortura e ao medo.
Quando a versão democrática começou,
nos anos 80,
havia necessidade de criar outro mecanismo...
para manter os países nos eixos...
e esse mecanismo foi a Dívida.
Instituições como o FMI e a Organização Mundial do Comércio...
... desempenharam um papel crucial na venda de países inteiros.
A União Europeia seguiu-lhes o exemplo.
Os pacotes de emergência do FMI
foram trazidos para a UE pela primeira vez para,
na realidade, abrirem caminho para as privatizações.
Tecnicamente, de acordo com os tratados,
a UE não devia fazê-lo, mas,...
faz parte da Troika que impôs as condições à Grécia e Portugal,
e o que está escrito nesses documentos é muito claro:
"tudo isto depende de privatizações."
As condições impostas pelo FMI,
Tal como pelos grandes bancos estadunidenses e europeus...
exigem a entrega total dos direitos dos cidadãos.
Ninguém começa a privatizar ou a desregulamentar...
... a menos que tenha uma arma apontada à cabeça,
como é o caso da Grécia hoje em dia,...
assim como a Espanha e a Itália.
Basicamente, existe uma pressão imensa sobre os governos...
por causa da situação financeira desesperada.
A dívida tornou-se o pretexto para forçar a liquidação total da Grécia.
No entanto, mais uma vez, é preciso ultrapassar um pequeno obstáculo:
A Democracia.
Este é um daqueles momentos em que a máscara cai mesmo completamente.
Quando o mercado entra em guerra com a democracia,
é como se nos dissessem que sim,
podemos votar,
mas tudo não passa de um concurso de popularidade.
O supostamente independente banco central
é um mecanismo para lembrar aos políticos
que não podem tocar nos "nossos" (deles) brinquedos.
A União Europeia e as elites financeiras gregas...
... chegaram ao cúmulo de nomear um antigo governador do BCE e de Goldman Sachs...
... para primeiro-ministro da Grécia.
O sucessor de Papandreou,
Lukas Papademos, nomeia executivos bancários,
como Gikas Hardouvelis do Eurobank
para o gabinete do primeiro-ministro.
As relações de poder políticas e econômicas...
... transformam-se em negociatas interbancárias.
O cancelamento direto da democracia.
A ideia é:
podem brincar de democracia,
mas, quando as coisas ficam sérias,
chamamos os peritos,
não há tempo para mais jogos, etc., etc...
A Grécia é retratada como um país de crianças,
de quem é preciso tirar as chaves do carro.
O que está passando na Grécia é muito sério.
Foi aqui que nasceu a democracia...
... e agora o sistema financeiro internacional pretende...
... que é aqui também onde ela deve morrer.
Acho que o termo científico é junta.
Temos um grupo de políticos...
liderado por um banqueiro,
que é, em grande medida, o responsável pela bancarrota grega.
É uma junta de banqueiros...
... que não tem mais legitimidade popular do que a junta de 1967 de Papadopulos.
O governo de Papademos é apenas um passo rumo ao controle financeiro da Grécia.
A UE, entretanto, envia mais supervisores para o país.
Os habitantes da Florida abdicaram,
em grande medida, da soberania a favor de Washington DC,
mas, em troca, podem decidir o que Washington DC vai fazer,
porque enviam para lá os seus representantes, os senadores
Acho que é preciso chegar a um compromisso desse tipo,
e não um em que o pro-cônsul alemão
vai para Atenas e controla a política fiscal grega.
É óbvio que isto põe radicalmente em causa a legitimidade democrática.
O pro-cônsul alemão é Horst Reichenbach.
Chegou à Grécia como líder de um exército de tecnocratas.
Veio seguido de muitos funcionários da UE e do FMI,
... que são colocados nos principais ministérios.
O grupo força-tarefa é, por assim dizer, como é que vou dizer... hmm...
o veículo para incluir os estados-membros,
o FMI, a OCDE e outros no contexto.
Estamos vivendo um período neocolonial...
... em que os centros políticos e financeiros internacionais
... impõem políticas, não apenas à África, e à América Latina, mas também à Europa.
... e isto torna-se uma parte integrante da organização capitalista.
Vocês são uma espécie de cobaia de laboratório,
cobaia para toda a Europa,
de um novo sistema autoritário,
que se mantém democrático apenas na superfície,
Como já vimos na Grécia na Itália,
e, posso garantir, vai ser seguido por outros países,
este sistema está sendo testado.
O controle do país pelos interesses financeiros estrangeiros e gregos...
... é alcançado sobretudo através de dois acordos de empréstimo.
O objetivo é impor as condições dos credores...
... e transformar o trabalho em escravidão.
As relações laborais regressam ao Século XIX.
Para que estas regras passem,
é necessário outro golpe, desta vez, um golpe parlamentar.
O primeiro empréstimo nunca foi ratificado no parlamento,
O que é claramente anticonstitucional.
O segundo empréstimo foi apresentado três vezes como projeto.
Os credores estavam, obviamente, exigindo alterações...
... e precisavam de uma pré-aprovação deste projeto.
É óbvio que os nossos líderes políticos não pretendem...
... cumprir a Constituição,
mas sim obedecer às ordens políticas que recebem do estrangeiro.
Quem se atreve a falar em golpe parlamentar...
... e a questionar as políticas do governo e da Troika
... é logo apelidado de populista.
É uma insolência, é um insulto! Está falando de um golpe...
... porque o governo que foi eleito por uma ampla maioria...
... pediu que uma lei fosse votada com urgência.
Deve um pedido de desculpa por insultar assim as instituições.
Você é um defensor da Grécia do dracma,
a Grécia da pobreza, a Grécia da humilhação,
você e toda a gente da sua laia.
Chega de resgates.
O terrorismo ideológico dispara:
A mídia convencional faz chantagem sobre os cidadãos...
... dizendo que, se não aceitarem os acordos de empréstimo,
... as prateleiras dos supermercados não tardarão em estar vazias...
... e o país vai regressar à idade da pedra.
Vai ser o caos. A Grécia vai tornar-se um país do Terceiro Mundo.
Vai haver cadernetas de racionamento.
Depois de se livrarem da democracia...
... os governos preparam-se para vender os bens públicos.
Começam com uma receita testada,
... fazendo dos funcionários públicos os bodes expiatórios da crise.
Há uma espécie de ideologia,
que defende que o setor público funciona pior do que o privado.
Mas não existem quaisquer evidências empíricas.
De um modo geral,
o setor público e o setor privado
funcionam basicamente da mesma maneira.
O governo grego mente quando diz que não sabe...
... o número de funcionários públicos, e depois que chegam a ser um milhão.
Omite que nem a dimensão nem os salários médios do setor público....
... são superiores à média europeia.
Os defeitos da administração pública são bem conhecidos.
Mas normalmente são as elites financeiras quem vivem do dinheiro do estado...
... as primeiras a acusar o setor público.
Depois de prepararem a opinião pública para a venda em liquidação,
a única coisa que falta é o mecanismo para a levar a cabo.
Todos os olhos se viram para a alemã Treuhand
A empresa que transformou a 10.ª maior potência industrial...
... num catálogo de compras com 510 páginas.
Eurosaal - A sala do Euro
Numa sala com 280 m2, bate o coração do ministério das finanças alemão,
Para alguns, o coração da zona euro.
A própria sala tem A uma história sombria...
... paralela à trajetória do estado alemão moderno.
Foi aqui que aos oficiais da Luftwaffe planejaram a estratégia...
... para bombardear as cidades europeias.
Depois da guerra, o exército soviético instalou aqui o seu quartel-general.
E foi nesta mesma sala que a primeira Constituição
... da República Democrática da Alemanha foi assinada.
O monstro arquitetônico que Goering construiu...
... como o maior edifício BLOCK da Europa...
... aloja agora o maior empreendimento industrial desse período.
Após a dissolução do Bloco Oriental, A Treuhand é responsável pela venda dos ativos públicos da RDA.
Uma experiência desastrosa...
... que resulta em milhões de desempregados...
... e no fim da base industrial da região.
Historicamente, é um evento trágico,
Porque a ideia da Treuhand nasceu de vários movimentos da RDA.
Quando as pessoas da Alemanha Oriental perceberam...
que a reunificação não era mais do que sua compra pela Alemanha Ocidental,
a Treuhand já era um estado dentro do estado em Berlim.
Para poder funcionar, o monstro burocrático
recorreu ao equipamento e redes das forças armadas da Alemanha Oriental.
A Treuhand transforma-se num exército de ocupação econômica.
Começou a operar quando a Alemanha Oriental ainda existia,
mas foi fundamentalmente influenciada por políticos e gestores ocidentais...
... e tubarões econômicos.
Na Treuhand, tinham um slogan popular: TINA
... que quer dizer 'There is no Alternative' (Não há alternativa).
E o retrato da Thatcher estava pendurado em muitos dos gabinetes.
A Treuhand detém 8 000 empresas, 40 000 fábricas...
... e 4 milhões de km2 de terra arável e florestas.
Acima de tudo,
tem nas suas mãos o destino de 4,5 milhões de trabalhadores.
E eis que começa a pilhagem.
Privatizavam, até durante os fins-de-semana, 10 ou 15 firmas de cada vez.
Este foi, claro está, o verdadeiro dilema...
... que gerou altos níveis de caos e fraude.
Pessoas sem quaisquer conhecimentos financeiros apareceram vindas do nada...
... para comprar negócios. Não tinham dinheiro,
mas participavam nos leilões, levavam o dinheiro das empresas,
'acertavam' as contas...
... e depois as dissolviam. Há inúmeros exemplos.
Muitas das empresas faliram.
Dos 4,5 milhões de trabalhadores, só sobraram 1,5 milhões de empregos.
Os critérios para as privatizações nem sempre eram econômicos.
Muitas das decisões foram políticas,
fechando-se várias empresas...
... para não ameaçar competição com a Alemanha Ocidental.
As empresas da Truehand tinham valor. Diz-se que eram problemáticas.
Algumas eram-no, de fato, mas muitas competiam diretamente...
... com empresas ocidentais e exportavam para o Ocidente.
Houve subornos a partidos políticos...
... para pressionar a favor das privatizações.
Em Bischoferrode, havia uma fábrica de potássio,
importante para a indústria.
Havia fábricas destas tanto no Leste como no Ocidente
Mas a influência da BASF era muito grande...
E, enquanto monopólio, a empresa não queria qualquer espécie de competição.
Por isso, embora existissem investidores interessados, as fábricas...
... tiveram de ser destruídas.
O preço a pagar pela atividade da Treuhand foi devastador.
Em algumas zona da Alemanha Oriental, o PIB contraiu 30%,
E o desemprego disparou de 0 para 20%.
Mas o mais interessante é que, depois vender um país inteiro,
A Treuhand conseguiu apresentar bilhões de prejuízos.
A Treuhand criou uma dívida de 200 bilhões de marcos e um lucro de 60 bilhões de marcos,
Esperava-se um encaixe de 600 bilhões de DM. Mas ficou sobrando uma dívida imensa...
... que ainda é detida pelo fundo correspondente.
Este fundo não está incluído no orçamento federal.
Não pode ser considerada um exemplo, porque muitas empresas foram destruídas.
Com uma dívida final de 250 bilhões, como pode ser um modelo para outros países?
E no entanto, o presidente do Eurogrup, Jean-Claude Juncker,
apresentou a Treuhand como um modelo para a Grécia.
Notei, com satisfação,
que a Grécia está disposta a estabelecer
um fundo de privatizações.
Um mês mais tarde,
o "Fundo de Desenvolvimento de Ativos" da República Helênica é criado.
A Treuhand grega funciona num edifício...
... por trás do antigo parlamento.
Os três partidos que apoiam as medidas de austeridade (PASOK, ND e LAOS)...
... partilham a gestão da organização.
Este é o professor emérito Koukiadis da Universidade de Aristóteles.
O Sr. Konstantinos Mitropoulos (Eurobank) é o gestor e a figura de proa.
É dono de uma empresa, a Kantir e trabalhou para o grupo Latsis.
Uns meses mais tarde,
O jornalista que apresentou a estrutura do fundo...
... é nomeado porta-voz.
Outras posições-chave são preenchidas por vários executivos...
... das duas empresas geridas pelo mesmo Kostas Mitropoulos.
Os políticos, os conselheiros técnicos e...
... os dirigentes de topo das próprias empresas públicas
estão perfeitamente conscientes
de que o processo de privatização
lhes dá a oportunidade de aceder...
a cargos extraordinariamente bem pagos
(nas direções, em consultorias, etc.)
nas empresas que forem privatizadas.
O fundo é supervisionado...
... por Herve Le Roy, da embaixada francesa...
... e Maarten Verwy do Ministério das Finanças holandês.
A Troika nomeia ainda três membros para o comitê de peritos do fundo.
As condições impostas pela Troika à Grécia para o funcionamento do fundo...
... são semelhantes às de países ocupados.
Os custos da privatização recaem sobre os contribuintes gregos,
ao passo que os lucros,
que foram inicialmente calculados em 50 bilhões de euros,
vão para os credores.
O fundo opera sob grande sigilo....
... conferindo imensos poderes aos seus membros.
Estes encarregam-se da venda ou concessão...
... de edifícios, terras, infra-estruturas e pacotes acionistas.
O fundo pode explorar as zonas costeiras e os monumentos da Antiguidade.
A única condição é que não mudem de lugar.
Ainda antes da criação do fundo,
funcionários do governo já tinham começado a publicitar ativos gregos...
... em roadshows, como num circo itinerante.
Eu entro num hotel no centro de Londres;
um dos mais chiques, numa das zonas mais chiques de toda a Grã-Bretanha...
e caminho até ao fundo, até o salão,
que tem cinco candelabros e inumeráveis superfícies espelhadas...
entro lá dentro e ali está a gente dos negócios e da elite grega,
discutindo como é que vão vender o patrimônio grego.
São valiosos e fundamentais,
que pertencem ao estado grego e aos contribuintes...
e que vão ser jogados fora pela janela.
Acabou-se a brincadeira.
Aqui, não há mais.
Vamos arregaçar as mangas e ganhar dinheiro... muito dinheiro.
A certa altura,
passaram a música de Zorba, o Grego;
neste país, é impossível escutar o Zorba...
sem pensar em partir pratos.
A única coisa que se continuava a ouvir,
nos intervalos,
era uma canção de Monika, uma estrela pop grega,
com uma letra do tipo:
"diga-me porque é que deixou de me ligar, você já não vem ficar comigo";
e eu pensei, mais uma vez:
"Aqui está esta imagem, mesmo inconsciente, ...
que diz que os gregos são uma espécie de estado pária".
Que os gregos passaram a ser os párias da Europa.
A Grécia de Zorba é um país subjugado à s multinacionais estrangeiras...
... que controlam as infra-estruturas.
Um país com uma dívida grave e um sistema político corrupto.
A situação era parecida com a do período entre guerras.
Especialmente entre os anos de 1924-1930...
... a Grécia era um candidato ideal para emprestar dinheiro.
Àquela altura, houve uma série de grandes escândalos.
Os governos foram subornados, incluindo os assessores de Venizelos.
As embaixadas estrangeiras intervieram diretamente no processo.
Um exemplo foi o contrato com a companhia Power,
outro foi o contrato com a Ulen.
Estes contratos eram de índole colonial...
... e revelaram-se muito lucrativos para quem investiu neles.
Quase um século mais tarde, a Troika,
em colaboração com os governos gregos,
exige a privatização das infra-estruturas do país.
O que não é explicado aos cidadãos...
... é que todas as experiências feitas com a privatização e desregulamentação...
... falharam mesmo nas economias mais poderosas do planeta.
Os maiores fracassos estão relacionados com infra-estruturas...
... tais como estradas-de-ferro, água e redes elétricas.
O Grande Assalto aos Trens
Dizem que pode-se ficar sabendo a história do sistema econômico
... através das estradas-de-ferro.
O vapor que provocou a revolução industrial...
... transformou-se numa bolha especulativa para a economia americana,
quando dezenas de empresas privadas...
... espalharam quilômetros e de trilhos de metal por todos os EUA..
A princípio, as estradas-de-ferro simbolizaram...
... o papel central do estado na economia e nas infra-estruturas.
Mas, depois da Segunda Guerra Mundial,
o liberalismo substituiu em grande parte o transporte de massas pelo automóvel
Quatro rodas e um volante...
... conduziram o sonho da classe média baixa...
... pelas auto-estradas da nova economia.
Esta tendência chegou à Europa com algumas décadas de atraso.
Quando os ditadores turcos tentaram a experiência neoliberal de Pinochet,
Turgut Ozal descreveu as estradas-de-ferro como uma invenção comunista.
No entanto, na Europa, as estradas-de-ferro...
... mantiveram-se, na esmagadora maioria, sob controle estatal.
Isto é, até a Grã-Bretanha avançar com uma experiência desastrosa.
Como um filme sem um final feliz.
Fizemos "Os Navegadores",
Ken Loach acerca da privatização das estradas-de-ferro,
depois de um trabalhador ter entrado em contato comigo
com uma ideia para o enredo.
Todo o processo deixou bastante claro
o que já sabíamos:
a privatização das estradas-de-ferro foi um desastre.
As estradas-de-ferro britânicas já não existem,
as outras estações são outra empresa,
e vão competir conosco.
Até Margareth Thatcher reconheceu que...
... os trens não funcionam como deve ser fora do setor público.
Mas John Major avançou com a privatização em 1993...
... e o público britânico reagiu.
Achavam que era algo que lhes pertencia,
porque se trata de um serviço público,
e não uma coisa que podia ser comprada
por empresas com logotipos de má qualidade,
que só pareciam interessadas em ganhar dinheiro.
Os trens, a rede ferroviária e os serviços de manutenção...
... acabaram nas mãos de diferentes empresas privadas.
tantas, que só a manutenção...
... era feita por 2 000 empresas.
O que isto significou foi uma divergência de interesses
entre duas partes do sistema
que na verdade tinham de estar juntas.
A estupidez disto tudo via-se nas terceirizações,
isto é, quando uma empresa privada
fica com a tarefa de manter uma parte da linha.
Enquanto a primeira empresa até pode ter...
regras muito apertadas de segurança,
a fim de dois ou três contratos de terceirização,
como é que se pode saber quem é que é seguro?
As mortes têm de ser mantidas a um nível aceitável.
E o que é um nível aceitável?
2 por ano.
Mas há 18 meses que não morre ninguém.
Voluntários?
Pode-se dizer sem mentir que foi tudo feito...
com uma pressa indecente e que,
no fim, isso custou vidas.
A perda foi trágica.
Os três acidentes mais graves provocados pela privatização...
... custaram 42 vidas e provocaram 600 feridos.
Não restam dúvidas de que,
desde os primeiros tempos da privatização,
o modo como essa indústria foi privatizada foi o que causou esses acidentes.
O descarrilamento da privatização não se limitou a matar pessoas.
A privatização deveria ter libertado as estradas-de-ferro,
mas tornou muito difícil tomar decisões
quanto a abrir ou fechar novas linhas,
alterar horários, etc...
e deixou-nos um sistema muito complicado e difícil de gerir.
Foi mau para os passageiros,
foi uma desorganização caótica,
não funcionou.
Nunca funcionou.
E fez-nos perder uma quantidade inacreditável de dinheiro.
Num período de três anos,
O estado pagou às empresas, sob a forma de subsídios,...
... o que ganhara com a venda das estradas-de-ferro.
E a despesa para os contribuintes não acaba aqui.
Estranhamente, em certa medida,
as estradas-de-ferro foram re-nacionalizadas.
O que temos agora é um sistema
com uma gestão semi-estatal,
que sai muito mais cara do que se fosse nacionalizada.
E, na verdade,
não trouxe qualquer investimento,
porque os investimentos foram pagos pelo setor público.
A Grécia não aprende nada com a experiência britânica.
Os governos gregos avançam com o plano de privatização da rede ferroviária.
Com o apoio da mídia.
Os trens são lentos, nunca chegam na hora, estão sempre sujos.
O prejuízo anual do grupo OSE e TRAINOSE...
... atinge os 1,2 bilhões de euros.
As estradas-de-ferro gregas são descritas
... como o serviço público que mais prejuízo gera na Europa.
Mas a quem é que pertence esta dívida?
O estado obrigou as estradas-de-ferro a pedir dinheiro emprestado para se desenvolverem.
Não há nenhum caso equivalente na Grécia...
... porque as auto-estradas, os portos e os aeroportos sempre foram financiados pelo estado.
O governo diz agora que estes empréstimos são dívida da OSE (Estradas-de-ferro gregas).
Mas não é verdade.
70 a 80% é dinheiro pedido emprestado para desenvolver a infra-estrutura.
As principais estações televisivas, de propriedade das grandes empresas de construção civil,
bombardeiam-nos com mentiras e calúnias.
As críticas centram-se...
... nos salários dos trabalhadores e nos custos de funcionamento.
Deste modo, passam despercebidos grandes escândalos...
... que envolvem políticos e empresas gregas e estrangeiras.
Dezenas de milhões de euros...
... são gastos em linhas de estradas-de-ferro que nunca serão utilizadas.
Os trens são alugados a preços pelos quais poderiam ser comprados.
O estado compra trens da Siemens...
... sem dispor da rede apropriada para os usar.
E também paga a empreiteiros trabalhos que nunca são entregues.
Tudo isto é intencional.
Damos cabo da riqueza nacional para depois, perante a degradação,
falarmos mal dela, e convencer a opinião pública grega...
... de que talvez uma empresa privada...
... seja uma muito melhor solução para as estradas-de-ferro gregas.
Em nome da racionalização,
o governo continua degradando cada vez mais as estradas-de-ferro.
Faz corte de funcionários, sacrificando a qualidade,
aumenta os preços em mais de 60% e fecha grande parte das linhas.
Por exemplo, na linha Argos-Tripoli-Kalamata...
foram investidos vários milhões de euros.
E hoje os trens não passam lá.
Ao contabilizar apenas lucros e prejuízos,
os apologistas da privatização esquecem-se de que...
... as estradas-de-ferro são, antes de mais, um serviço para os cidadãos.
Um serviço pago por várias gerações de contribuintes gregos.
Na Grécia, houve uma altura em que as dívidas privadas foram nacionalizadas...
... mas hoje o que se está fazendo é privatizar as vantagens...
... das quais os cidadãos poderiam usufruir através dos serviços públicos.
O que é que as empresas privadas investiram neste setor...
... para poder comprá-lo a um preço tão abaixo do seu valor?
Se as estradas-de-ferro são como um livro de história econômica,
a rede da água ensina-nos a gerir um monopólio.
Neste setor, cabe a Paris arcar com a conta da privatização.
A água é o melhor exemplo de um monopólio.
Nenhuma empresa de água no mundo opera numa base competitiva.
Existe sempre apenas uma rede,
e nunca vale a pena investir em redes com vista a competir.
Duas empresas multinacionais...
... com grande poder financeiro e político, a Veolia e a Suez,
reivindicam a gestão da rede de água em Paris.
E Jacques Chirac faz-lhes o obséquio.
Em 1985, Jacques Chirac toma a decisão política,
enquanto Presidente da Câmara de Paris,
de dividir Paris com base nas duas margens do rio Sena...
... e, de acordo com essa divisão...
... entrega a cada um dos grandes grupos privados e respectivas subsidiárias...
... uma margem para a distribuição da água e respectivo faturamento.
Não havia sido desenvolvido nenhum argumento técnico.
Não havia nem mesmo argumento financeiro.
Acho que o que havia era uma posição ideológica...
... que dizia que o setor privado funciona melhor.
Os cidadãos passaram a receber mais contas e mais pesadas.
Os preços continuaram a subir ao longo de 15 anos.
No que toca a preços, as contas aumentaram 260%.
É verdade que tivemos um aumento no preço da água...
... sem qualquer explicação técnica ou econômica.
Quando o município mudou de mãos, em 2001,
Com uma maioria diversificada de esquerda,...
os ecologistas, os comunistas, que chegaram ao governo de Paris,...
decidiu-se recuperar os serviços de água.
A nova empresa municipal para o abastecimento de água, que foi criada em 2010,
diminuiu os custos para o utilizador...
... e investiu todos os lucros na melhoria da rede.
Há também uma questão muito importante, a questão da democracia.
Se a administração pública for feita como deve ser, confere...
... aos cidadãos de Paris um maior controle político.
A Veolia e a Suez reagiram... ao perderem 60 e 30 milhões de euros por ano,...
exerceram pressão sobre o governo, o município e os sindicatos...
... contra Anne Le Start, que foi quem iniciou o processo.
Para eles, eu sou uma espécie de encarnação do demônio.
A luta por Paris trouxe à luz...
... o cruzamento de interesses entre empresas multinacionais e políticos.
Jerome Monod, o gestor da Lyonnaise des Eaux,
Era uma figura destacada no partido de Jacques Chirac.
Apesar destas ligações, porém,
As multinacionais da água pareciam estar prestes a perder a batalha contra os cidadãos.
Nessa altura, houve várias campanhas políticas,
e travaram-se batalhas um pouco por toda a Europa...
aliás, em todo o mundo.
O resultado foi, em quase toda a parte,
que as pessoas rejeitaram com muita força a privatização.
No entanto, a UE virou as costas às decisões dos cidadãos.
As empresas multinacionais são quem tomam as decisões em Bruxelas,...
e escolheram a Itália para próximo alvo.
Houve um referendo sobre a privatização da água.
57% da população foi votar,
e 96% disse que não queria a privatização da água.
Vota Sim
Por água pública
Até Berlusconi disse:
"não posso privatizar a água, houve um referendo que diz que não podemos".
Berlusconi foi substituído por um governo chefiado por banqueiros,
num processo semelhante ao que aconteceu na Grécia,
e, mais uma vez,
o que os funcionários europeus disseram ao governo italiano foi:
"Exigimos um programa de privatizações, e exigimos que a água esteja incluída."
Numa carta secreta que enviaram ao novo primeiro-ministro italiano,
Trichet e Draghi, do Banco Central Europeu,
exigiram precisamente o que fora rejeitado pelo povo italiano.
O fato de ter passado a ser...
... inconstitucional privatizar a água na Itália foi irrelevante.
É mais um exemplo de um processo profundamente antidemocrático,
semelhante, mais uma vez,
ao tipo de pressão que foi feita sobre a Grécia.
Durão Barroso Falei, neste fim-de-semana,
com o novo primeiro-ministro, o Sr. Papademus.
Falei também com o primeiro-ministro Monti,
e sei que estão os dois muito empenhados...
em manter os compromissos assumidos,
porque percebem que, de outro modo,
não vai haver estabilidade financeira nos seus países.
Sabemos que nos países onde o FMI intervém...
... os serviços de água são privatizados.
Sabemos muito bem que quadros superiores da Suez e da Veolia...
... trabalham como executivos e consultores do FMI.
Sabemos muito bem que os quadros da Suez e da Veolia...
... estão ligados ao BCE.
Que no Parlamento Europeu há muitos que são pagos para fazer lobby...
... e promover os interesses destas empresas multinacionais,
que há gente destas companhias indo para os governos...
Na Grécia, o governo de Papandreou nomeou...
... como diretor executivo da companhia pública das águas um antigo administrador da Veolia.
Nikos Bardis, que promoveu a privatização.
... em nome da empresa multinacional francesa,
agora descreve a Grécia como um dos últimos bastiões da União Soviética.
No entanto, os planos de privatização não começaram na era da Troika.
A venda em liquidação das redes de água de Atenas e Salônica...
Começou durante o governo de Simitis quando as redes começaram a ser privatizadas.
Ao fim de uma década, as faturas cresceram mais de 200%,
enquanto que os serviços não melhoraram - na verdade pioraram, e muito.
Em 2008, o partido da Nova Democracia recomeçou o processo de privatização...
... e três joint ventures prepararam-se para a luta.
Havia o grupo da Suez com a Ellaktor,
Havia a Veolia, com o grupo Marfin,
E havia a espanhola Aqualia, com a GEK-Terna.
Os funcionários da Suez visitaram as instalações da companhia das águas.
Não sei o que foi discutido à porta fechada,
O que sabemos é que estas empresas...
... e a Suez em particular...
... já foram acusadas em outros países...
... de subornar funcionários públicos e políticos ....
... também em países ocidentais.
Se aconteceu alguma coisa do estilo em outros lugares...
... é muito provável que também vá acontecer na Grécia.
- As eleições interromperam ou adiaram temporariamente...
O processo de privatização da companhia das águas de Salônica.
Se for eleito, vai prosseguir com o processo de privatização,
ou discorda da privatização?
- Somos contra a privatização da água.
Esta foi mais uma promessa não cumprida da campanha do PASOK antes de ir para o governo.
Depois das eleições, o governo continuou...
Com os planos de privatização de duas empresas lucrativas:
As companhias das águas de Atenas e de Tessalônica.
O principal argumento do governo...
... e das empresas que andam atrás dos recursos hídricos...
... é que não vão comprar os nossos rios e as nossas fontes;
Não vão pegar nas nossas redes e levá-las daqui para fora.
As redes ficam. Tal como a Acrópole fica onde está.
Só vão tomar conta da gestão,
Da manutenção, da distribuição, e da política de cobranças.
O que os defensores da privatização se esquecem de referir é que os custos...
... da substituição da rede vão continuar a ser pagos pelos contribuintes.
É por isso que as companhias não têm qualquer motivo para investir na manutenção destas redes
Uma manutenção insatisfatória implica lucros para a empresa privada.
A destruição das infra-estruturas significa que a substituição vai ser paga pelos cidadãos gregos.
O lucro vai para a empresa privada,
Os danos ficam para o contribuinte grego.
Como um aprendiz de feiticeiro,
a Europa vai pagar a privatização das infra-estruturas.
As forças de mercado, no entanto, vão mostrar o seu verdadeiro rosto...
... até no berço do neoliberalismo, os EUA.
A partir do fim dos anos 90...
... a Califórnia desregulamentou o mercado da eletricidade.
Mas a civilização livre da desregulamentação...
... desaparece quando se perde a energia elétrica.
É uma fantasia achar que se pode ter um mercado de eletricidade ou gás...
simplesmente, não é possível.
É um monopólio natural.
Só há um fio a passar pela sua casa.
Isto é basicamente uma história de economia básica:
se temos uma tendência para um monopólio natural,
não há forças competitivas de mercado para disciplinar a produção.
É necessário implementar algum tipo de sistema de regulamentação,
ou estamos, na prática,
dizendo às empresas para, pura e simplesmente,...
nos explorarem até ao tutano.
Historicamente, este tipo de serviços foi sempre muito regulado nos EUA,
com uma vigilância muito apertada.
Mas tudo isso começou a mudar nos anos 90.
Íamos desregulamentar a construção,
funcionamento e posse das centrais de produção energética,
deixando os sistemas de transmissão e distribuição nas mãos do setor público.
As empresas energéticas podem aumentar o preço no atacado sem qualquer controle.
Para consegui-lo,
implementam estratégias fraudulentas, complexas e com nomes de código.
No caso da Enron, fizeram coisas incríveis,
e até lhes deram nomes:
"estrela da morte",
"'ficar curtinha",
"ricochete",
"engarrafamento",
"marcação falsa".
Uma das operações recebeu o nome de Fat Boy, numa alusão...
à primeira bomba nuclear lançada.
As companhias chegam mesmo a parar de produzir eletricidade...
... para criar escassez e aumentar o preço Kilowatt/hora.
Gravação da Enron - Las Vegas Cogen, fala o Rich. - Olá, Rich. É o Bill da Enron.
Isto vai ser assim uma coisa para passar de boca em boca, ok?
Queremos que vocês sejam ligeiramente criativos...
... e arranjem um motivo para mandar a rede abaixo.
Ok, então vamos dizemos que é preciso desligar a rede para fazer manutenção.
Há gravações de pessoal da Enron a rindo...
com o fato de andarem apagando linhas...
e de estarem fazendo explodir as contas das avozinhas.
-Então o rumor é verdadeiro?
Estão mesmo lhes tomando toda a merda do dinheiro?
O dinheirinho todo que vocês roubaram ds pobres avozinhas da Califórnia?
- Sim, a 'vovó' Millie, meu.
- Agora quer a merda do dinheiro de volta por aquela eletricidade toda...
... que lhe enfiaram pelo cu acima pela merda de 250 dólares por megawatt / hora.
O outro foi basicamente o jogo do mercado,
ou seja, poderem receber dinheiro por eletricidade...
que nunca chegavam a fornecer.
O que acabou por acontecer foi que...
os preços subiram centenas e até milhares por cento,
durante esses períodos de pico.
A Enron perverteu o nosso sistema...
profundamente.
Mas não foi só a Enron;
a ideia de que a Enron era apenas a maçã podre...
está profundamente errada.
Todas as seis maiores empresas energéticas
estavam envolvidas em conspirações.
A Enron nunca poderia ter agido sozinha.
Na Califórnia, são os cidadãos que pagam as despesas desta experiência,...
quando as forças do mercado deixam milhões literalmente às escuras.
Os primeiros apagões foram em Junho de 2000.
Simplesmente, o que aconteceu foi que os produtores...
se recusaram a produzir pelo preço que lhes estava sendo oferecido,
e passaram a haver apagões dos serviços.
A desregulamentação do mercado energético na Califórnia...
... foi imposta graças a uma enorme pressão das grandes empresas.
Mas até elas saíram prejudicadas com a desregulamentação.
A ironia, claro está,
é que os maiores utilizadores destes serviços
- as grandes empresas, que necessitam de grandes quantidades de energia -
eram acérrimos defensores da desregulamentação;
mas quando a crise energética desabou ficaram entre as vítimas,
precisamente por causa da quantidade de energia que consumiam.
Como os preços de venda não podiam acompanhar...
... o jogo especulativo delirante dos preços no atacado,
o sistema começou a desmoronar-se.
Quanto mais energia mais forneciam, mais dinheiro perdiam...
e cada vez mais depressa.
Por isso, num curto espaço de tempo e em sequência,
um dos dois serviços privados aqui da Califórnia abriu bancarrota,
e o outro também esteve lá perto.
Depois passaram a fazer auto-regulação.
Se deixar isso nas mãos do mercado,
podemos chegar a situações,
nesses picos, em que os preços se tornam literalmente ridículos.
Foi o que aconteceu na Califórnia.
A regulação é aplicação direta da democracia na economia.
É o modo como nós, o público,
controlamos democraticamente os negócios monopolistas,
de forma a que não sejam eles que nos controlem.
A Europa também vai viver os seus dias de trevas...
... graças à desregulamentação e à privatização do mercado energético.
A desregulamentação começa com o Tratado de Maastricht...
... quando a UE promete uma melhoria dos serviços e preços mais baixos.
Na União Europeia, onde o mercado foi aberto,
qualquer produtor ou fornecedor de eletricidade pode aceder às redes de transporte e distribuição
para abastecer os seus clientes, o que fomenta a competição.
Até 2006, nenhuma empresa privada investia em eletricidade.
É uma infra-estrutura pública básica,
Exige um grande investimento e o retorno é lento.
Não há lucro fácil e rápido para as empresas privadas.
Por isso, gradualmente, entre 2000 e 2006,
para que o mercado atraísse investidores privados...
as contas de consumo começaram a subir.
Os contribuintes não só pagam contas cada vez mais caras;
Sem o saber, estão subsidiando os produtores de energia privados.
Myrilinaios é o dono das refinarias Aloumina e Latsis.
Precisavam de eletricidade...
... por isso desenvolveram unidades de produção energética para consumo das próprias empresas.
No entanto, aperceberam-se de que consumir a sua própria energia não era lá muito lucrativo.
Por isso, vendiam a eletricidade que produziam à companhia pública de eletricidade...
... pelo preço de distribuição de 100 euros por Megawatt/hora,
enquanto a empresa pública de eletricidade vendia eletricidade...
... a outros industriais - por 43 euros.
No caso da energia fotovoltaica, a companhia pública compra-a a 51 cêntimos,
para depois a vender a 11 cêntimos por kilowatt/hora.
Como as faturas estão sempre aumentando, as empresas privadas
... percebem que também podem lucrar com o fornecimento de eletricidade.
Hellas. A empresa privada de energia nº 1 é aqui.
O Dr. Lampros, o reumatologista, e a Srª. Fotini...
... mudaram de fornecedor elétrico sem mudar o contador.
Ou seja, a certa altura, apareceram fornecedores privados de eletricidade.
"Fornecedor" significa apenas intermediário.
Vendiam "ar".
Com um capital social de 60 000 euros, quantia bastante modesta,
conseguia-se uma licença para fornecer eletricidade.
Uma empresa que produz eletricidade através de fontes renováveis.
Onde é que foram buscar a energia renovável que estão publicitando?
Na companhia pública de eletricidade.
A princípio, as empresas privadas tinham de dar garantias...
Mas a UE livrou-as dessa obrigação.
Deixaram de ter de garantir...
... que tinham aquilo que pretendiam vender!
A autoridade reguladora grega para o setor energético...
... vai abrir a porta às empresas...
... de entre as quais vão emergir as Enrons da Grécia.
Foram emitidas 63 licenças.
Os maiores fornecedores eram a Energa e a Hellas Power.
Nenhuma das empresas reembolsou o setor público pelas despesas...
... que este assumira com a produção e distribuição de eletricidade.
A certa altura, deixaram de pagar o quer que fosse,
Incluindo até as quantias referentes à energia...
... que tinham acordado comprar no contrato.
Também cobraram a taxa agregada às faturas de eletricidade...
... e o dinheiro foi todo direto para a Suíça.
Os casos da Energa e da Hellas Power...
... são apenas a ponta do iceberg dos milhões de euros...
... que o mercado desregulado custa aos cidadãos gregos.
Durante os 12 anos de desregulamentação do mercado da energia...
... não passou a haver menos burocracia...
... os serviços não melhoraram...
... e a qualidade energética também não.
Pelo contrário, a dependência energética do país cresceu...
... enquanto as despesas aumentaram mais de 80%.
Os contribuintes são as primeiras vítimas.
Mas os trabalhadores também são afetados.
Antes da desregulamentação do mercado, que começou em 1988-89,
A empresa pública de energia tinha 35 000 empregados, e hoje só tem 22 000.
Houve uma diminuição considerável do pessoal...
... que foi substituído por empreiteiros,
Subempreiteiros, e imensos trabalhadores precários.
Os empreiteiros não estão particularmente interessados na qualidade.
Pelo contrário, têm todo o interesse...
... em que a manutenção não seja bem feita.
Também já houve muitos acidentes.
Todos os anos, há dois, três ou quatro acidentes fatais.
Indiferentes ao interesse público e às consequências para a sociedade,
Os partidos que apoiam o memorando agora defendem
... ainda mais privatização da companhia pública de energia.
O seu valor real, de acordo com dados oficiais,
É de 16-17 bilhões de euros.
E por quanto está avaliada na bolsa de valores grega?
Por 750-800 milhões de euros!
A unidade Cinco, que está para ser construída em Ptolemaida...
... está orçada em 1.5 bilhões.
Portanto, a companhia vai ser vendida na totalidade...
Por um preço inferior ao custo de uma só das suas unidades!
O povo grego pagou...
... pela rede elétrica, que chega até às aldeias mais remotas...
... e esta rede vai agora ser explorada por empresas privadas.
A maior parte destas empresas privadas...
... alimenta-se à custa do estado e só ganha em vez de contribuir.
A companhia pública de energia não foi construída pelo setor privado.
Operou durante 60 anos graças ao dinheiro público.
Trouxe eletricidade a todo o país.
É nossa e não podemos desfazer-nos dela.
Uma série de exemplos em todo o mundo prova que...
... as privatizações têm um impacto negativo sobre cidadãos, trabalhadores e serviços.
Hoje, as privatizações são impostas como necessárias...
... para lidar com a crise da dívida.
Porém, até os apologistas da privatização discordam.
Levar a cabo uma série de privatizações
não é necessariamente a melhor coisa a fazer no meio de uma crise econômica.
As privatizações vão inevitavelmente fazer com que haja mais desemprego,
e o pior que se pode fazer durante uma crise é dar aos patrões...
mais motivos para despedirem trabalhadores.
Ganha-se algum dinheiro a curto prazo;
pode ser bom para o saldo bancário durante cerca de um ano;
mas depois, perdem-se todas as receitas.
Em termos verdadeiramente econômicos,
seria uma gota no oceano a curto prazo,
e uma perda econômica gigante a longo prazo.
A crise mundial que o setor privado criou...
... tornou-se um pretexto para o ataque generalizado aos bens públicos.
Um ataque que às vezes é disfarçado.
A privatização não se prende apenas com os casos...
... em que serviços inteiros são retirados ao estado,
Sob a forma de, digamos, concessões.
Também se trata de privatização quando as universidades são avaliadas...
... não pelo nível de educação que proporcionam...
... mas de acordo com quão atrativa essa educação é para o mercado.
As universidades supostamente públicas
estão sendo obrigadas a adaptar-se aos mesmos imperativos de mercado.
Estamos perante um processo de assimilação,
em que as universidades públicas
se tornam cada vez mais iguais às privadas,
empresas criadas para gerar lucro,
com o objetivo primordial de vender educação.
E o princípio básico da educação pública é que...
a educação não é uma mercadoria.
É um direito de todos os cidadãos.
O zelo em privatizar expande-se...
... até ao que Marx denominou de "inteligência geral",
Ou seja, o conhecimento social e técnico acumulado...
... que produz a riqueza de uma sociedade.
Como é que o Bill Gates se tornou o homem mais rico do mundo?
Foi precisamente graças à privatização do espaço comum.
Em que sentido?
O que o Bill Gates oferece...
é algo que constitui o verdadeiro espaço comum...
comum que usamos para comunicar, para trocar ideias.
Não apenas conhecimento, mas algo mais geral, como notícias, a Internet, etc.
Para podermos estar em contato uns com os outros,
temos de, na prática, entrar no domínio do Bill Gates.
No entanto, a tentativa de privatizar tudo...
... dá vazão a fortes movimentos de resistência popular,
Porque as pessoas se dão conta de que tudo pode mudar...
... se houver vontade política.
Os problemas da economia não são na sua maioria legais; são políticos.
Quando se toma uma decisão política, tudo pode ser invertido.
Em sítios como a Argentina, Bolívia, Equador,
há a retoma dos sistemas privatizados,
em alguns casos simplesmente porque tem que ser...
Há remunicipalizações acontecendo neste momento, na Europa.
O que aconteceu na Alemanha, nos últimos dois anos,
foi basicamente uma remunicipalização em grande escala dos serviços de eletricidade.
A resposta à privatização, no entanto,
não pode ser um regresso à situação que nos trouxe até aqui.
O objetivo é que a propriedade pública seja controlada...
... por aqueles que a criaram: os trabalhadores.
Acho que temos de aprender com o passado.
As estruturas de gestão têm de ser mais democráticas.
A autoridade tem de vir da base, e não do topo.
O povo grego tem de lutar por isso. Se não o fizer,
não vai conseguir voltar a erguer-se.
Espero que o povo grego vá à luta,
e que os sindicatos europeus o apoiem.
Aos estudantes e aos trabalhadores nas universidades gregas...
digo para resistirem com tudo o que tiverem para dar.
Não! Vocês não são vítimas!
Ok, está difícil, mas, no fundo, vocês estão lutando, meu Deus!
Será que o homem moderno vai ser capaz de lutar contra esta tendência para ser passivo e ficar calado?
Além do mais, foi Tucídides quem disse que:
Ou a liberdade ou a tranquilidade; você tem de escolher.
Ou vive livre, ou vive tranquilo.
Você não pode ter as duas coisas.
Legendas adaptadas ao português do Brasil por Jair de Souza
Este documentário foi financiado por cidadãos gregos e de outros países.