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[música a tocar]
Encontramos-nos no Prado em Madrid e estamos a olhar para a grande tela por Velàzquez: "Las Meninas".
Estás a falar de grande em termos de tamanho? Porque é um quadro enorme.
Na verdade, é um quadro com um enorme quadro dentro dele...
É do mesmo tamanho que este quadro.
De facto, alguns historiadores de arte sugerem que o quadro que Velázquez -
- porque repara, está ali um auto-retrato de Velázquez no acto da pintura -
está de facto a pintar o quadro que estamos a ver agora.
Percebeste?
Percebi. É muito complicado.
Então o que estamos a ver aqui é, no centro, a princesa a ser servida pelas damas de companhia,
uma anã, a sua governanta, e outros criados.
E na parede de trás, um espelho
que é uma espécie de puzzle, num certo sentido, do quadro.
Sabemos que é um espelho porque ao contrário das outras telas na parede de trás,
esta é uma superfície muito mais reflectora.
Podemos ver a beira em bisel do vidro
e, claro, na moldura vemos o reflexo do Rei e da Rainha de Espanha,
Filipe IV e a sua esposa.
E alguns historiadores de arte sugerem que nós somos eles a olhar para o espelho
e a ver o nosso reflexo.
Outros sugerem que, de facto, o espelho reflecte a imagem
que está a ser representada por Velázquez na tela,
e, outros historiadores de arte sugerem que, sim, o espelho reflecte
o que está na tela, mas o Rei e a Rainha encontram-se ainda atrás de nós.
É por isso que a princesa está a olhar para nós
e até o cão, de certo modo, apercebe-se disso.
E por isso é que há uma espécie de atenção generalizada a estar muito focada
no que nós estamos a ver no quadro.
Talvez, estejamos no lugar do Rei e da Rainha,
e este quadro foi criado para os estudos do Rei,
que teria sido a pessoa a olhar para ele.
Então, está destinado a ser visto por ele.
Essa questão do olhar, do olhar fixo, é, creio eu, um dos maiores pontos-chave
deste quadro.
Parece-me que é uma conversa de relances,
uma conversa em que as pessoas reagem aos relances uns dos outros, ao olhar,
um tipo de redacção sobre a maneira em que nós vemos.
Para mim, é mais do que prestar atenção.
Acho que é isso está correctíssimo e faria sentido.
Estes são o Rei e Rainha de Espanha, um dos países mais poderosos da face da Terra
neste momento.
Sim, terias de lhes prestar atenção se eles entrassem numa sala.
Podias ignorá-los por tua conta e risco.
Exactamente.
E vemos isso quando olhamos para o artista, Velázquez, que é o primeiro pintor do Rei
a olhar para o casal real.
Ele teria, claro, o melhor emprego que um artista pode ter em Espanha neste momento.
Porém, estou interessado num tipo de sentido de naturalismo, no sentido de espontaneidade,
no sentido de informalidade, que é tão inesperado num retrato real.
Essa é a coisa mais maravilhosa deste quadro, creio eu, que faz dele tão difícil
de dizer o que é e o que faz dele tão espantoso é que não é um "retrato".
Porque sabemos como são os retratos.
Estão nas paredes à nossa volta.
E são retratos muito formais da maneira de posar da famíliia real
e parecem poderosos, e isso não é isso que este quadro é.
Então há uma espécie de informalidade, como uma pintura de género,
como se olhássemos para algo como um dia num estúdio de um pintor,
mas, também não é isso o que isto é, porque isto também é um retrato.
Então parece que se localiza nesta estranha linha de ambas essas coisas.
É como um retrato íntimo.
É um retrato que, de certo modo, dá-nos uma espécie de acesso ao
momento real, à vida real dentro deste palácio.
De facto, alguns historiadores de arte sugerem que este quadro é, em parte,
uma maneira do artista promover-se a si próprio e de mostrar a sua importância
e, de certo modo, mostrar o seu valor para a corte.
A ideia de que como pintor, ele não é só um artesão,
mas sim um intelectual.
Esta é então a ironia.
Se Velázquez está, de certo modo, a tentar apoiar esta noção
do artista como intelectual e não como artesão,
não o homem que trabalha com as suas mãos,
o quadro é um ousado exemplo de quadro.
Nós nunca poderemos escapar do facto de que este é um fantástico quadro;
porque apesar de haver um tremendo sentido de naturalismo entre estas figuras,
o quadro é tambem nada mais do que uma série de pinceladas de tinta.
E eu creio que isso é testemunhado mais vividamente nas mangas da "La Infanta",
nas dos seus criados, ou especiamente naquele raio na pincelada de branco
que desce do da manga do próprio artista e que, na verdade, conduz o nosso olhar para a paleta.
E aqui está o enigma mais maravilhoso.
A paleta é a representação no espaço da tinta crua
que é, claro, o mesmo material que o artista está a usar
para criar a representação daquilo.
Porém, o que me parece tão interessante, também é que há uma altura em que o contrário acontece.
Olha para a forma como a sua mão segura o pincel.
Essa é a tinta crua que quase se dissolve, quase recusa-se a ser dedos numa mão.
E assim, ele está, de certo modo, a brincar com aquela beira.
Eu posso fazer com que pinceladas muito soltas parecam esclarecedoras e se unam
e fazê-las parecer tecido em movimento, certo?
Luz reflectora, tafetá, o que quiserem.
Ou posso, na verdade, dissolver formas que vocês esperavam e permitir que a coisa
se torne também no acto de pintar.
Só a tinta.
Eu acho que o que adiciona a isto é o facto de não vermos o que ele está a pintar.
Há uma espécie de mistério acerca da alquimia do quadro,
acerda de como pegamos na técnica, no solvente e no pigmento e transformamos-o em realidade.
Eu diria que não é só a realidade que ele segue.
Eu acho que ele procura uma espécie de realidade condensada.
Eu acho que ele está à procura duma espécie de experiência aumentada no olhar,
uma espécie de experiência aumentada na intimidade desta família, deste momento.
E eu acho que ele está a fazer algo que é na verdade bastante poético e filosófico.