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No início do Século XIX...
o espírito do Romantismo vivia nas artes visuais da Europa.
Na França, influenciou Géricault e Delacroix.
Na Espanha, Goya criou alguns dos melhores quadros românticos...
como o fizeram Constable e Turner na Inglaterra.
A Alemanha também contribuiu com a arte da época.
Em Dresden viveu um homem que muitos acreditam...
ser o maior pintor Romântico na arte do paisagismo.
Caspar David Friedrich.
Ele foi um artista que buscou captar os aspectos sublimes da natureza.
Desde o início de sua carreira...
os quadros de Friedrich traziam simbolismos e significados ocultos...
e sua arte reflete sua profunda fé religiosa.
Típico de um Romântico...
ele perseguiu seu destino artístico.
Suas obras costumavam ser escuras e misteriosas...
refletindo sua vida atormentada.
Os sofrimentos de Friedrich incluíram perdas...
doença, pobreza e obscuridade.
Uma vez foi recusado para um trabalho importante...
porque sua visão artística seria pessoal demais.
Mas é esta visão que agora é reconhecida...
como um dos maiores feitos da era Romântica.
Acho que sua maior contribuição foi...
inundar de significado a pintura de paisagens...
no sentido de que ele era ao mesmo tempo...
capaz de dar-lhes qualidades de diminuta observação...
e também de força espiritual, de profundidade emocional...
e, apesar de sua limitada esfera genérica e geográfica...
suas paisagens têm uma força que é...
amplamente atraente e muito poderosa.
A contribuição mais importante que Friedrich deu...
foi tornar visível, pela primeira vez, o chamado olho interior.
Ou seja, ele nos tornou conscientes de que o que vemos...
tem a ver com o que está dentro e fora de nós.
E é interessante que o tenha feito com esta paisagem.
Para nós, paisagem é algo que está do lado de fora...
é o mundo em sua natureza além de nós.
E o modo como reagimos a uma paisagem é...
totalmente ligado a nossos sentimentos e pensamentos...
coisas dentro de nós.
Sua capacidade de pintar suas reações a certos eventos...
permite que ele reaja a fatos políticos do momento...
dando a nós um relato muito pessoal.
Sua tradução do desespero, infelicidade e instabilidade...
da Revolução Francesa e da invasão francesa à Alemanha...
que ele parece traduzir em melancolia.
Caspar David Friedrich nasceu em 5 de setembro de 1774...
na cidade costeira de Greifswald, na região da Pomerânia.
Na época, a região era dominada pela Suécia...
mas os Friedrichs eram uma família alemã...
encabeçada por Adolf Gottlieb, próspero fabricante de velas.
Caspar era o sexto de dez filhos...
criado numa casa devastada pela tragédia.
Quando o futuro artista tinha 7 anos sua mãe, Sophie, morreu...
e duas irmãs suas também faleceram na infância.
Poucos anos depois, quando ele tinha 13 anos...
ele se envolveu num acidente terrível.
Patinando com o irmão numa tarde de inverno...
Caspar teve dificuldades no gelo.
Seu irmão tentou ajudar, mas acabou se afogando...
e Caspar sobreviveu.
A tragédia o assombraria pelo resto da vida.
Boa parte da obra de Friedrich se ocupava da morte...
e isto remonta às tragédias de sua infância.
Outras influências da juventude permaneceram com ele.
Sua família era de Protestantes com um estilo de vida austero.
Posteriormente, Friedrich ficou conhecido...
pela natureza espartana de seu estúdio.
Outra importante influência da infância...
foi o teólogo alemão Gotthard Ludwig Kosegarten.
Friedrich possuía uma forte fé religiosa.
Também era fascinado pela força da natureza.
Kosegarten era teólogo, mas também era...
muito influenciado pela poesia da época...
e via o mundo como uma prova do divino.
Ele costumava chamar a natureza de Bíblia de Cristo...
e provavelmente sua maior influência sobre Friedrich...
é a idéia de ver a natureza...
como sinal da criação religiosa.
Kosegarten era uma figura isolada, vivendo na natureza.
Ele via a si mesmo como uma pessoa espiritual...
retirada do mundo material e essa imagem...
do teólogo ou do artista como alguém isolado espiritualmente...
também impressionava Friedrich.
Kosegarten acreditava que se podia ver nas formas naturais...
a revelação do Cristianismo. Os ciclos naturais...
refletiam o progresso moral do homem e sua jornada até Deus...
e esta espécie de panteísmo, sua capacidade de ver Deus...
na criação foi uma influência profunda não apenas em Friedrich...
mas numa geração de paisagistas.
Kosegarten também acreditava que as nuas paisagens...
do norte, eram as mais imbuídas...
de significado espiritual. Ele acreditava que o Rugen...
era um espaço cheio de figuras mitológicas de grandes heróis...
figuras épicas do passado. E claro que esse...
interesse no Rugen era algo que ele compartilhava com Friedrich.
Em 1790, o rapaz de 16 anos...
havia decidido que seu destino era tornar-se artista.
Nesse ano, ele começou a estudar com Johann Quistorp...
um amigo de Kosegarten.
4 anos depois, conseguiu um lugar na Academia de Copenhagen.
Na capital dinamarquesa, teve aulas com paisagistas...
como Jens Juel.
Desenhos que sobreviveram revelam que este foi o gênero artístico...
que mais inspirou Friedrich.
Pouco depois de terminar seus estudos...
Friedrich mudou-se para a cidade alemã de Dresden...
e ali ficou pelo resto da vida.
Friedrich começou um curso de estudo na Academia...
mas já estava buscando sua própria agenda.
Também começou a trabalhar...
com obras executadas em sépia.
Mas foi só em 1801, aos 26 anos...
que o longo aprendizado de Friedrich começou a dar frutos.
Naquele ano, ele foi para a Ilha de Rugen, no Mar Báltico.
Foi enquanto desenhava a paisagem da ilha...
que Friedrich começou a criar a arte que definiria seu triunfo.
Há uma oportunidade de inventar sua própria história...
de expressar suas emoções através da relação com a paisagem...
de ouvir seus sentimentos, expressar suas visões interiores.
Ele não era como outros artistas na Itália e na França...
cercados pelas obras originais de Michelangelo e Rafael...
pela arquitetura ou escultura clássicas.
Ele não tinha nada disso.
Quando era menino estava cercado pela...
paisagem do norte da Alemanha.
Antes do final do Século XVIII, o paisagismo...
tinha sido muito inferior à pintura de figuras.
Grandes Renascentistas e Acadêmicos...
acreditavam que o tema principal da pintura era o homem...
a história do homem. Paisagem era o fundo...
não podia passar idéias importantes...
como um quadro histórico. Sua geração disse que...
a paisagem podia ser importante como a pintura de figuras...
podia passar as mesmas idéias, emoções e experiências.
Em Dresden, ele começou a receber encomendas em sépia.
Sua obra passou a ser conhecida na Alemanha inteira...
e ele conheceu os círculos intelectuais de Dresden.
Mas os primeiros anos do Século XIX também trouxeram problemas.
Em 1803, Friedrich começou a sofrer de depressão.
Era tão grave, que ele pode ter tentado o suicídio.
Um relato sugere que o artista cortou a garganta.
A tentativa falhou e seu pescoço ganhou uma grande cicatriz.
Seria por causa disso que ele usava as costeletas enormes...
que dominaram seus traços faciais.
Friedrich também teve distúrbios mentais por volta de 1803.
Parece que ele tentou o suicídio nessa época.
Pode ter sido por causa do período de sua carreira.
Estava quase com 30 anos e não tinha nenhum sucesso.
Talvez sentisse que não estava indo a lugar algum...
que os problemas que descobria no paisagismo...
eram tais que ele não teria soluções para eles.
Talvez se sentisse só. Estava em Dresden há 4 anos...
não combinava com a elegância e sofisticação da cidade...
então, é provável que fosse uma pessoa isolada.
Friedrich superou a depressão, mas não há dúvida...
de que isso apenas intensificou uma personalidade melancólica.
Foi perto dos 30 anos...
que Friedrich passou a pintar seriamente com óleos.
Em 1808, aos 34 anos...
ele finalmente revelou sua primeira obra-prima a óleo.
Uma obra que nos apresenta a muitos dos temas...
da obra madura de Friedrich.
Este é A Cruz Nas Montanhas...
que logo revela o amor do artista pela paisagem detalhada...
e sua profunda fé religiosa.
As crenças espirituais de Friedrich estavam lado a lado com sua arte.
Inspirado pelos escritos de Kosegarten, ele via a natureza...
de certa forma cercando a natureza divina de Deus.
Para ele, o papel da obra de arte...
era o de mediador entre esta natureza divina...
e o observador que contempla a obra.
Esta imagem é a primeira grande tentativa de Friedrich...
de passar essas crenças espirituais pela pintura.
É uma filosofia estética radical...
cheia do espírito sublime que marcou a era Romântica.
Certamente era muito radical para alguns.
A Cruz Nas Montanhas foi condenado por muitos críticos.
Faltava em sua composição a perspectiva tradicional.
E por ser um retábulo, causou indignação.
O paisagismo nunca havia sido um gênero adequado...
para temas religiosos.
Técnica e tematicamente, Friedrich mudava as regras.
Quem o criticou estava impregnado da tradição que...
enfatizava a clareza da mensagem narrativa...
e havia a história da representação da crucificação...
como narrativa humana, com figuras humanas.
Um retábulo deveria ser moral, didático, era projetado...
para expressar mensagens dos Evangelhos...
para seu público-alvo dentro de uma igreja.
Desde a Renascença, o paisagismo...
na tradição acadêmica era tido como um gênero menor...
e na sua hierarquia estava a pintura histórica...
que incluía temas bíblicos...
que eram tidos como a mais alta forma de arte.
Paisagens eram pano de fundo na Renascença italiana...
para ilustrar cenários bíblicos. Mas usá-las...
como tema principal em retábulos era algo subversivo.
A meta de Friedrich na tela...
foi provocar meditação e contemplação...
no modo tradicional para um retábulo.
Mas forçando-nos a confrontar a natureza...
com várias caras e estranhas perspectivas...
e com a nebulosidade de seus aspectos místicos...
talvez Caspar pense...
que já não podemos contemplar como antes...
os mistérios do divino pela simples recitação...
da história ou a mera representação dela.
A controvérsia acerca de A Cruz Nas Montanhas...
arrastou-se por dois anos, dando ao observador moderno...
uma idéia de como foi um quadro radical na época.
Também vemos esta imagem ousada...
como uma introdução a um traço recorrente em Friedrich:
O uso do simbolismo.
Parece que flutuamos no ar, vendo o topo da montanha...
no lugar da introdução normal a um quadro em primeiro plano.
Acho que Friedrich adotou isto, pois queria focar na imagem...
como um efeito simbólico. E ele parecia...
explorar a idéia de que eram muitos os modos de ver as coisas.
E se as olhamos de diferentes ângulos, elas parecem diferentes.
Acho que começou como uma celebração do cenário alemão...
o que poderia ser visto como uma associação patriótica...
e talvez no período em que ele estava pintando...
quando Napoleão invadiu o país, isso tivesse importância...
mas é interessante que ele parecia estar mais ligado...
ao significado religioso, no tocante à encomenda.
A Cruz Nas Montanhas foi visto por alguns...
como imagem de patriotismo...
e por outros como imagem da fé cristã.
Muitos outros óleos se seguiriam...
todos com profundo significado simbólico.
Paisagem com Arco-Íris foi exibido em 1810.
É uma tela escura...
e o arco-íris é a comunhão entre o homem e Deus.
A figura humana talvez seja o próprio Friedrich...
cuja obra faz a ligação entre o homem e a natureza divina.
A paisagem prevalece sobre a figura humana...
outro traço recorrente da obra madura do artista.
Vemos isto em Monge a Beira-Mar...
onde o misterioso homem santo é quase esmagado pelo peso do céu.
Nesta outra peça...
vemos figuras humanas de proporções minúsculas.
É Abadia No Bosque...
um dos quadros mais conhecidos de Friedrich.
Aqui, identificamos a procissão de um enterro...
nas ruínas de uma abadia gótica.
É uma imagem irresistível...
mas seria difícil descrevê-la como uma imagem da beleza.
Friedrich transmite algo muito mais sutil: O sublime.
A noção do sublime se opunha ao belo...
no Século XVIII. É um conceito estético.
O sublime descrevia tudo que inspirava temor...
algo grandioso. Às vezes, eu o comparo...
à noção desenvolvida em filmes de terror...
tudo o que nos assusta. E claro que Burke...
desenvolveu isto em seus tratados teóricos.
Na Alemanha, era um certo problema ver o sublime...
como uma reação puramente física.
Com o interesse alemão pela metafísica...
ele era visto em termos espirituais e é significativo...
que o filósofo Emmanuel Kant, quando fala do sublime...
fale dele em termos de exaltação espiritual.
Ele diz que é esmagador, não necessariamente assustador.
Ele sugere isto por esta imagem do céu noturno.
Olhando para o céu noturno, você vê as galáxias...
que estão além da imaginação, mas não nos amedrontam.
Elas nos enchem de admiração e espanto...
e acho que essa espécie de sublime infinito...
mas não assustador, pode ser inspirador...
é algo que atraía muito mais Friedrich.
Acho que Friedrich está mais associado...
a esse sublime que vemos em Kant...
do que ao sublime terrível que vemos em Burke.
Abadia No Bosque é um triunfo do paisagismo romântico.
Ele era uma figura conhecida e de sucesso...
embora este auto-retrato da época...
pouco indique um homem satisfeito com a sorte.
Afinal, o ganho material não era a ambição de Friedrich.
Sua meta era a evolução de sua arte.
No verão de 1810...
Friedrich deixou Dresden com o amigo Georg Kersting.
Seu destino eram as montanhas Riesengebirge, ao sul da cidade.
Os dois homens desenharam a paisagem agreste da região.
De volta ao estúdio, os esboços de Friedrich...
inspiraram quadros a óleo como esta cena de montanha...
onde novamente há o símbolo dramático da crucificação.
Como antes, pode ser visto como um símbolo da Alemanha.
Também detectamos patriotismo nesta tela de 1814.
E uma figura humana diminuída pela paisagem.
É O Caçador...
um soldado francês das forças napoleônicas.
Quando esta tela foi terminada...
o exército de Napoleão já havia sido derrotado na Rússia...
e era iminente a queda do Império Francês.
Esta tela celebra estes eventos históricos.
É a obra de Friedrich, o patriota alemão.
O problema hoje sobre o nacionalismo alemão...
é o fato de as duas guerras mundiais...
terem acontecido e o nacionalismo tem...
sinistras implicações quando a Alemanha está envolvida.
Claro que este não era o caso na época de Friedrich.
Na verdade, não havia uma nação alemã.
A Alemanha se dividia em 34 territórios...
todos governados por vários príncipes.
O nacionalismo nasceu na invasão francesa...
quando os alemães se uniram para se opor a Napoleão.
Sabemos que Friedrich era ligado ao Círculo de Dresden.
Que ele contribuiu com a exposição que marcou...
a derrota e expulsão de Napoleão em 1814...
e O Caçador supostamente representa...
a força do exército humilhado pela...
imensidão de uma terra que resistiu aos franceses.
Friedrich tem um histórico de artesão.
Ele vê o nacionalismo como modo de unir politicamente a Alemanha...
e também criar uma Alemanha democrática...
diferente da Alemanha feudal que ele conhecia...
e havia sido a experiência de sua vida.
O que ele esperava com as guerras de libertação...
quando Napoleão foi expulso da Alemanha...
era o surgimento de uma sociedade democrática.
Mas ele ficou amargamente desapontado.
E embora continue sendo um nacionalista...
também é um crítico dos regimes...
que existem na Alemanha da época.
Em 1815, a Batalha de Waterloo...
pôs fim às convulsões da Era Napoleônica.
Em Dresden, Friedrich era mais um que ansiava por uma nova era...
uma era democrática da unidade alemã.
Seriam vãs suas esperanças.
Nos anos que se seguiram ao fim da luta...
A Alemanha continuou com seus estados independentes...
e a marca liberal de patriotismo de Friedrich...
caiu em desgraça.
Não há dúvida que o artista ficou desapontado...
mas sua vida lhe trouxe compensações.
Em 1816, tornou-se membro da Academia de Dresden.
Dois anos depois, para surpresa dos amigos...
ele se casou.
Sua noiva era Carolina Bommer...
19 anos mais jovem.
A relação deu a Friedrich uma felicidade desconhecida.
O artista taciturno descreveu uma nova...
alegria em sua vida doméstica...
e o verão de 1818 viu os recém-casados...
passarem a lua-de-mel na ilha de Rugen.
Friedrich usou a viagem como inspiração.
Na volta a Dresden, pintou esta famosa imagem...
Rochedos de Calcário de Rugen.
Aqui vemos Frau Friedrich, e, possivelmente, seu marido.
A intenção do quadro pode ter sido uma lembrança da lua-de-mel.
É uma imagem memorável, eu acho, porque...
é maravilhosamente pintada. A perícia do desenho é incrível...
e também capta o contraste entre os penhascos...
e o mar, a perspectiva estonteante que dá a idéia...
da paisagem sublime que leva ao espanto e à admiração.
Sentimos que é uma peça simbólica e autobiográfica.
Sentimos que as figuras simbolizam...
certos aspectos de como o homem contempla a natureza...
seja bravamente ficando perto demais da beirada...
ou olhando com curiosidade, gozando o momento...
e também sentimos que é um registro autobiográfico...
do momento de alegria pessoal e artística.
Sabemos que vem de seu retorno a Rugen...
com a esposa e ainda assim vemos no quadro...
o que parece ser Friedrich sozinho à direita...
e Caroline com um parente, talvez um sobrinho de Friedrich...
no penhasco. Parece que já existia tensão...
diferenças de percepção alegadas por Friedrich.
Acho que esse senso de variedade no olhar...
é algo que transparece de modo charmoso neste quadro...
e lhe dá um cunho particular.
O casamento de Friedrich parece ter suavizado seu caráter...
pelo menos temporariamente.
Carolina teve três filhos...
e a família foi morar numa casa às margens do Rio Elba.
Frau Friedrich foi tema de vários quadros do marido...
embora a abordagem do artista fosse tipicamente individual.
Esta é Carolina olhando pela janela da casa nova.
Friedrich adorava pintar indivíduos de costas.
Mulher à Janela talvez seja também sua esposa...
contemplando a luz sublime do sol da tarde.
Mas não temos certeza.
O efeito desta técnica pode ser desconcertante.
Poucos paisagistas procuraram incorporar figuras humanas...
que estejam contemplando a paisagem.
Este é um traço incomum na pintura de Friedrich...
e acho que é uma de suas marcas mais significativas.
Quando temos um retrato, uma figura olhando-nos de frente...
há poucas perguntas a serem feitas.
Você vê o que está à sua frente.
Quando você vê apenas as costas da pessoa...
você tende a desenvolver idéias...
de como será a pessoa de frente...
e esta parece ser uma das razões porque Friedrich...
pintava figuras de costas.
É um desafio às tradições...
que eram antropocêntricas...
pediam que lêssemos o rosto da figura...
e não a paisagem primeiro. Encaramos a natureza...
e temos que ler apenas as costas da pessoa.
Mas também são convites para a empatia...
para o envolvimento subjetivo com a contemplação da natureza...
como o faz o participante da paisagem.
Nos sentimos como a figura na paisagem...
e, portanto, sentimos uma associação subjetiva...
com a pessoa que está no meio da paisagem.
Outros talvez digam que acrescenta um certo mistério...
uma sensação de que não podemos saber seus sentimentos...
não podemos ler seus traços fisionômicos...
coisas que alguns insistiram em fazer no Século XIX.
Talvez a obra mais famosa de Friedrich...
retrate uma figura humana de costas.
Terminado em 1818, ano do casamento do artista...
este é Peregrino Olhando o Mar de Névoa.
Há muito a considerar neste quadro.
Ele é um de seus quadros mais admiráveis...
com figuras de costas. Mas também é curioso...
como a paisagem parece dobrar-se sob seu olhar.
Vemos que ela está quase cedendo nos lados...
como se a concentração do pensamento subjugasse a paisagem.
Assim, esta imagem curiosa do que podemos chamar...
de solidão e poder ao mesmo tempo.
É uma visão que inspira e isola.
E essa curiosa imagem romântica da pessoa...
que está altamente emocionada...
mas também muito isolada, é salientada no quadro.
Tem muito efeito o motivo da figura de costas.
No centro da composição, um homem em pé.
Preenche o espaço do quadro.
Imediatamente nos perguntamos: O que ele faz ali?
Por que ele está no topo da montanha?
As montanhas que ele parece olhar estão cobertas de neblina.
Por isso, não podemos ver o que ele está olhando.
E então nos confrontamos com outro nível de perguntas.
Isso significa que Friedrich abre a questão da pintura...
para que pensemos nela, em nosso papel...
no papel do pintor, no papel do tema.
Em 1820, 2 anos após terminar esta obra notável...
Friedrich estava no auge de sua carreira.
Era famoso, relativamente próspero...
e era feliz no casamento e em Dresden.
Recebeu uma encomenda do Czar Nicolau da Rússia...
e, em 1822, trabalhou em dois quadros conjuntos...
para o Cônsul Wagener, um grande colecionador.
Paisagem de Aldeia à Luz da Manhã...
é uma das imagens mais pastorais de Friedrich.
O simbolismo dos componentes, como o pastor e o carvalho...
ainda é discutido...
mas no quadro complementar, o significado é mais claro.
Luar no Mar é uma tela que novamente...
revela profundas preocupações espirituais.
Os barcos representam a jornada da vida...
e a lua simboliza a nova vida...
na salvação de Cristo. Mas também podemos apreciar o quadro...
sem ter conhecimento dos símbolos cristãos.
Talvez esta imagem não retrate nenhum lugar da terra.
As paisagens de Friedrich são cenários idealizados.
A ravina retratada em Rochedos de Calcário de Rugen...
jamais foi localizada na ilha.
Imagens assim são produto da visão pessoal do artista...
a visão da alma.
A citação mais famosa de Friedrich refere-se a isto.
Ele aconselhava pintores jovens a fechar o olho físico...
para que pudessem ver com o olho espiritual.
Para Friedrich, arte era a visão interior...
era sentimento, era pensamento...
e ele se preocupava com o fato...
de que muito do que era ensinado nas academias...
era de que arte é aquilo que vemos.
É ter que adotar as idéias de outrem...
ter que aprender o que outros fizeram.
Ele tomou a direção oposta. Ele dizia aos jovens...
para pintarem o que vinha de dentro...
isso era mais importante do que se aprendia na academia...
e acho que por isso ele enfatizava isso em suas observações.
Para o processo de pintura...
ele tinha que se isolar...
de tudo que pudesse perturbar sua visão interior.
Sua confiança na visão interior é essencial para sua arte.
Sabemos por quadros de um colega dele...
que mostram Friedrich no estúdio, que este também...
era despojado.
Friedrich não tinha nada ali, exceto o cavalete.
Podemos ver que até as cortinas...
estão fechadas, para ele não olhar para fora.
Temos histórias sobre ele pintar nu...
para obter esta unidade do ser.
Friedrich pôs em prática suas idéias visionárias.
Embora fizesse esboços, suas imagens eram idealizadas...
produto de sua visão interior.
Ele tendia a evitar a prática de esboços em óleo...
mas no verão de 1821, ele fez uma série de estudos a óleo...
quando o Elba congelou.
Três anos depois, ele usou esses esboços...
como base para um de seus quadros mais dramáticos...
Mar de Gelo, popularmente chamado de O Naufrágio.
Os europeus estavam procurando a passagem noroeste...
pela América do Norte para o Oceano Pacífico.
Em 1820, William Parry liderou uma expedição em seu barco Griper.
Esta viagem pode ter inspirado a imagem violenta...
de um barco esmagado pelo gelo polar.
Mas pode ter sido outra a inspiração.
O artista ainda se lembrava da tragédia de sua infância...
o acidente que levou a vida de seu irmão.
O acidente aconteceu quando eles estavam patinando...
e parece que Friedrich teve problemas primeiro.
O irmão veio ajudá-lo e salvou Friedrich...
mas perdeu a vida. Acho que o efeito traumático disso...
de alguém que o salva, mas perde a vida...
o levou a pensar, "por que eu?"
Imagine a mescla de sentimento de culpa...
ansiedade e perplexidade que advém disso.
Naufrágio no Ártico, embora ambientado no Ártico...
não foi algo que ele viu pessoalmente.
Ele havia lido nos jornais. Mas há um incidente.
Ele estava morando em Dresden, na época...
e o inverno foi muito frio. O Elba congelou...
e ele fez esboços do gelo. Era uma ocorrência incomum...
e pode ser que de repente...
ele está em Dresden, no meio da Alemanha...
distante do norte onde havia sido criado.
De repente, o gelo reaparece, isso pode ter trazido...
uma lembrança da infância, algo veio à sua cabeça...
e fez com que ele quisesse fazer o quadro.
O Naufrágio pode ter tido um significado pessoal para ele...
mas como em muitas obras suas...
não precisamos saber disto para apreciar o quadro.
Como imagem da força da natureza, tem poucos rivais.
Infelizmente, O Naufrágio não foi bem recebido...
e não teve comprador.
Embora ele não soubesse na época...
sua sorte ia rapidamente virar.
Em 1824, mesmo ano em que O Naufrágio foi terminado...
ficou vago o cargo de professor de paisagismo na Academia de Dresden.
Mas o cargo não foi oferecido ao maior paisagista alemão.
Ele foi dado a um de seus amigos...
o norueguês Johann Dahl.
Dizia-se que a arte de Friedrich...
era muito um produto de sua visão pessoal...
e ele não conseguiria comunicar sua técnica aos alunos.
Hoje, quase podemos ver isto como um cumprimento...
e o próprio Friedrich disse que nunca quis o cargo.
Mas a rejeição foi um revés público.
Contudo, ele continuou com seu trabalho...
e, no ano seguinte, pintou O Watzmann...
uma paisagem austríaca.
Mas Friedrich nunca visitou os Alpes.
Ele usou esboços de um jovem artista que tinha estado lá.
O resultado foi outra paisagem sublime...
mas pouco após seu término em 1825...
o pintor ficou seriamente doente.
Naquele ano, Friedrich teve um derrame.
Mesmo recuperado, sua vida pessoal começou a se deteriorar.
Ele ainda era capaz de criar imagens esplêndidas...
como estas ruínas de uma abadia gótica.
Um símbolo típico dele para a transitoriedade da vida.
Mas o criador desta obra-prima romântica...
tinha agora um caráter perturbado.
Tinha mudanças de humor...
e chocava a família e os amigos com seus acessos de raiva.
Também fez uma alegação ridícula...
de que sua mulher estava tendo um caso com seu amigo Johann Dahl.
Ao se aproximar dos 60 anos...
a personalidade de Friedrich passou a custar-lhe amigos.
Sua pintura também estava desfavorecida.
Estava taciturno. Alguns o chamavam...
Taciturno Friedrich. Acho que também...
parte de sua espiritualidade também era perturbadora...
para aqueles que queriam ver a natureza sob uma luz...
mais científica e para aqueles para quem a fé estava...
meio desgastada como o âmago da composição e da inspiração artística.
Não podemos evitar o aspecto religioso em Friedrich...
e para a geração posterior isso era inquietante.
Ele apenas saiu da moda. Os tempos estavam mudando...
e Friedrich permaneceu...
com as suas fórmulas e não estava preparado para mudar.
Teria sido contra suas convicções.
No início dos anos 30, Friedrich já estava doente.
A pobreza era mais um problema após o declínio de sua popularidade.
Havia momentos em que não achava motivação para pintar.
Com isto em mente, é notável que ele decidisse...
experimentar um novo meio artístico.
No início de 1830, ele terminou uma série de quadros transparentes...
feitos para serem iluminados por trás.
É uma pena que alguns tenham se perdido...
mas ainda temos imagens como Rio na Montanha.
Esta cena diurna está pintada em uma folha de papel de decalque.
Do outro lado vemos a mesma cena à noite.
Estas imagens revelam a ambição de Friedrich...
de criar a obra de arte completa.
Há uma imagem ***ídua na arte alemã, Gesampt Kuntsveg.
Esta é a obra de arte que combina...
todos os aspectos da arte: Pintura, literatura, música.
Acho que tem sua apoteose nas óperas de Wagner...
que falava sem parar sobre o Gesampt Kuntsveg...
isso de juntar toda a experiência da arte.
Mas é uma idéia já sugerida no período Romântico.
Friedrich parece ser um dos artistas que reagiram a ela...
muitos reagiram e ele imaginou a idéia...
de exibir seus quadros com acompanhamento musical...
e a declamação de versos. Um modo interessante...
que ele fez isso foi desenhar transparências.
Quadros pelos quais a luz passava...
e temos que lembrar que era a época...
em que a Lanterna Mágica tornou-se popular.
Havia um interesse popular na idéia da imagem projetada...
e em mostrá-la de maneira teatral.
Então, Friedrich estava reagindo ao gosto popular...
pela Lanterna Mágica e tentando levar isso...
ao mundo das artes, tendo uma experiência total...
de palavras, música e quadros.
No fim, sua ambição de criar a obra de arte completa...
não foi alcançada.
Em 26 de junho de 1835...
ele teve um derrame que paralisou seu lado esquerdo.
Era efetivamente o fim de sua carreira.
Mas pouco antes deste golpe cruel...
Friedrich pintou uma tela que pode ter sido inspirada...
pela sina iminente.
Esta é Etapas da Vida...
cujos barcos simbólicos já vimos na obra de Friedrich.
Talvez haja um significado sutil na atracação iminente...
de uma das embarcações.
Sua jornada está quase terminada...
e talvez também seja o caso para o homem de costas.
Acredita-se que seja o próprio Friedrich...
um homem no último dos Quatro Estágios da Vida.
Os outros indivíduos representam estágios anteriores...
e acredita-se que sejam membros da família do artista.
Seus filhos menores, Agnes e Gustav Adolf...
simbolizam a infância.
Sua filha mais velha, Emma, é a figura da juventude.
Ao lado dela, seu sobrinho é o símbolo da maturidade.
E o próprio Friedrich, a figura da velhice...
ainda relutando em revelar seu rosto para o mundo...
mas cuja genialidade está evidente nesta tela.
A beleza e o porte desta composição...
estão no equilíbrio das cinco figuras humanas, dos cinco barcos.
É um convite para entendê-la simbolicamente...
que lhe acrescenta uma dimensão extra no sentido de que...
vemos uma figura muito semelhante a Friedrich...
caminhando para o mar, um barco se aproximando...
velas abaixadas, pronto para atracar.
Vemos o que pensamos ser sua família...
temos a melancolia do fim da vida. Mas ao mesmo tempo...
uma sensação de felicidade ante a possibilidade de novas gerações.
Friedrich morreu em 7 de maio de 1840.
Estava com 65 anos.
Sua vida foi frequentemente tumultuada...
mas sua fé permaneceu com ele até o fim.
Sua família lhe deu conforto...
e ele teve o consolo de seus sucessos como artista.
De todos os grandes pintores da Era Romântica...
Friedrich é o mais enigmático.
Sua obra foi esquecida após sua morte.
Mas o Século XX redescobriu um pintor que...
mais do que outros, definiu a idéia Romântica do sublime.
É provável que Friedrich seja mais lembrado...
por ser alguém que parecia ter criado...
a Paisagem Espiritual.
A paisagem na qual você olha para a natureza...
e tem consciência do espiritual e do material.
Em termos culturais, não é uma invenção...
vemos o mesmo na poesia de outros tempos...
nos poetas místicos do Século XVII.
Mas ele a torna visível, uma experiência pictórica.
E reúne esta detalhada percepção da natureza...
que ele observa com este sentimento interior.
Friedrich conseguiu retratar de maneira honesta...
seus sentimentos pessoais, mas também expressou...
uma situação histórica quase sem tentar...
provar algo. Ele não tentou produzir quadros belos...
ele mostrou o desespero e a instabilidade...
a impotência da gente comum da época.
Ele não cedeu a desejos de outrem. Era ele mesmo...
quase ao ponto da autodestruição.
Acho que o feito de Friedrich foi expandir...
as possibilidades do paisagismo. Sob seu pincel...
a paisagem fica saturada de significado...
simbólico e religioso, mas de um tipo moderno.
Para ele o paralelo da paisagem com a espiritualidade moderna é importante.
Ele também é um agudo observador da natureza...
é alguém que pode levar uma estética nova...
à imaginação artística.
Ele também sempre nos passa a sensação de profundidade.
A sensação de que a pintura deve ao menos tentar...
expressar algo além da observação...
algo espiritual, algo até...
que poderíamos dizer do Divino.