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Eu queria agradecer.
É um prazer estar aqui no TED, e no Brasil.
Eu acho que é um momento bastante importante
que mostra que a gente está vivendo uma época,
no mínimo interessante, aqui no Brasil.
A minha apresentação é dividida em duas partes.
A primeira parte... gostaria de falar de quando Chris Anderson,
que é o editor da revista "Wired",
esteve no Brasil a mais ou menos uns dois anos,
e a única exigência que ele fez foi encontrar com uma moça de Belém do Pará,
chamada Gaby Amarantos, que é vocalista da banda Tecno Show.
Eu acho essa imagem muito interessante,
do Silicon Valley vindo ao Brasil em busca de encontrar alguém na periferia.
Muitas vezes, mesmo a gente não está prestando muita atenção.
E aí, eu acho que a questão é perguntar,
por que esse encontro era tão importante para o Chris Anderson
e o que esse encontro representa para o que está acontecendo no Brasil hoje.
Para responder essa pergunta,
não tem como a gente não falar das lan houses.
Acho que todo mundo aqui conhece, já deve ter passado por alguma lan house.
Se não passou, isso é uma lan house.
Isto também é uma lan house.
E o que é importante para falar, é o seguinte:
O Brasil tem 2.000 salas de cinema.
O Brasil tem 2.600 livrarias espalhadas em todo o país.
Tem, mais ou menos, 5.000 bibliotecas públicas.
E tem 90.000 lan houses.
Então, a lan house virou uma espécie de um novo espaço público,
tanto real, quanto virtual,
que está trazendo conectividade para o Brasil inteiro.
E o que vale ver também, se você olhar este gráfico,
a gente tem aqui, como as pessoas acessam a internet aqui no Brasil,
49% dos acessos individuais são em lan houses,
40% desses acessos são em casa,
e 6% são em iniciativas governamentais, como os telecentros.
Então, o que é interessante das lan houses, é um fenômeno de empreendedorismo,
que aconteceu no país inteiro, de baixo para cima,
que levou conectividade para lugares que a gente, muitas vezes, nem imaginava.
Você anda pela Rocinha, no Rio de Janeiro, tem mais de 150 lan houses
Cidade de Deus tem 80, e assim por diante.
Então, é muito importante porque trouxe conectividade para o país
e criou um novo espaço público.
Esse fenômeno, ele é um fenômeno maior que eu tenho chamado de:
"A apropriação, por parte das periferias brasileiras, da tecnologia".
Então, está acontecendo em todo o país essa apropriação da tecnologia,
por parte de todos os lugares no Brasil inteiro.
Por algum tempo, aliás, por bastante tempo,
eu venho desenvolvendo esse estudo chamado "Open Business",
que até tem uma parte dele que ficou bastante famosa, que eu vou falar aqui,
que é sobre o "tecnobrega".
Mas o open business começou há mais ou menos três, quatro anos,
e ainda vai continuar por mais dois anos,
e a gente investigou essa apropriação da tecnologia em lugares,
não só aqui no Brasil,
mas também na Colômbia, no México, na Argentina, e na Nigéria.
Então, a gente queria entender,
o que acontece quando os lugares que a gente não espera,
que são mais inusitados, se apropriam da tecnologia,
e qual o impacto daquilo, que tipo de indústria cultural,
que tipo de relações surgem entre as pessoas
quando a tecnologia chega em lugares que para a gente,
pelo menos, seria inesperado.
E aqui no Brasil, a gente estudou muito o tecnobrega.
Se vocês não sabem o que é o tecnobrega, eu explico rapidamente.
É uma mistura de batidas eletrônicas, estilo anos 80,
Kraftwerk, esse tipo de coisa,
com o brega, de Odair José, e vários outros.
É ótimo para dançar de dois, de parzinho,
é talvez um dos únicos estilos de música eletrônica
que as pessoas dançam juntinho.
Geralmente, música eletrônica é cada um no seu quadrado.
E o que é interessante no tecnobrega é que,
por ano, são lançados 400 novos CDs.
A gente tem que lembrar que
uma grande gravadora no Brasil hoje lança por volta de 10 CDs por ano.
E são lançados cerca de 100 DVDs por ano.
Então, é uma indústria musical e também audiovisual.
O interessante é que se você for a uma loja comprar um CD de tecnobrega,
você não vai encontrar.
Porque existe um acordo direto de distribuição com os camelôs.
É como se você estivesse pulando os intermediários
e distribuindo toda a música diretamente pelo camelô.
Então, é muito curioso,
porque o jeito de ganhar dinheiro são nas chamadas "Festas de Aparelhagem",
como essa festa aqui.
Que é muito intensiva no uso de tecnologia.
Isso aqui é uma festa na periferia de Belém.
As Aparelhagens são empresas que competem umas com as outras,
para ver quem tem o equipamento mais sofisticado, mais moderno.
Existe um verdadeiro culto à tecnologia,
todo ano a Aparelhagem desce do céu, a nova Aparelhagem, as pessoas aplaudem,
é uma coisa muito emocionante.
E, para quem nunca viu,
tem raio laser, tem telão de LED, que só a Ivete Sangalo tem.
É muito intensivo no uso da tecnologia.
Esse aqui é o "S" de "Superpop", de uma das Aparelhagens.
Tem vários outros símbolos, tem o "T", de "Tupinambá",
tem o "P" de "Príncipe ***",
enfim, eu poderia ficar aqui fazendo vários símbolos de Aparelhagem.
Isso aqui é a chegada da Aparelhagem do céu, vamos dizer assim.
E aqui, mais uma foto da festa, e aqui é onde os CDs são vendidos.
Então, se você quiser comprar a música, você tem que ir lá no camelô comprar.
Notem que não é pirataria,
porque existe um acordo entre os músicos e os artistas
com os camelôs que vendem os CDs e DVDs de tecnobrega.
O que é importante aqui, vou falar muito rápido.
É que tudo começa com as bandas e DJs que vão a um estúdio caseiro,
gravam a sua música, pagando por isso um valor muito barato.
Logo depois, eles pegam a matriz, entregam para o distribuidor, para o camelô,
o público, por sua vez, compra e paga o camelô,
e, as salas de festas e as Aparelhagens contratam as bandas e os DJs,
de modo que o dinheiro sobe através delas para os produtores e DJs.
Outro fenômeno importante é o do "festeiro",
em que o festeiro é uma espécie de investidor naquele mercado.
Ele coloca o dinheiro como sócio, ou muitas vezes, emprestando o dinheiro,
para permitir que as Aparelhagens consigam investir em equipamento e tudo mais.
Então, é um mercado até alavancado, do ponto de vista econômico.
E o mais legal, é que o público também compra CDs e DVDs
diretamente das bandas e dos DJs, depois que eles tocam ao vivo.
Então, eles capturam o mercado do valor presente,
que é assistir uma apresentação comprando o CD e DVD,
que as vezes é até mais caro do que o do camelô,
que vem num saquinho plástico sem letra, sem nada.
E o CD, depois do show, tem letra, tem material gráfico,
então, é muito interessante ver,
isso diz muito sobre o modo como o valor na música está se modificando.
Esse valor presente, ele consegue ser capturado pelo pessoal do tecnobrega.
Os números, para quem se interessar, estão disponíveis até num livro,
que eu publiquei,
e aí a gente mapeou toda a cadeia produtiva do tecnobrega,
assim, descrevendo quanto é que cada um ganha,
e essa é uma indústria multimilionária.
Então, para quem tiver interesse nos números, dê uma olhada depois.
O que é importante, é que essa cena gerou o artista mais popular do Brasil.
Que é a banda Calypso.
Uma pesquisa feita pela F/Nazca, há algum tempo,
a banda Calypso aparecia como o artista mais famoso do Brasil
acima de Zezé di Camargo e Luciano.
O curioso é que do top 15, aqui, três outros artistas são da mesma cena,
vamos dizer assim, não têm gravadora,
e distribuem discos e CDs também via camelô.
Então, é muito curioso, porque dentre os artistas mais populares do Brasil,
muitos deles estão vindo desse novo modelo de distribuição
que está espalhado pelo Brasil todo.
E quando eu digo espalhado pelo Brasil todo, está sim,
talvez a música mais popular do Brasil de hoje,
seja essa música que está fora de gravadora,
que está fora da mídia tradicional,
em exemplos como o funk carioca, o forró, principalmente o forró eletrônico,
o lambadão cuiabano, não sei se alguém já ouviu o lambadão cuiabano.
E a "pisadinha", que é a grande nova mania nacional,
vocês podem não saber,
mas a grande maioria das pessoas no Brasil sabem sobre a pisadinha,
é um fenômeno muito popular.
E é um fenômeno também das periferias globais.
A mesma coisa está acontecendo, por exemplo, com o "grind", em Londres.
Com o "dubstep", também na Inglaterra.
O "Miami bass", em Miami.
O hip-hop em Baltimore, no Texas,
é o mesmo esquema de distribuição do tecnobrega.
O "kuduro", em Angola.
Significa, literalmente, "cú duro".
O "publin", que é um estilo do Suriname,
que tem uma conexão com Roterdã também.
A "champeta", na Colômbia, que inclusive eu estou pesquisando agora.
É muito interessante a cena.
A "cumbia-villera", na Argentina,
que eu acabei de pesquisar, estou com o relatório pronto,
e é muito interessante porque lá, até os camelôs estão ficando obsoletos,
o que as pessoas usam agora é bluetooth para distribuir a música,
inclusive nos shows de periferia
o músico chega e manda a música para as pessoas próximas, por bluetooth,
é muito interessante.
O "kwaito", na África do Sul.
O "coupé-décale", na Costa do Marfim.
E assim por diante.
O que eu queria chamar a atenção para vocês,
é que a gente fala muito de artistas da internet.
Geralmente a gente pensa no Artic Monkeys, na Lilly Allen,
ou, mais aqui no Brasil, na Malu Magalhães.
É verdade! Malu Magalhães deve muito à internet, na sua carreira.
Mas a gente nunca pensa, como artista de internet, em uma banda,
por exemplo, como o Fantasmão.
Que é uma banda da Bahia. Esta banda. E no início deste ano,
eu fiz uma comparação para ver a popularidade
do Fantasmão e da Malu Magalhães na internet.
Então, por exemplo, a Malu Magalhães tinha 140 comunidades no Orkut,
a maior delas com 27 mil membros.
O Fantasmão tinha 810, a maior com 35 mil membros.
A Malu Magalhães tinha 77 artigos na mídia tradicional.
Ou seja, ela é uma artista também da mídia tradicional, não só da internet.
O Fantasmão tinha 5, a maioria em jornais locais, e regionais.
A Malu Magalhães tinha 2.5 milhões de "views" no MySpace.
O Fantasmão tinha 0, porque as bandas de periferia no Brasil não usam MySpace,
elas usam essencialmente, Orkut e YouTube.
E no YouTube, o vídeo mais visto da Malu Magalhães tinha 532 mil "views",
era uma entrevista que ela deu para o Altas Horas, da Globo.
Enquanto o do Fantasmão tinha 790 mil "views",
que era uma montagem de fotos feita por um fã
em cima de uma música do Fantasmão.
Então, não tinha sido nem a banda que tinha feito o vídeo.
Essa é a regra para a maioria da música no Brasil.
Eu tinha pensado em fazer uma viagem pelo YouTube
mostrando para vocês outros artistas,
mas eu vou deixar para outra oportunidade,
porque meu tempo está quase acabando.
E eu ainda preciso falar de uma coisa que é muito importante.
A segunda parte, e bem rápida, da minha apresentação, é sobre democracia.
O que está acontecendo aqui no Brasil é que aquele bordão,
de que as pessoas nunca sabem como são feitas as salsichas e as leis,
está começando a mudar.
As pessoas continuam não sabendo como são feitas as salsichas,
mas as leis estão começando a dar para entender.
Para quem nunca participou,
isso é uma audiência pública na Câmara dos Deputados.
Uma coisa super interessante, tão legal quanto o TED,
recomendo a vocês darem uma olhada lá.
Até agora, essa era a principal forma de participação popular
em projetos de confecção de uma lei.
Isso começa a mudar agora,
principalmente num projeto que eu acabei de lançar
em parceria com o Ministério da Justiça,
então a FGV, onde eu trabalho em parceria com o Ministério da Justiça.
A gente lançou um projeto que se chama "Marco Civil da Internet".
Até hoje, mais de 15 anos depois,
o Brasil ainda não tem uma lei que regulamente a internet.
Então, a ideia é mais ou menos a seguinte:
por que não usar a própria internet para escrever essa lei?
Então, quem quiser, pode entrar nesse site do Marco Civil,
a discussão é dividida em tópicos,
então, você tem tópicos como privacidade,
liberdade de expressão, direito de acesso, neutralidade da rede.
E, ao final de 45 dias, vai ser feita uma discussão de princípios,
sobre o quê deve conter essa lei de internet no Brasil:
Ela deve proteger a privacidade?
Ela deve proteger a liberdade de expressão?
Passados esses primeiros 45 dias, a gente entra numa segunda fase
que é o texto da lei em si, que vai ser elaborado pelo Ministério da Justiça.
A partir daí, qualquer pessoa pode comentar em cima do texto por mais 45 dias.
A expectativa é que, por volta de Março do ano que vem,
esse texto já esteja entregue ao Congresso
e vai ser possivelmente a primeira lei colaborativa que a gente vai ter,
eventualmente, até no mundo.
Então, eu acho muito importante a participação de todo mundo que está aqui.
Para terminar, esses são os comentários que a gente já tem no site.
Eu queria só responder uma vez aquela pergunta de:
"Por que o Chris Anderson se interessa tanto pelo Brasil
e o Brasil da Gaby Amarantos?"
E aí, eu acho que são duas coisas:
Eu acho que a gente tem muito a oferecer
numa transformação da economia da cultura;
e eu acho que a gente tem muito a oferecer
numa experiência renovada das práticas democráticas.
É isso, obrigado.