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Este é um dia muito importante, o Dia Internacional da Mulher. Eu preciso confessar que tenho aqui quatro
páginas, que minha ideia original era seguir, já que inglês é minha segunda língua, mas vou correr
o risco de não seguir as páginas e tentar falar de uma forma bem aberta... e pedir a vocês que usem
a imaginação caso eu soe confusa em minhas palavras ou meu pensamento.
Eu decidi começar contando a história de como a Anis, organização da qual sou voluntária,
e eu nos envolvemos na epidemia do vírus zika.
É uma história curta. Em janeiro deste ano, eu fui convidada pela OPAS
para ser membro de um grupo de especialistas que desenharia uma política regional, nacional,
sobre a epidemia do vírus zika e o que chamávamos, naquele momento, de risco de microcefalia
nas futuras crianças. E participar daquele grupo me proporcionou um quadro diferente
do que estava acontecendo no interior do Brasil.
Nós agora estamos passando por este momento político e econômico sensível,
e desenvolvemos essa perspectiva interna de não confiar nos números da epidemia,
não confiar realmente no que está acontecendo no centro da zona de epidemia
no Nordeste do país.
Então, depois de ficar totalmente imersa no grupo de especialistas internacionais,
tivemos uma percepção clara de que algo muito errado acontecia no Brasil.
E decidimos admitir que temos uma epidemia.
E a epidemia não se relacionava apenas com o zika e os mosquitos,
mas com os direitos reprodutivos das mulheres e o risco
de malformações neurológicas nas futuras crianças.
E então fomos informados de que a OMS anunciaria a situação de emergência
global em 1º de fevereiro. No mesmo dia, decidimos anunciar que estávamos preparados
para ir até a Suprema Corte garantir os direitos das mulheres e crianças
como consequência da epidemia.
Devo confessar a vocês que, naquele momento, nós não tínhamos nada a oferecer,
apenas nossas ideias, nossa organização, e uma experiência anterior sobre um caso
que levamos à Suprema Corte brasileira, e estou aberta a discutir com vocês o tipo de experiência
que temos fazendo esse litígio estratégico.
E então eu participei de um programa noturno da BBC, e pela primeira vez em minha vida,
durante uma entrevista, nós anunciamos
que estávamos preparando uma ação para apresentar no Supremo Tribunal Federal.
Legalmente falando, nós não podemos, como organização da sociedade civil,
nos mover diretamente da sociedade para o Supremo.
Nós precisamos de um parceiro que seja reconhecido como legítimo pela Suprema Corte.
Dez anos atrás, nós trabalhamos com um sindicato de saúde de um milhão de membros.
Então é claro que, uma semana depois do anúncio, eu bati à porta do sindicato dizendo, “estou de volta”.
Dez anos depois. E agora nós temos uma epidemia, precisamos de mais dados, precisamos saber
exatamente o que está acontecendo para fazer a ação em torno desse tema tabu que é o aborto no Brasil.
Mas, ao mesmo tempo, eu já tinha certeza, e fico feliz em esclarecer a vocês exatamente o que estamos
planejando requerer na ação, de que não era apenas um caso sobre aborto, mas sobre justiça social,
sobre direitos reprodutivos, não apenas sobre aborto, embora aborto seja muito importante,
mas também sobre o cuidado dos bebês.
Se de fato reconhecemos que vivemos numa democracia,
acreditamos que as mulheres têm direito de escolher manter
ou interromper a gestação.
Então, nós batemos à porta, e eles disseram, “Sim, vamos começar nossa negociação”.
Mas, diferente de dez anos atrás, nós agora estamos enfrentando uma emergência.
No início de fevereiro, os números estavam em torno de 3 mil casos notificados
e 40 casos confirmados de vírus zika,
e por volta de 400 casos em que havia malformações neurológicas fetais,
mas não identificávamos o vírus zika por nenhum *** biomédico disponível.
Nós agora temos em torno de 6 mil casos notificados,
600 confirmados para malformações neurológicas,
e 82 de vírus zika encontrado em bebês.
Mas, apenas para lhes dar uma ideia, duas semanas atrás, eu fui a Recife,
em Pernambuco, e vi um grande cartaz que dizia,
“apenas em Recife, temos 98, quase cem, casos confirmados de vírus zika”.
Então perguntei ao secretário, “como assim?” Se apenas em Recife tínhamos uma centena de casos,
como podíamos ter menos de cem nos números nacionais? E ele me explicou,
“nossos números não estão incluídos nos números nacionais”.
Então, basicamente o que temos aqui é um quadro otimista
do tamanho da epidemia no Brasil.
E assim decidimos mover nosso grupo de Brasília,
nossa afortunada vizinhança, onde não conhecemos um único caso de bebê
com malformações neurológicas, para Campina Grande, no sertão da Paraíba.
Esse é um dos lugares-chave na zona do zika no Brasil.
E é de lá que trago a vocês histórias de mulheres que conheci
nas últimas três ou quatro semanas. São mulheres concretas, comuns, que estão enfrentando a pobreza,
um Estado de proteção social fraco, e uma epidemia em que elas têm de entender que
o mesmo mosquito que está ali há décadas, como resultado de uma negligência persistente
do Estado brasileiro, é agora um desafio à vida delas e de seus futuros filhos.
Então, estamos preparados para mover a ação.
Nós temos três estratégias, e estou totalmente aberta a compartilhá-las publicamente.
A primeira, e esta é uma boa notícia,
semana passada nós fomos a uma reunião com a Associação Nacional dos Defensores Públicos,
que é uma organização com legitimidade para fazer uma petição ao Supremo.
Sinara é a advogada da Anis, ela será a advogada do caso, e estava comigo
na sessão plenária dos defensores públicos.
Eles disseram, “Sim, nós nos moveremos com vocês até o Supremo”.
Para nós, foi um dia absolutamente importante, porque,
para o pedido que queremos fazer, nós precisamos deles. O futuro próximo das mulheres é de
litígio por educação, acessibilidade, proteção social,
tudo relacionado a necessidades básicas para a sobrevivência,
então precisamos que os defensores públicos estejam conosco desde o começo.
E ainda temos a outra organização. Sinara e eu voaremos amanhã para o Sul do país
para uma segunda reunião com essa organização, e nossos planos são de, talvez,
desmembrar o caso. Há tantas coisas a pedir, tantos direitos violados pela epidemia,
que talvez possamos considerar dois casos.
E estamos sempre na expectativa de um caso individual,
uma mulher comum que nos ofereça um caso concreto,
com um rosto, para fazer a demanda ao Supremo Tribunal Federal.
Então, temos essas três possibilidades. Mas posso dizer
a vocês que já estamos prontos para mover os passos finais do caso.
Então, basicamente, o que queremos demandar?
Nós nomeamos a ação de planejamento familiar e proteção à maternidade e à infância.
É claro que vocês podem me perguntar, e por que não perguntar, e “direitos sexuais e reprodutivos”?
Porque planejamento familiar é um direito constitucional no Brasil.
Então estamos falando a mesma língua da Constituição,
a linguagem constitucional brasileira. E temos dois grupos de demanda.
O primeiro é por acesso à informação, que significa acesso ao melhor diagnóstico disponível
no sistema público de saúde. Pode ser um diagnóstico clínico e, se por acaso tivermos o PCR,
o *** de sangue, ok, mas, se não tivermos, o diagnóstico clínico é suficiente para informar
às mulheres se elas foram infectadas pelo vírus zika.
No caso de a mulher estar infectada,
nós queremos pedir que ela tenha o direito de interromper a gravidez.
Nós não estamos falando de forçar nenhuma mulher a tomar uma decisão,
e não estamos associando a epidemia e a demanda a qualquer diagnóstico fetal.
Estamos associando ao risco de estar grávida
enquanto a epidemia está por aí. Essas mulheres estão sofrendo uma espécie de tortura
psicológica tal que consideramos que está acontecendo uma grande violação constitucional.
E o segundo grupo de demandas,
e não é um pedido fácil considerando o clima econômico no Brasil,
é estender a proteção social e um programa específico de transferência de renda a todas as crianças afetadas
pelo zika e diagnosticadas com malformações neurológicas.
Como eu disse no começo, a microcefalia é apenas um dos sintomas, dos resultados da epidemia,
que médicos e cientistas têm nomeado como “síndrome do vírus zika”.
A situação é muito mais severa do que, se é possível dizer assim,
um único sintoma que é a microcefalia.
Então, estes são os bastidores do caso, os bastidores de quem somos nós, e do momento que
estamos agora, de mover essa ação no Supremo Tribunal Federal.
Antes de ouvir suas perguntas, quero agradecer ao senhor embaixador pelo convite
de estar aqui hoje, neste dia tão importante, o Dia Internacional da Mulher,
e ter esta conversa com vocês.