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Alô?
-Tom? - Jack? Jack, são…
Aconteceu alguma coisa?
Liguei muito tarde? Não, Não
a culpa é do fuso horário.
Você está bem? Está tudo bem?
Não exatamente.
Hei Tom, preciso de ajuda.
Precisa de um redator de discursos? Só isso?
E acha que eu ligaria para você?
Não ajudei na sua candidatura à presidência porque achei loucura.
Parece que os eleitores concordam.
Talvez tenha sido loucura, mas agora devo concorrer de novo
para a reeleição no senado, e ninguém quer contribuir.
Bem, contribuem, mas não quero o dinheiro.
Não tenho nada a dizer. Sinto-me esgotado
Então saia desse ninho de cobras.
- É uma galeria de espelhos para narcisos. Fuja.
- Gostaria, mas agora é impossível.
- Ora, sempre diz isso. Isso é parte do problema.
- Está me oferecendo a estada?
Claro. Pode vir para cá. Venha.
Não é a Casa Branca, mas ao menos aqui você é amado.
Estou tão feliz por ter vindo.
Eu não devia tê-lo convidado
- Lá está o monte.
Apareceu de novo.
A Idade Média foi esquecida lá, e o tempo seguiu em frente.
Outra vez. Típico dele.
Sempre atento e dizendo a coisa certa para cada ocasião.
Ele vê a vida como uma coletiva à espera da sua opinião.
Talvez só exista isso, essa máscara pública.
Talvez eu tenha me iludido nestes 20 anos…
procurando o verdadeiro cara atrás da fachada.
Talvez o verdadeiro cara seja mesmo a fachada.
Isso é espantoso!
Com certeza.
Tudo é espantoso para este cara.
Por que estou resmungando tanto? Talvez esteja prevendo…
uma viagem desastrosa. Não sei se quero Jack por perto agora.
Estou curtindo minha própria crise da meia-idade, muito obrigado.
- Aqui é o mais longe de Washington que eu consigo ficar.
Obrigado.
Lá vai ele... Por isso ele me irrita. Por isso saí dos EUA.
Atrás do inocente, pode haver um político calculista…
mas, atrás de um político existe um inocente.
Ele ainda é muito americano. Não mente bem, fala a sério.
Vamos parar o carro e dar uma olhada?
- Aí está ele: Mont Saint Michel. O que acha? - É lindo.
- Quer fazer algo diferente? Andar até lá? - E cruzar este pântano?
Sim, como nossos ancestrais faziam há muitos séculos. Vamos, você é que queria caminhar.
Não estou vestido para isto.
"""Ponto de Mutação"""
****** LEGENDAS: FLAVIO C.E. ********
- Então, vamos fazer algo hoje?
- Assim que terminar o meu livro.
- Está sempre lendo algum livro. Que tédio.
Onde está Romain?
Não me interessa. Quero fazer alguma coisa com você.
Eu não devia ter vindo. Devia ter ficado com o papai.
- Ora, Kit - Você só fica enfurnada nesta ilha medieval, lendo seus livros…
e nem se dá conta do que há ao seu redor.
Se estivesse em outro lugar, não faria diferença.
- Precisa sair, conhecer pessoas! - Vou fazer isso.
Vou embora.
Tchau.
- Vai ficar de vez na França? - o quê?
Achei que não vivia fora de Nova York.
E o teatro? Desistiu de vez?
Acho que ele desistiu de mim.
Não sou corretor o bastante para morar em Manhattam… nem tenho uma profissão agressiva o bastante.
nem tenho uma profissão agressiva o bastante.
Antes meus amigos pensavam no trabalho, não em investimentos…
e nossa atividade nos nutria.
Aí, você sabe, veio a pensão alimentícia, o fisco…
...negaram-me o direito de ser pai de meu filho…
A realidade… Quem precisa dela?
Acho que, quando Nixon em 1972 se foi, deixamos todos de lutar, não?
Os grandes negócios assumiram o controle… e quando você se associa a eles, cara…
precisa se emancipara de seu princípios morais… ou viver horrorizado o tempo todo.
É a velha discussão? Abandonei meus princípios morais…
porque tento mudar as coisas inserindo-me no sistema?
Jack, está levando para o lado pessoal.
Eu falava de mim. Eu é que fiquei um tanto horrorizado.
Conheço muita gente que tem trabalhos mais sujos que o seu…
e eles são felizes, saudáveis, não são deprimidos, aproveitam a fartura…
mas eu, particularmente, não agüento, não dá.
Confúcio diz que a melhor das 39 maneiras de escapar é fugir. Vim para a França, onde posso criar pança.
Então eu fugi.
Aqui estou na França, onde posso criar pança.
Sou um romântico tardio, acho que na França medita-se melhor.
Portanto, vou ficar. Acho… ou não. Veremos.
Este lugar parece um conto de fadas.
Como viemos parar aqui? Aposto que tem um plano secreto.
Posso dizer o mesmo ao seu respeito.
Não, só achei que gostaria de vir aqui…
para descobrir aquela qualidade preciosa tão em falta no mundo.
Visão.
Perspectiva. Perspectiva, Jack.
Os mortos são postos aqui, no meio da cidade, entre as casas.
A morte é uma parte da vida, não uma coisa separada.
Mas , como vêem, não há túmulos suficientes para todos…
então os ossos são exumados a cada década, mais ou menos…
para dar lugar a novos corpos..
e como eles crêem que precisarão dos ossos no Dia do Juízo…
eles são postos aqui perto, no ossuário…
- Que nojo! - Eu gosto de cemitérios.
…e nos fundos da igreja há um relíquia de um santo.
- O que é um relíquia?
Pode ser uma unha do santo ou um pedaço de um dente…
Diga, como espera governar essa gente?
Boa pergunta.
Perguntaram a um primeiro-ministro da Itália…
se era difícil governar os italianos…
"Ele respondeu: Não, não é difícil. É apenas inútil."
E você disse isso no telejornal? Não, mas pensei muito naquilo.
Talvez por isso eu tenha perdido.
Eles acham que os ossos duram até o Dia do Juízo?
Bem, achavam que tal dia estava próximo, que viria a qualquer hora.
-Como nós. -Não, para nós, é diferente.
Para nós, o Dia do Juízo é uma violação do conceito de tempo…
a bomba, o fim de tudo, sabe?
Para eles, era um dia fatídico, e não fatal.
Não tinham relógios, o tempo não era mecânico. Eram as estações…
a manhã, o acaso, o plantio, a colheita, até o Dia do Juízo.
O Dia do Juízo era a razão primordial de estarem vivos…
"era o dia da libertação, como a edição dominical do "The Times"."
O tempo era sagrado. Tocavam o sino de manhã e à noite...
com pequena variações, mas o ritmo era tão diferente do nosso…
que eu não acho que nós possamos imaginá-lo.
Acho que chegamos um pouco cedo.
"Nenhum santo sustenta-se só." - O quê?"
"Nenhum santo sustenta-se só."
Sempre que venho aqui, lembro-me desta frase, sei lá de onde.
Às vezes fico semanas, anos, pensando no que significa.
Leu algum dos livros que lhe enviei?
Não desde que decidiu não voltar para me ajudar com os discursos.
Leu algum discurso que mandei? - Eu tentei.
Já não me concentro mais como antes.
É verdade, eu também não. Não consigo me concentrar em nada que não seja específico.
A poesia apenas me confunde. - E a política confunde a todos.
Inclusive a quem a pratica.
- Mas eu sei o significado da frase. - Qual é?
É a essência da minha profissão…
porque entre todo político e sua opinião há pessoas, microfones…
ninguém é um ilha.
Todo homem é parte do continente…
portanto, nunca pergunte por quem o sino toca… ele toca por você.
não dá para sentir este lugar observando você?
- Faz você se sentir pequeno. - Ele foi feito para isso…
Para fazer o indivíduo e seu corpo se sentirem inferiorizados…
privados de suas existências independentes.
Deixamos de nos sentir todos um só… mas temos liberdade. Não é uma troca tão má.
não sei se ela vale tanto a pena… se não saímos perdendo.
Todos só falam de si mesmos hoje em dia.
Uma vez escrevi um poema: "As pedras falam, eu estou calado".
Ao menos é livre para pensar o que quiser e agir a respeito.
Pense no coitado que carregou estas pedras todas... Não teve vez.
Ou tente se candidatar. Outros cuidam de tudo, da agenda…
decidem o que deve e o que não deve dizer…
perde-se a identidade. Já houve quem esquecesse o próprio nome.
-Talvez você seja muito inteligente para ser um presidente.
- Um repórter já me falou isso. - O que você disse?
- Fiquei meio nervoso.
Disse que os eleitores querem líderes mais burros que eles…
pois eles são menos danosos. É uma forma barata de cinismo.
Disse isso na TV? - Sim
Então não é tão esperto assim.
Vamos subir.
Suba - Depois de você.
Olhe só para isso! Essa coisa está funcionando há séculos.
Desde antes dos tempos modernos. Mas é diferente do tipo de tempo de que falávamos.
Manhã, acaso, plantio, colheita, não?
Isso é tempo mecânico. - É com certeza.
Às vezes, acho que este relógio, esta máquina…
foi a causa da primeira ruptura do homem com a natureza.
Não concorda? Olá!
O relógio fez mais do que isso. Tornou-se o modelo do cosmos…
e aí confundiram o modelo com o original.
Acharam que a natureza era só um grande relógio…
não uma coisa viva. Mas uma máquina...
Isso é exatamente o que eu estava tentando dizer a este teimoso.
Palavra por palavra..
Talvez o reconheça: Jack Edwards. E você é...?
Sonia Hoffmann. Acho que já ouvi o seu nome.
Em todo o telejornal talvez. Ele foi candidato a presidente dos EUA.
Recordo vagamente. Veja, eu não voto. A maioria dos americanos também não.
Mas eu sei quem você é. - Eu? É mesmo? Eu duvido…Eu..
É Thomas Harriman, o poeta.
Sou, sim, mas espere aí…
reconhece um poeta cujo último livro vendeu 12 mil cópias…
mas não reconhece esse cavalheiro.. que foi candidato a presidente dos EUA?
O que houve com seus valores? O que você faz?
Sou cientista, e nós cientistas ocasionalmente lemos poesia.
Aliás, li muita ultimamente. Estou numa espécie de recesso.
Sou uma ex-física, ex-cidadã americana, ex-eleitora…
Ex-esposa?
- Isso é perturbador.
Por que gente inteligente como você não vota?
Perdoe-me, mas vocês políticos dificultam as coisas.
As idéias da maioria de vocês, de direita ou de esquerda…
parecem-me antiquadas e mecânicas como este relógio.
Como assim?
Para explicar, eu precisaria retroceder até Descartes…
- Se é que se lembra dele. - Lembro.
"-Ser ou não ser." "-Penso, logo existo!"
Sim, ambos fizemos universidade.
Bem, ele foi o primeiro arquiteto da visão do mundo como relógio...
uma visão mecanicista que domina especialmente vocês políticos.
Mecanicista. Essa palavra existe?
Mecanicista, mecanizada, mecânica. É uma boa palavra.
É como se a natureza funcionasse feito relógio.
Você a desmonta, a reduz a um monte de peças simples...
e fáceis de entender, analisa-as, e aí passa a entender o todo.
Isso não é o tal do pensamento científico?
Essa "visão mecanicista" não é o próprio método científico?
É?
Bem, não concordo, mas gostaria de ouvir a opinião da física.
Está bem, desculpe. Por favor, continue.
- De certo modo, tem razão, senhor... - Jack. Chame-me de Jack.
Certo, Jack. Mas não foi sempre assim. Não antes de Descartes.
Quando ele introduziu isso...
provocou uma ruptura revolucionária com a Igreja.
Ele queria saber como o mundo funcionava sem a ajuda do Papa...
pois, para ele, o mundo era só uma máquina.
Aí ele ficou fascinado pela máquina do relógio...
e fez dele a sua principal metáfora.
Ele disse: "Vejo o corpo como nada mais que uma máquina".
Um homem saudável é um relógio bem-feito...
e um doente, um relógio mal-feito.
Bem, hoje em dia parece meio primitivo, mas funciona, não?
Tão bem, que cientistas passaram a acreditar...
que todos os seres vivos, plantas, animais, nós...
não passam de máquinas, e isto é falso.
Isto tomou conta de tudo: arte, política...
Acho que a maioria das pessoas nem lembra quem foi Descartes.
- Acho que não entendi, e pronto. - Mas gostaria de entender.
Divida em pílulas de 30 segundos, ele está mais acostumado.
Muito engraçado. Certo, o que é que eu não reconheço?
O que há de errado com Descartes?
Não há nada de errado com ele, eu até o acho maravilhoso.
Ele foi uma dádiva divina para o século XVII...
mas os tempos mudaram.
Precisamos de uma nova maneira de entender a vida.
aquele pêndulo, por exemplo.
a muito tempo foi substituído por um cristal de quartzo.
E essas magníficas engrenagens feitas à mão...
transformadas num micro chip do tamanho de uma unha.
A ciência já passou o pensamento mecanicista nesta proporção.
Mas vocês políticos parecem ainda ter essa máquina...
dentro de suas cabeças.
Continue, Sonia, não pare.
Quem sabe tem o fragmento do mapa que nós, políticos burros...
não conseguiríamos encontrar.
Está pensando em termos de fragmentos de novo.
É tudo o que temos da imagem geral. Vamos, dê-me um exemplo.
Bem, tomemos o problema da superpopulação.
Não o resolverá olhando as formas de contracepção isoladamente.
Pesquisas demonstraram que o contraceptivo mais eficaz...
são ganhos econômicos e sociais que reduziriam as famílias grandes.
É verdade.
Sabia que, no mundo todo, todo dia 40 mil crianças morrem...
de desnutrição e doenças evitáveis?
Quase todo o segundo.
Agora... e agora... e agora.
Mas estas curtas vidas não podem ser vistas isoladamente.
São parte de um sistema maior, que envolve a economia...
o meio ambiente, e sobretudo a grande dívida do Terceiro Mundo.
- Como é? - O fardo dos empréstimos...
frenéticos não recaí..
sobre quem tem contas no estrangeiro ou empresas...
mas, sim, sobre os que já não têm nada!
Há três anos, um presidente perguntou...
"Crianças devem passar fome para pagarmos a dívida?"
Tal pergunta foi respondida na prática, e a resposta foi "sim"...
porque, desde então, milhares de crianças do Terceiro Mundo...
deram a vida delas para pagar a dívida de seus países...
e outros milhões pagam os juros com corpos e mentes subnutridos.
O Brasil, por exemplo...
sabia que lá eles destroem a floresta amazônica...
à razão de um campo de futebol por segundo?
Agora... e agora... e agora.
Por quê? Tentam pagar a dívida nacional com o gado e as terras.
Nem têm tempo para vender a madeira! Põe fogo na floresta!
E o desmatamento é uma das causas principais...
do efeito estufa na atmosfera.
Enquanto isso, nós gastamos na corrida armamentista!
Como vê, não pode olhar em separado os problemas globais...
tentando entendê-los e resolvê-los.
Claro que pode conserta um peça...
mas ela vai quebrar de novo em um segundo...
porque ignorou o que se conecta a ela.
Precisamos mudar tudo de uma vez, ao mesmo tempo.
Os ideais, as instituições, os valores...
Tudo isso parece familiar. Vocês se conhecem? Isso foi armado?
Certo, vou dizer o que penso...
mas você só vê o lado negativo. Temos como resolvê-los.
Comunicações, banco de dados, tecnologia...
já temos ferramentas para lidar com vários problemas...
... mesmo que eles sejam complexos.
- É o próprio Cândido. O eterno otimista.
Mas não vê que todas essas novas tecnologias...
causam mais problemas do que os resolvem?
A medicina, por exemplo, avançou espantosamente em tecnologia...
mas o custo subiu igualmente. Tornou-se medicina para ricos.
E a saúde pública não melhorou muito, embora pudesse melhorar...
se apenas mudássemos nossos hábitos alimentares.
Em vez disso, especialistas pensam em corações artificiais.
Se nossa agricultura nos alimentasse melhor...
em vez de desmatar a Amazônia para criar gado...
que tem carne vermelha, que é uma das causas dos enfartes...
talvez não gastássemos tanto dinheiro com corações artificiais.
E por aí vai. São só alguns exemplos de conexões.
Mas, Sonia...
Tudo bem, suponhamos que tudo esteja conectado, como você diz.
É preciso começar, não? A questão política é: por onde?
Mudando nossa maneira de ver o mundo.
Você ainda procura a peça certa para consertar primeiro.
Não vê que todos os problemas são fragmentos de uma só crise...
uma crise de percepção.
Ótimo. O mundo está se acabando...
e você diz que é uma crise de percepção. Acho meio abstrato.
E por que todas essas críticas à medicina moderna?
Tudo bem, sou filho de médico...
mas admita que a medicina mecanicista tem tido sucesso.
Bem, até certo ponto...
mas simplesmente bloqueando os mecanismos da doença.
Isso não é curar. É como na política.
Mudam-se os problemas de lugar.
Você vai me ajudar, ou vai me deixar sozinho nesta discussão?
Vou deixar você sozinho. É, vou.
Uma pessoa vai ao médico com ataque de cálculos na bexiga...
o médico extrai a bexiga e... milagre! A dor vai embora.
Pode dizer que o modelo de percepção do médico é pobre...
e que ele só se concentrou numa parte do relógio e a removeu...
mas o fato é que o paciente não sente mais dor, e o relógio anda!
O modelo de percepção funcionou.
Mas tudo que funciona é bom para um sistema?
Ora, Sonia, isso é um sofisma que não tem aplicação útil na política!
Ela é, afinal, um sistema baseado em pessoas.
É a arte de por pessoas em acordo sobre certas ações.
Se tais ações derem certo elas ficarão satisfeitas...
se não, não ficarão. Ou seja, o que funciona é bom, ponto final.
Não falou que a política não funciona mais por causa disso...
e que ela precisava tornar-se a arte do impossível?
De que lado você está?
O dela, é óbvio. Ela é inteligente, graciosa e mais atraente.
Jack, quero voltar à questão dos sistemas.
- Disse que fui desonesta. - Não, não, não.
Falemos da bexiga de novo. Ela foi extraída, e a dor se foi...
mas e a tensão que causou o problema? Se ela ainda existir...
o homem ficará doente de novo.
Se ele tivesse mudado sua alimentação antes...
e feito exercícios, nunca teria ficado com pedras na bexiga.
Tal educação seria mais barata que a cirurgia. E menos dolorosa.
Mas os sistemas não encorajam a prevenção, só a intervenção.
Certo, você não é sofista, mas culpar Descartes por isso...
não é um pouquinho exagerado, talvez até excêntrico?
Não se eu estiver certa.
Não quero condenar o pensamento de Descartes...
mas só reconhecer suas limitações.
Ver o mundo como máquina pode ter sido útil por 300 anos...
mas esta percepção, hoje, além de errada, é na verdade nociva.
Precisamos de uma nova visão do mundo.
Como é a citação?
"É tolo uma sociedade apegar-se a velhas idéias em novos tempos...
como é tolo um homem tentar vestir suas roupas de criança."
É algo assim. Thomas Jefferson.
Talvez você não seja louca.
Não sei, Sonia.
Essa nova visão pode ser a mania do milênio...
uma dança de São *** mental às vésperas do ano 2000.
Não, todos sabem que podemos sumir com o apertar de um botão.
E estamos sujando cada metro de terra, água e ar.
Essa água parece limpa, mas não é na verdade. Nada mais o é.
O Canal da Mancha é um dos mais poluídos do mundo
e suas ostras são famosas, não? Logo não serão boas para comer.
Não é só isso. Esta água é radioativa...
contaminada por uma central nuclear aqui perto.
Também li sobre isto.
Políticos sabem ler. Alguns até se preocupam com isso, como eu...
mas lidamos com outras limitações...
e conexões diferentes das que mencionou.
Suponhamos que o que diz seja verdade.
O gado é maltratado, recebe produtos químicos...
carne vermelha demais faz mal e os pastos acabam com florestas.
Digamos que seja tudo verdade.
Pensando nesses cem problemas, resolvo taxar a carne vermelha...
como o tabaco para diminuir o consumo.
Que bela idéia. Poderíamos aplicar a renda na pesquisa do câncer.
Sim, e eu teria 50 lobbies me massacrando...
enquanto os frigoríficos ajudariam a campanha do meu oponente...
e políticos de Estados produtores de carne me ligariam o dia todo...
mas tudo bem, só por você eu enfrento tudo isso.
De vez em quando, um homem precisa fazer o que é certo.
Mas se, além disso, eu reduzisse verbas militares...
tentasse cuidar da chuva ácida...
e aumentar os subsídios para pesquisas em energia solar...
Sabe o que aconteceria?
Qualquer um que se candidatasse contra mim, qualquer um mesmo...
teria o apoio de todos, venceria, e estaria certo em fazê-lo...
pois quando se contraria a opinião pública, é assim que ela avisa.
Por isto faço o que todos fazem na política americana...
pego alguns pontos cruciais fragmentos desse seu todo...
e persisto até conseguir fazer algo, se tiver sorte.
Quanto ao resto, dou um tempo, espero, vou levando...
faço trocas.
Desculpe, mas é por isso que eu não voto.
Vocês fazem as pessoas comerem menos carne vermelha...
e compensam criadores comprando manteiga a preço subsidiado.
Se evitamos enfartes por um lado acham outro jeito de aumentá-los.
Concordo, não cairíamos tanto em contradição...
se não fizéssemos tudo aos pedaços...
mas há algo de assustador, até de cruel...
na sua exigência hipotética.
Você é que vai dizer a todos o que é bom para eles?
Dirá ao fazendeiro que ele e sua família fizeram tudo errado...
e encerrará o negócio deles?
Talvez percamos todo dia para a iniciativa privada...
mas ao menos agora nosso governo atém-se...
ao que o povo vê como suas necessidades.
O mundo muda mais rápido que a percepção das pessoas.
Não seria um grande desafio político pular o abismo, informar...
permitir que nos sintamos responsáveis?
O povo nem confia mais em vocês políticos.
Na última eleição, só 50% deram-se ao trabalho de votar.
Reconquistá-los realmente pediria uma política do impossível.
Que slogan ótimo. Onde você estava quando eu precisei?
- Eu votei em você. - Consegui o voto do poeta?
Política do impossível. Eu também votaria em você.
Ótimo! Some-se a isso o apoio de todas as mulheres informadas...
mas não participantes que moram em ilhas, e sinto cheiro de vitória.
Por que isto me deixa com raiva?
Talvez porque eles não queiram saber disto. Não crêem nisto.
Não há razão para crerem antes de ficarem velhos.
Eles nem percebem onde estão.
Acham que isto é o cinema, mas esta sala é bem atual.
Todos tem uma sala de torturas agora e nem sabem disto.
Acha que isto também faz parte da crise de percepção?
Talvez sejamos atraídos pela morte, como lobos por cordeiros.
Ou talvez as pessoas sejam umas merdas.
você culpa Descartes, mas isto faz parte da história do homem.
Bem, não sei quanto a Descartes mas sei que
Francis Bacon julgou bruxas no reinado de Jaime I....
quando mulheres eram torturadas por usarem medicina popular....
adorar deusas pré-cristãs, ou somente por serem estranhas.
Eu provavelmente iria para na fogueira.
Não acho que Bacon usou metáforas ao escrever...
que a natureza devia ser caçada posta para trabalhar, escravizada.
Ele até disse que os cientistas com seus aparelhos...
deviam torturá-la para obter seus segredos.
Notou como ele se refere à Mãe Natureza como mulher?
Como se ela não passasse de uma bruxa?
Sim...
é correto dizer que esta sala representa a crise de percepção.
Mas esta sala estava aqui antes de Descartes e Bacon.
A violência e a exploração independem da percepção humana.
Claro, gostaríamos de poder mudar isto mudando a nossa percepção.
Mas a ciência moderna, a tecnologia, os negócios...
não fizeram o que Bacon sugeriu, torturar o nosso planeta?
Não é a velha idéia patriarcal do homem dominado tudo?
Deixe-me bancar o advogado do diabo.
Quanto, exatamente, torturamos o planeta?
Não muito, se pensarmos na Era Glacial, por exemplo.
E quem disse que a Natureza não agüenta?
Preocupamo-nos muito com a camada de ozônio...
mas só começamos a estudá-las a uns 10 anos atrás.
Pode ser que esses buracos na camada de ozônio...
estejam aparecendo e sumindo desde a pré-história.
Não é? Talvez a natureza tenha métodos de cura desconhecidos...
e a histeria dos raios ultravioletas seja só isso: histeria.
Foi o que se disse sobre a floresta alemã a alguns anos...
e agora mais da metade da Floresta Negra está morrendo!
Não podemos mais nos esquivar. Não podemos correr o risco.
Aqui mesmo, nesta ilha, as marés estão diminuindo...
Talvez por causa do lixo jogado na baía, ou dos fertilizantes.
Lagos podem morrer, oceanos inteiros ficam poluídos...
o solo, as florestas, as águas, envenenados, mortos!
As coisas mudam tão rápido na mãos do homem.
A natureza se fragiliza, a chuva torna-se ácida...
Concordo com tudo, mas por que a fixação com o patriarcal?
Aquelas bruxas foram traídas por outras mulheres.
Uma velha escreveu que a bomba atômica era maior dádiva divina.
Diga, então, que "patriarcal" é o mal nas mulheres e nos homens.
Exemplos de ambos não faltam.
Ou elas tiveram seus cérebros lavados, como Patti Hearst?
Por que a ironia? Há dois grandes princípios em todo ser vivo...
o masculino, que é dominador, agressivo, seja lá o que for...
e o feminino, que é nutriente, gentil, seja lá o que for!
Estou dizendo que tais princípios costumavam estar equilibrados...
e agora o homem, sim, o homem, criou ferramentas e armas...
físicas e intelectuais para desequilibrá-los completamente!
Demos ferramentas mecanicistas a pessoas sedentas de poder!
Estou dizendo que vocês homens perderam o controle!
E você, eu, nós somos as vítimas!
Então qual é o risco ou o erro em dar chance ao outro princípio?
Vamos sair desta sala.
Ela tem um efeito torturante em nosso relacionamento.
Sonia, lamento ter alfinetado você, mas é que...
como marido fracassado, sou meio sensível a essas coisas.
Também sou um poeta faminto e mau professor.
E Jack é outra vítima da meia-idade, mas ainda casado...
então talvez haja uma conexão.
O que você faz? O que a traz a este lugar distante?
Bem, vejamos.
Ainda sou cientista, embora em recesso semi-permanente
- Como aconteceu? - Cansei de ver meu trabalho...
passado ao militares.
Sou física, a única mulher no meu departamento de graduação...
e a primeira da Noruega a estudar a teoria do campo quântico.
Minha especialidade eram os lasers.
Nosso desafio era usar o menor comprimento de onda possível...
o que possibilita um raio laser mais poderoso.
Nossa meta final era o laser de raio X...
e um dia deparei-me com uma descoberta...
que possibilitou um grande avanço em direção a esta meta.
Quando você faz algo assim, a ciência o trata bem.
Recebi propostas atraentes...
de Paris, depois dos EUA, e as aceitei.
Trabalhava feliz da vida em Boston...
até um dia descobrir, inesperadamente...
que meu trabalho estava sendo pervertido.
Sempre pensei nas aplicações médicas do meu trabalho...
como usar o laser para fazer holografias de células...
ou até moléculas.
Ele teria ajudado a desvendar muitos enigmas...
incluindo a formação de células cancerígenas.
Mas o que aconteceu foi que uma versão sofisticada da minha idéia...
iria ser usada no projeto Guerra nas Estrelas.
Isso me fez pirar.
e reavaliar toda a minha profissão.
Para encurtar a história...
em meio a outros eventos, simplesmente me levantei e saí.
Posso perguntar que outros eventos?
Experiências não muito diferentes das suas.
Mudei de Boston e acabei vindo parar aqui.
Um dia vim de Paris para cá e este lugar se apossou de mim.
Eu sempre vinha aqui.
Havia dias em que tempestades espantavam os turistas...
e eu tinha o lugar todo só para mim.
Comecei a analisar como o que sei de física subatômica...
se relacionava com minha percepção do mundo...
e não sei, mas acho que tenho algo a dizer agora.
Ainda não sei se terá a forma de um todo coerente...
mas é no que penso na caminhada matinal....
que hoje, por alguma razão, me trouxe a vocês.
Toda manhã, cruzo a ilha a pé, com qualquer tempo...
tentando entender a linguagem dela.
"As pedras falam, e eu me calo"
Algo do gênero, sim. É de um poema, não?
Talvez, não sei. Dá identidade aos seus pensamentos?
Sim, gosto de escrever, chamo isto de "pensamento ecológico"...
Em oposição ao pensamento cartesiano.
Cartesiano?
Descartes escrevia em latim. Seu nome em latim era Cartesius.
É? Pensei que tivesse a ver com mapas.
- Não, confundiu com "à la carte". - Sim, como um menu!
Mas aí seria "menusiano".
Gostaria de propor um novo modo de ver as coisas...
que nos ajudasse a superar esta crise de percepção.
Aqui descobri que pensar de maneira ecológica...
simplesmente faz mais sentido.
Dá uma compreensão mais firme da realidade, dá força.
Saber é poder?
Sim, mas no sentido de poder pessoal...
e não do velho impulso masculino de ter poder sobre outros.
- O império maligno de Descartes? - Descartes tinha um sonho.
Foi Isaac Newton, na verdade, que o concretizou...
que o transformou em teoria científica, em poder.
"Possa Deus escapar da visão de Isaac Newton." William Blake
- Estou impressionada. - Vocês teriam muito a conversar...
ele dizia em verso há 200 anos, o que você diz em prosa.
Ele odiava Newton e sua visão única...
e dedicou a vida a negar através da arte essa visão única...
e claro que seus contemporâneos julgaram-no doido.
Sim, veneravam Newton quase como um deus.
Reduzindo todo fenômeno físico ao movimento de partículas...
causado pela força da gravidade.
ele conseguia descrever o efeito exato da gravidade...
em qualquer objeto, com equações precisas.
As chamamos de Leis do movimento de Newton...
e elas são o maior feito da ciência do século XVII
Dormi com isso no colégio, como todo bom poeta...
raiz quadrada de Pi dividida por uma pitada de magnésio, etc.
Bem, nas mãos certas, ou melhor, nas mentes certas...
tais equações funcionavam lindamente.
Eu poderia usar as leis de Newton para explicar cada movimento...
desde a curva balística até os círculos na água.
Era um feito tão incrível para a época, que as leis de Newton...
logo foram adotadas como a teoria correta da realidade...
as leis finais da natureza.
O sonho cartesiano do mundo como uma máquina perfeita...
tornara-se um fato consumado.
Isto trouxe inúmeros benefícios às pessoas.
Elas podiam fazer coisas com as quais nem sonhavam antes.
Era irresistível...
e, claro, a velha noção do mundo como um ser vivo sumiu do mapa.
E o que há de errado com Newton?
Kit! Estes são minha filha Kit e seu amigo Romain.
Kit, estes são Thomas Harriman e Jack...
- Jack Edwards. - Jack Edwards? Olá!
O que acha do pensamento ecológico da sua mãe?
Acho legal!
Kit morre de tédio ao me ouvir falar.
É. Nós vamos andando. Prazer em conhecê-los.
- o prazer foi nosso. - Divirtam-se.
Ela mora aqui com você?
Não, está em férias da universidade...
mas, no momento, sim, morre de tédio em ficar comigo.
- Entendo. Também tenho dois. - Eu tinha, isto é, tenho um.
Sabem, não era por mero acaso que Turner pintava a luz...
ou que a luz se tornou a maior inspiração dos impressionistas.
A natureza da luz tornou-se uma obsessão também para os físicos.
Nenhum deles conseguia entender...
como a luz do sol alcançava a Terra.
Por quê? Qual é a natureza da luz?
Para entendê-la, é preciso saber o que compõe a matéria.
- não são os átomos? - E o que é um átomo?
Newton achava que era uma pequena partícula sólida...
mas não foi o que os cientistas viram quando observaram...
um átomo pela primeira vez. O que eles viram foi totalmente...
inesperado e chocante.
Isto é, quando viram que era feito de coisas ainda menores...
um núcleo com elétrons girando em volta?
Não é só isso. Eles se movimentam...
em regiões relativamente vastas de espaços vazio.
Foi isto que chocou os cientistas.
O átomo é feito, basicamente, de espaço vazio.
Como "vastas regiões de espaço vazio"? Átomos são pequenos.
São, e é isso que é difícil de visualizar.
O tamanho deles é tão distante...
de nossa noção normal de proporções...
que é muito difícil perceber os tamanhos e distâncias relativos...
de suas partículas. Pergunte-se: quantos átomos há numa laranja?
Para responder, terá de aumentar a laranja até podermos vê-los.
Teria de aumentá-la até que ficasse do tamanho da Terra.
Os átomos dela, então, ficariam do tamanho de cerejas.
Miríades de cerejas, estreitamente contidas...
dentro de uma laranja do tamanho da Terra.
Nossa que imagem.
Tentei fazer a laranja do tamanho da Terra voltar ao normal...
imaginando todas aquelas cerejas lá dentro e fiquei tonto.
Nesta altitude é bem perigoso.
Tudo bem, o átomo é uma cereja e dentro dela há espaço vazio...
mas e o núcleo? É o tamanho do núcleo que interessa, certo?
Invisível é a resposta!
E se o átomo fosse uma bola de futebol, ele ainda seria invisível.
Se o átomo fosse uma esfera do tamanho deste balcão...
o núcleo continuaria invisível.
E se fosse do tamanho desta ilha, da rocha toda?
Certo.
Vamos ampliar o átomo até ficar do tamanho da ilha.
O núcleo, então, ficaria do tamanho de uma pedrinha. Assim.
E os elétrons seriam menores ainda.
Precisaríamos procurá-los lá embaixo...
nas bordas da ilha...
e todo o espaço entre eles e o núcleo estaria vazio.
Fantástico. Bizarro. Parece poesia.
Está dizendo que se houvesse uma esfera do tamanho da ilha...
ela seria feita de uma pedrinha e uns grão de areia?
Só isso essa esfera conteria?
Em outras palavras, nada! Estaria vazia!
Mas se esta rocha é composta de esferas assim...
o que a torna tão sólida? Por que não posso atravessá-la?
- Por que não caímos? - É, por quê?
Por que tudo não cai através de tudo?
Essa é a pergunta óbvia que os físicos se propuseram.
Lembrem-se de que todos os conceitos newtonianos...
baseavam-se em coisas que podiam ser vistas...
ou ao menos visualizadas.
Mas o que estavam descobrindo neste mundo estranho e novo...
eram conceitos que não podiam mais ser visualizados.
Ao se depararem com os absurdos fenômenos da física atômica...
tiveram de admitir que não tinham uma linguagem...
nem mesmo uma forma adequada de pensar nas novas descobertas.
Foram obrigados a pensar em conceitos radicalmente novos.
Para entender por que a matéria é tão sólida...
precisaram desafiar até as idéias convencionais...
sobre a existência da matéria...
e após muitos anos de frustrações...
tiveram que admitir que a matéria...
não existe com certeza e em lugares definidos...
... mas sim mostra tendências a existir. - Tendência? que história é essa?
Suponha que queremos observar um elétron lá fora.
Não podemos dizer que ele está num lugar definido...
mas apenas que tem tendência a estar lá na frente...
em vez de lá nos fundo, ou aqui à esquerda, ou ali, à direita.
Em linguagem científica, não falamos em tendências...
falamos em probabilidades.
Acho que lembro de ter aprovado uma verba para uns físicos...
para um detector que, diziam eles, localizava elétrons com exatidão.
- Fomo engambelados? - de modo algum.
O estranho é que, quando você mede algo num elétron...
ele está num determinado lugar...
mas entre duas medições, não se pode dizer que está num lugar...
ou que percorreu um caminho definido
de um lugar a outro.
Ou seja, ele dá as caras só para ser medido?
Como atores desempregados ou candidatos como Jack Edwards.
O que acha disso?
É isso aí, garotão.
Estranho.
Deixe-me ver se entendi.
Você mede e o elétron está lá, dá as caras, com Tom disse...
mas entre duas medições não se sabe se ele está em algum lugar...
ou mesmo se percorreu algum caminho definido.
Então, como ele vai de lá para cá? Ele se mexe, não é?
- Não. - Então fica no mesmo lugar?
Não.
Espere aí, ou bem ele se mexe, ou bem fica parado.
Não pode afirmar isso.
Começam a perceber como os físicos se sentiram?
Um elétron não se mexe, nem fica parado num mesmo lugar.
Ele se manifesta como um padrão de probabilidades...
espalhado pelo espaço, e a forma deste padrão...
muda com o tempo, o que...
para a percepção humana, pode parecer movimento.
Está dizendo que o elétron fica espalhado num vasta região...
e que ao ser medido ele coagula num pequeno ponto?
Isso mesmo.
Todas as partículas subatômicas, elétrons, prótons, nêutrons...
manifestam essa estranha existência...
entre potencialidade e realidade.
Então, no nível subatômico não há objetos sólidos?
Não, não há.
Então como podem existir objetos sólidos em qualquer nível?
Isso é o mais incrível. Essa simples pergunta...
o que torna a rocha sólida, vai além do poder da imaginação.
Não posso explicar visualmente para vocês.
Posso usar equações, mas não há metáforas possíveis.
Como pode viver num mundo não-metafórico?
Precisa perceber a realidade de algum jeito. Isto é sólido, não?
Tomemos um átomo de silício desta pedra, com 14 elétrons.
Os padrões de probabilidades destes elétrons...
dispõem-se como conchas ao redor do núcleo...
cada uma contendo alguns elétrons. Dentro das conchas...
eles estão em todo lugar ao mesmo tempo...
mas os padrões em forma de conchas são muito estáveis...
e muito difíceis de ser comprimidos.
A matéria é sólida...
porque padrões de probabilidade são difíceis de ser comprimidos?
É a melhor explicação que vai conseguir.
Então eu tinha razão em dormir nas aulas de física.
O modelo de bolas e varetas do professor estava errado, certo?
Certo. Errado.
É uma visualização vagabunda, mas ninguém fez melhor.
"Se as portas da percepção se abrissem, tudo apareceria como é."
Willian Blake.
Então, Sonia...
a vida é um monte de padrões de probabilidades.
- Probabilidades de quê? - de conexões.
O quê?
Essas probabilidades não são probabilidades de coisas..
e sim probabilidades de conexões.
Entendeu agora, Jack?
Tendemos a ver as partículas como pequenas bolas de bilhar.
ou grãos de areia
mas para os físicos, elas não tem existência independente.
Uma partícula é, essencialmente, um conjunto de relações...
que se estendem para se conectarem a outras coisas.
- o que são essas outras coisas? - Conexões de outras coisas mais…
que também são conexões e assim por diante.
Na física atômica, nunca se tem objetos.
A natureza essencial da matéria...
não está nos objetos, mas nas conexões.
Todos conhecem o acorde, é uma 3a., a mais básica das harmonias.
Carrega consigo um clima próprio, não? Mas suas ondas, isoladas...
não carregam nada. Portanto, a essência do acorde está nas...
Está nas relações.
E a relação entre a duração e a freqüência...
- Compõe a melodia. - ... compõe a melodia.
- As relações formam a música. - As relações formam a matéria.
- Música das esferas. - Como Kepler dizia.
- E Shakespeare antes dele. - E Pitágoras antes dele.
Esta visão do universo feito de harmonias de sons e relações...
não é uma descoberta nova.
Os físicos estão apenas provando que o que chamamos de objeto...
átomo, moléculas ou partículas, é só uma aproximação, uma metáfora.
No nível subatômico, ela se dissolve numa série de conexões.
Como a música. Isto é tão lindo!
Mas há limites, não é? Entre você e eu, por exemplo.
Somos dois corpos separados, não? Isto não é ilusão. É?
Está dizendo que há mesmo uma conexão física entre você e eu...
è entre você e o muro lá atrás, e o ar, e este banco?
Sim.
No nível subatômico, há uma troca contínua de matéria e energia...
entre minha mão e esta madeira, entre a madeira e o ar...
e até entre você e eu. Uma troca real de fótons e elétrons.
No fim das contas, gostemos ou não...
somo todos parte de uma teia inseparável de relações.
- Como tudo isso explica a luz?
- Sim, finalmente. Luz.
A luz não precisa de um meio...
porque embora viaje como onda, também viaja como partícula.
- A luz é tanto partícula quando onda? - Sim.
Mas as partículas de luz, que chamamos de fótons...
são muito especiais. Diferentes de outras, elas nunca ficam paradas...
nem aceleram, nem desaceleram.
Sempre viajam na mesma velocidade: a velocidade da luz.
E as ondas não são ondas comuns, como as ondas na água...
mas padrões abstratos de probabilidades...
viajando na forma de ondas.
Padrões de relações, como tudo o mais.
- Exatamente. - Entendi!
Bem, não entendi...
mas entendi.
Faça-se a luz.
E como a luz, muitas outras partículas de alta energia...
os raios cósmicos, bombardeiam a Terra.
Todas estas partículas colidem com o ar e criam mais partículas...
interagem, criam e destroem outras partículas...
e nós estamos no meio da dança cósmica de criação e destruição...
todos nós, todo o tempo.
- Shiva. - Perdão?
Shiva, o deus hindu da dança.
Os hindus crêem que a dança dele sustenta o universo...
que a dança dele é universo, um fluxo contínuo de energia...
passando por infinitos padrões que se dissolvem uns nos outros.
- Isto é física. - Não, isto é poesia.
Isso é maravilhoso, ótimo mesmo.
Agora, espero que não se ofendam, mas para que serve?
Para nada, acho. Você só pensa nisto. Contempla-o.
Estão com fome? Eu estou. Vamos comer alguma coisa.
Como podem fazê-lo aqui? Ou melhor, em qualquer lugar?
- É culpa sua. - o que?
Tudo bem, não sua, dos físicos. Eles criaram a bomba.
Não pode atribuir isto à bomba.
Por que não? Ela tornou o planeta descartável.
Jogar lixo no chão manifesta a impotência.
Que diferença um pouco de lixo a mais vai fazer? Tudo vai explodir.
Talvez você tenha razão.
Sabem, visitei Hiroshima há dez anos.
Fui aos museus, vi as fotografias da destruição...
fui ao Parque da Paz, olhei todos os monumentos...
a estátua de uma mãe com o bebê...
a estátua de uma deusa embrulhada em papel. Era grande.
Aí vi um morrinho de dois metros de altura coberto de grama.
Não tinha decoração, símbolos, não era um monumento.
Ele simplesmente continha as cinzas das vítimas da bomba...
os verdadeiros restos do que deviam ser...
dezenas, centenas de milhares de homens, mulheres e crianças...
incinerados por causa do nosso conhecimento.
Um clarão de luz os queimou, os obliterou...
e transformou totalmente o mundo.
Ao me deparar com aquele monte de cinzas...
senti que estava cara a cara com as vítimas...
não consigo nem dizer. As vítimas do meu trabalho científico.
Eu chorei.
Quando era criança, eu ficava com meu irmão na cama...
olhando os relâmpagos no céu de verão, e eu sempre dizia...
"É agora. É a bomba, vamos todos morrer."
Não pode se responsabilizar por Hiroshima só por ser física.
Não inventou a bomba, e mesmo se tivesse inventado...
outra pessoa decidiu usá-la. Um político.
Oppenheimer disse ter sangue em suas mãos, e estava errado.
A resposta de Truman foi: "Quem diabos ele acha que é?
Fui eu que mandei jogar aquela droga!"
Nem mesmo Oppenheimer tinha culpa.
O papel dos cientistas é descobrir coisas.
Depende de nós, os outros, o que será feito com elas.
Desculpe, Sonia, eu estava brincando.
Talvez quem jogue lixo no chão não saiba usar bem o banheiro.
Ou talvez devamos mudar de assunto.
Na ciência, ninguém nunca é responsabilizado.
Por que não somos obrigados, como os médicos...
a não usar o que sabemos destrutivamente?
Não é tão simples assim, acho.
Oppenheimer disse ter sangue nas mãos. Arrependeu-se após o fato.
Eu me arrependo de meu laser de raio X.
Sou responsável pelos efeitos da minha descoberta.
Sabia que nunca falamos de responsabilidade na universidade...
nem nunca discutimos ética no meu tempo?
Nunca nos ensinaram valores morais.
Ninguém nos impôs a sabedoria dos índios americanos...
que tomavam todas as decisões pensando na sétima geração.
Nunca nos ensinaram a pensar no futuro assim.
Ensinaram-nos que estávamos produzindo ciência pura...
e seguíamos o nobre ideal da pura verdade.
Isso é a ciência. Não seja severa consigo mesma.
Isto era a ciência, talvez, mas a ciência pura não existe mais!
O cientista não se tranca em seu laboratório...
e escolhe o assunto que mais o fascina.
A ciência é cara, e o Pentágono, que paga a maior parte dela...
decide o que é fascinante.
70% da pesquisa científica nos EUA, atualmente...
é paga pelos militares.
Entregamos nosso conhecimento sem pensar nos valores...
sem pensar quem é o responsável.
Mas eu já participei de comissões que investigavam as pesquisas.
O cientificismo é uma crença irracional na verdade da ciência.
Tornou-se uma religião hoje em dia.
Não é uma religião boa, mas é dominante.
E as pessoas, vendo os milagres que os físicos realizam
como viagens espaciais, a fissão do átomo, a bomba...
acham que os cientistas, tão poderosos, também são sábios...
e não questionam mais o trabalho deles.
Deixam as suas responsabilidades nas mãos...
de quem acham que detém o poder do conhecimento.
Mesmo sabendo que os cientistas fazem coisas más às escuras...
elas esperam que eles tomem cuidado.
E os cientistas transferem suas responsabilidades...
para quem os está pagando!
Eu sei o que acontece quando você passa a responsabilidade...
para aqueles que pagam você...
como eu fiz com o meu laser.
Aquilo partiu o meu coração!
Se quiser saber sobre os perigos da engenharia genética...
precisa perguntar a quem entende, a um cientista.
E precisa aceitar a palavra dele...
pois muitas vezes nem saberá que perguntas fazer.
A ciência deveria acolher bem suas perguntas...
porque ela mesma deve questionar tudo.
Estas comissões dão audiências de vez em quando...
em que o público é convidado.
Talvez devesse estar lá. Poderia conseguir mudar algo.
Ainda corre. Só o Exterminador pode pará-lo. Pedimos a conta?
- Eu pago. - Não, não.
1968, Chicago, convenção dos Democratas...
os tiras preparam-se para agredir os manifestantes...
eu estou ao lado de um desconhecido e lhe digo...
Bem, vou para casa. E ele: "Não vá para casa, entre na política!"
Como um tonto, dei-lhe ouvidos. Aquele cara era Jack...
que hoje é um democrata conservador, seja o que isto for.
Eu trabalhava para um delegado. Não era manifestante, só ia entrar.
Os tiras avançaram, jogaram gás lacrimogêneo, quebrei o nariz...
... e passei um dia de cão em cana. - o que houve com aquela gente?
Jessie Jackson ficou com a maioria. O resto foi dormir.
Eu não dizia politicamente, Jack. A eleição acabou.
Estou aqui em pessoa. Aonde eles foram, o que eles fazem?
Não sei, mas o Partido Verde ficou com eles na Europa.
Pacifistas, ambientalistas, feministas, veteranos...
foram todos para o Partido Verde.
- Mas o que fazem na vida real? - Acho que isto prova que…
o pensamento ecológico está ficando mais forte.
As pessoas vêem o quadro geral...
vêem que as questões estão relacionadas.
- Ela está de volta. - E Gorbachev também.
Gorbachev? Ele estava em Chicago?
Mamãe! Pensei que estava com aqueles homens?
Estou. Eles estão lá fora.
- Olá, Romain. - Bom dia, senhora.
Vamos para a praia. Vim trocar os sapatos.
- O que há? - Nada.
Fiz algo errado?
Não, é que não agüento ouví-la falar dos problemas do mundo...
e de sua nova visão da realidade, quando o que acho, na verdade...
é que fala dos seus problemas, de como se sente desligada de tudo.
Não consegue nem se relacionar comigo!
- Você vem conosco? - Venha, Kit. Por favor!
- Importa-se se eu for? - Não.
Gostei de Jack. Seja autêntica, não o entedie.
- Kit, ele é casado! - Faria bem a você.
Nos anos 60, Nixon ganhou o voto dos jovens.
Em 1980 e 84, Reagan fez o mesmo.
A maioria nos EUA é bastante conservadora.
Acho que lidamos com um processo histórico tão profundo...
que nem os americanos resistirão muito.
Quando olho para o campo científico, vejo um padrão...
a mesma noção holística surgindo...
pensar em processos, e não em estruturas.
Está acontecendo nos EUA também.
Quando algo toma conta do meio científico...
espalha-se para todo canto, quer nós gostemos, quer não.
Nós. Que bom ouvir isso. Achei que tivesse desistido dos EUA.
O que há com ele?
Deve estar embevecido com as cores.
É poeta, tem permissão para ser melancólico.
Isto o afastou do seu lar, mas o manteve livre.
Acho que ele pode mudar de idéia sobre qualquer coisa...
sempre que desejar.
Quando encontra alguém como você, tem liberdade para acreditar.
E se você conseguir mudar a opinião dele conquistá-lo...
decerto ele sentará e porá essas idéias numa peça, ou poema...
e todos o admirarão por sua flexibilidade.
Enquanto você se sente agrilhoado por seu eleitorado.
Sim, eu sei.
Querem que seja o democrata conservador em quem votaram...
e, basicamente, é isto que sou.
Tenho o dever de representá-los. Não depende só de mim.
O povo é que deve determinar o curso...
e o governo acha os meios de dar ao povo o que ele quer.
Claro, agora está tudo uma bagunça.
Os problemas são complexos, e há muita intersecção entre eles...
e é difícil até começar a pensar neles.
Mas ainda acho que Thomas Jefferson...
foi um gênio tão importante quanto Isaac Newton.
Duvido que já tenha havido um governo melhor...
e, claro, entrar para a política não é motivo de vergonha.
Para mim, ainda é o maior desafio.
Mas as coisas estão mudando cada vez mais rápido.
Há alguns anos, o efeito estufa era só uma teoria.
Estamos perdendo terreno, mas suas idéias poder mudar isto?
Muito do que falamos já não foi discutido e provado...
em todas as legislações ambientais?
Água limpa em 1972, ar limpo em 1977...
e ainda estamos perdendo terreno.
suas idéias podem acelerar as coisas?
Se é que está pronta para esperar a maioria concordar com você...
antes de agir, que é o que tem de fazer.
Tenho certeza de que não ama secretamente as ditaduras...
mas não seria preciso um regime totalitário...
para por suas idéias em prática?
Como elas se aplicam à política? Ou não se aplicam?
Esta será só a melhor conversa que já tive...
ou você vai ajudar a me eleger presidente?
você ainda está me pedindo um programa.
Estou tentando fazê-lo aceitar uma visão...
mas você só está interessado na embalagem.
Sou um homem prático, sou do Missouri.
- não É da Costa Leste? _ É só um modo de dizer.
- Quer dizer "mostre-me como é". - A execução é trabalho seu.
Acho que enquanto continuar a ver as coisas...
nessa velha ótica patriarcal, cartesiana, newtoniana...
deixará de ver como o mundo realmente é.
Você, eu, todos nós precisamos de uma nova visão do mundo...
e de uma ciência mais abrangente para nos apoiar.
Há uma teoria surgindo agora...
que coloca todas as idéias ecológicas de que falamos...
numa estrutura científica coesa e coerente.
Nós a chamamos de teoria dos sistemas, dos sistemas vivos.
Sistema vivos?
Todos os seres vivos...
bem como os sistemas sociais e os ecossistemas.
Esta teoria ajudaria muito na compreensão...
das ciências que lidam com a vida.
Essas idéias são todas suas ou outras pessoas crêem nelas?
Elas foram aplicadas em alguma ciência?
Se eu sou doida? Tudo bem, senador. Isto é ciência, sim...
e muitos cientistas, incluindo alguns prêmios Nobel...
tem trabalhado nestas idéias.
Prygogine, Bateson, Maturna, só para mencionar alguns.
Sim, isto é ciência, mas de um tipo novo.
Em vez de se concentrar nos blocos básicos...
a teoria dos sistemas pensa nos princípios de organização.
Em vez de picotar as coisas...
ela olha para os sistemas vivos como um todo.
O que há de útil nessa teoria holística? É isto que não entendo.
Pode contemplar as coisas, olhá-las, como disse Tom...
mas, se quiser fazer algo, especificamente...
por definição, não precisa desmontar as coisas?
Como pode falar de uma árvore sem falar nas folhas ou raízes?
Eu conseguiria, sem nem mencionar essas partes.
Um cartesiano olharia para a árvore e a dissecaria...
mas aí ele jamais entenderia a natureza da árvore.
Um pensador de sistemas veria as trocas sazonais...
entre a árvore e a terra, entre a terra e o céu.
Ele veria o ciclo anual que é como uma gigantesca respiração...
que a Terra realiza com suas florestas, dando-nos o oxigênio.
O sopro da vida, ligando a Terra ao céu e nós, ao universo.
Um pensador de sistemas veria a vida da árvore...
somente em relação à vida de toda a floresta.
Ele veria a árvore como o hábitat de pássaros, o lar de insetos...
já se você tentar entender a árvore como algo isolado...
ficaria intrigado com os milhões de frutos que produz na vida...
pois só uma ou duas árvores resultarão deles.
Mas se você vir a árvore como um membro...
de um sistema vivo maior...
tal abundância de frutos fará sentido...
pois centena de animais e aves sobreviverão graças a eles.
Interdependência. A árvore também não sobrevive sozinha.
Para tirar água do solo, precisa dos fungos que crescem na raiz.
O fungo precisa da raiz e a raiz precisa do fungo.
Se um morrer, o outro morre também.
Há milhões de relações como esta no mundo...
cada uma envolvendo uma interdependência.
A teoria dos sistemas reconhece esta teoria de relações...
como a essência de todas as coisas vivas.
Só um desinformado chamaria tal noção de ingênua ou romântica...
porque a dependência comum a todos nós é um fato científico.
Uma teia de relações.
Sim, mas desta vez é a própria teia da vida.
A teoria dos sistemas realmente dá o perfil de uma resposta...
àquela questão eterna: o que é a vida?
Certo, Sonia, ouçamos. O que é a vida?
Na linguagem dos sistemas, a resposta seria...
que a essência da vida é a auto-organização.
Qual é a graça?
O que é a vida, cara? A vida é auto-organizadora.
Muito legal. Muito, muito legal mesmo.
Parece uma frase de Alice no País das Maravilhas.
Talvez alguém aqui embaixo fale a sua língua, Jaguadarte.
Como Merlin disse ao Rei Arthur.
"Não desonres teu festim rejeitando o que é oferecido."
A vida é auto-organizadora. Isso é extraordinário.
É, sim.
E significa algo específico, também.
Significa que um sistema vivo se mantém, se renova...
... e se transcende sozinho. - Como ele se mantém?
Um sistema vivo, embora dependa do ambiente...
não é determinado por ele.
Os campos de centeio amarelo nesta ilha...
deveriam ser verdes o ano todo por causa das chuvas...
mas todo verão eles ficam amarelos. Por quê?
para usar uma metáfora...
Cada planta lembra que surgiu no clima seco do sul da Ásia.
Ela lembra, e nem o clima muito diferente muda este mecanismo.
Ela se mantém e se organiza sozinha.
Entendo. E como ela se renova?
Nós, por exemplo, como todo ser vivo, nos renovamos sempre...
em ciclos contínuos.
Bem mais rápido do que imaginam.
Sabiam que o pâncreas substitui a maior parte de suas células...
a cada 24 horas? Acordamos com um pâncreas novo todo dia...
e uma nova mucosa gástrica também.
Nossa pele descama à razão de milhares de células por minutos.
Sabiam que a maior parte do pó nas casas é só pele morta?
Vou usar isso num poema.
Nossas casas estão cheia de pele morta.
Mas ao mesmo tempo um igual número se divide e forma a nova pele.
- Assim a vida se renova. - Como Heráclito disse…
"Impossível pisar no mesmo rio duas vezes."
Sonia diz que é impossível apertar a mesma mão duas vezes, certo?
Sim e não.
Embora as células sejam trocadas, reconhecemos um ao outro.
porque o padrão de nossa organização continua o mesmo.
Esta é uma das características importantes da vida...
mudança estrutural contínua...
mas estabilidade nos padrões de organização do sistema.
E a vida é só isso?
Não, há a auto-transcendência.
A Auto-Organização não consiste apenas…
nos sistemas vivos se manterem e se renovarem continuamente.
Significa também que têm uma tendência a se transcenderem…
a se estenderem e a criarem novas formas
Esta, para mim, é uma das partes mais emocionantes.
A dinâmica evolutiva básica não é a adaptação, é a criatividade.
Então os sistemas evoluem só por evoluir…
e aí vêem se precisam daquilo para sobreviver…
o que prova que não estou tão errado?
Não, não está. A criatividade é um elemento básico da evolução.
Cada organismo vivo tem potencial para a criatividade…
para surpreender e transcender a si mesmo.
-Para criar o que? Beleza? - Sim, beleza também.
evolução é muito mais do que a adaptação ao meio ambiente.
O que é o meio ambiente senão um sistema vivo…
que evolui e se adapta criativamente?
Então quem se adapta a quem? Um se adapta ao outro.
Eles co-evoluem. A evolução é um dança em progresso…
uma conversa em progresso.
Somos sistemas, e o planeta também.
Não evoluímos no planeta, evoluímos como o planeta.
Não seria extraordinário e poderoso…
se pudesse introduzir só essa idéia no diálogo político?
É, Jack. Poderia haver algo aí para a sua campanha…
bem como para mim e para Sonia.
Aposto que dirá que meu destino era vir aqui, conhecer Sonia…
e ouvir essas idéias. O que vou fazer com elas?
Venho de um país que usa 40% dos recursos do mundo…
para sustentar 6% da população mundial…
o que torna o povo de lá tão feliz e pacífico…
que somos o maior consumidor de drogas do mundo.
Metade dos adolescentes pensa em suicídio…
e uma em cada 5 garotas já tentou.
O que a teoria de sistemas acha da energia nuclear?
O que faremos com seus detritos?
A questão central do que você está dizendo…
é a busca obsessiva do crescimento! Isso precisa parar.
Eu sei, já ouvi isso mil vezes.
Crescimento obsessivo, patológico, destrutivo…
mas como fazer as pessoas tomarem partido?
O que fazer? Por onde começar?
Dando importância à próxima geração e à seguinte.
Foi só quando não as incluímos em nossas teorias científicas…
e na busca do crescimento, que colocamos toda a vida em perigo.
Pense apenas no fato horripilante…
de estarmos deixando para nossos filhos….
o mais venenoso dos detritos: o plutônio!
Ele continuará venenoso até a próxima geração, e a seguinte…
de fato, continuará venenoso por meio milhão de anos!
Nunca deveríamos ter aceitado a teoria de que saber é poder…
nem a idéia de que o que é bom para a GM é bom para os EUA!
Precisamos de uma sociedade sustentável…
em que nossas necessidades sejam satisfeitas…
sem diminuir as possibilidades da próxima geração!
Você me pergunta o que deve fazer.
Eu não sei. Você sabe o que deve fazer.
Eu sei que o que funcionou para mim foi vir para cá, ficar quieta…
e fazer uma coisa de cada vez, pensar em cada idéia até o fim.
Este foi o meu primeiro verdadeiro passo. Dizer a você foi o segundo.
Não vai se livrar fácil assim do abacaxi.
Que tal fazer algo direto a respeito? Que tal me ajudar?
-Que tal juntar-se a minha equipe? -Como assim?
Não sei. Achar um modo de por essas suas idéias na vida política.
Disse que é urgente e dá certo. Dou-lhe a chance de provar.
Claro, será um trabalho frustrante…
verá muita mentira e falcatrua e também terá de aprender a ceder.
Terá de sujar as mãos.
Bem, vou sujá-las da maneira que quero, aqui…
em minha torre de marfim, onde posso sentar e pensar.
Para a preocupação de Jack com o bem comum e sua carreira…
é incompreensível que alguém queira fugir para muito longe…
milhares e milhares de quilômetros
Para se dar ao luxo de ser uma voz gritando no deserto…
em vez de uma de muitas que querem ser ouvidas na gritaria?
Acreditem, percebo que é bom ficar aqui.
Entendo por que seria legal…
e percebo a natureza rasteira da política, mas…
Se vai recusar, não diga nada. Pense a respeito.
A que hora a maré vai subir?
Logo. Atingirá sua altura máxima anual hoje.
Podemos chegar mais perto.
Venham.
Thomas deve gostar de você.
Normalmente não tem tanto tempo para as idéias dos outros, tem?
Não para as suas, talvez.
Não, isto não foi gentil. Sim, gosto dela.
Tem muita coragem. Vem aqui, se isola, fica à espera…
determinada a refletir até ter algo a dizer a dois tontos como nós.
Muitos falam em fazer isso, mas quantos acabam fazendo?
Poderia acabar por ver que não tinha nada a dizer.
E o isolamento, por si só, é assustador, Jack. Sim, gosto dela.
Também gosto de você. Foi corajoso em ouvir.
Eu ficaria desapontado se você não ouvisse, mas…
sabe, Jack, não sei se um escritório em Washington…
é onde ela precisa estar agora. Aliás, acho o contrário.
O que há com você?
Tem razão. O que é isto, terapia de grupo?
Tudo isto fica coberto pelas águas, não?
-Sim. -Inclusive os pastos
Os carneiros devem ser especiais para agüentar tanto sal.
Como é que a grama cresce sem o esterco dos carneiros?
Não me surpreenderia se as pessoas que comem os carneiros…
ficassem mais salgadas.
O mar, a grama, as pessoas, os carneiros…
"Tu perguntas o que a lagosta tece lá embaixo…
com seus pés dourados. Respondo que o oceano sabe.
E por quem a medusa espera em sua veste transparente?
Está esperando pelo tempo, como tu.
Quem as algas apertam em seu abraço…' perguntas…
mais firme que uma hora e um mar certos?' Eu sei.
Perguntas sobre a presa branca do narval…
e eu respondo contando como o unicórnio do mar, arpoado, morre.
Perguntas sobre as plumas do rei-pescador…
que vibram nas puras primaveras dos mares do sul.
Quero te contar que o oceano sabe isto: que a vida…
em seus estojos de jóias, é infinita como a areia…
incontável; pura; e o tempo, entre as uvas cor de sangue….
tornou a pedra dura e lisa, encheu a água-viva de luz…
desfez o seu nó, soltou seus fios musicais…
de uma cornucópia feita de infinita madrepérola.
Sou só a rede vazia diante dos olhos humanos na escuridão…
e de dedos habituados à longitude do tímido globo de uma laranja.
Caminho, como tu, investigando a estrela sem fim…
e em minha rede, durante a noite, acordo nu.
A única coisa capturada…
é um peixe…
"preso dentro do vento."""
Pablo Neruda.
Isso lhe lembra algo? "Investigando a estrela sem fim"?
Não é o que faz, Sonia? "E em minha rede acordo nu."
Também não joga a sua rede nesses lugares distantes…
da física quântica e da teoria de sistemas…
e não acha que só acaba capturando de novo a si mesma?
Como um peixe preso dentro do vento.
E as outras pessoas em seu sistema, Sonia?
As que você ama.
E esses turistas aos quais nos achamos tão superiores…
também não são como peixes presos dentro do vento?
Talvez seja pior para eles, pois não tem como descrever isto.
Diga-me, onde é o nosso lugar lá dentro…
o da pessoas reais, com suas qualidades, desejos, fraquezas?
Qual é o seu lugar lá dentro? E o de Kit?
Os cientistas podem nos dizer…
quais as metáforas para a vida, sejam micro chips ou relógios…
os políticos podem nos dizer de que forma devemos viver…
mas me sinto tão reduzido sendo chamado de sistema…
quanto sendo chamado de relógio.
A vida não é condensável assim.
Um grupo de pessoas usa certas palavras para mudar o mundo…
aí outros chegam com outras palavras para mudá-lo…
mas não me importa. Para mim, dá no mesmo.
Não me importa mesmo. É como as estações mudando.
E eu gosto de você, gosto da sua coragem temerária.
Gosto de ver que quer melhorar o mundo. Deus, não seria nada mal.
E gosto de meu tolo amigo Jack, que quer ser presidente dos EUA.
Quanto a mim, não se importem comigo, sou um bobo.
Mas lembre-se..
a vida sente a si mesma.
Diferentemente de suas palavras, talvez…
e até com as melhores intenções, você errará se esquecer…
que a vida, a vida é infinitamente mais…
que as suas ou as minhas obtusas teorias a respeito dela.
Sentir o universo é um trabalho interior…
e você me ajudou.
E eu amo você.
E você também. Amo vocês dois.
Água.
Que dia, que dia!
Bem, se vamos embora, precisamos ir agora.
-Por que não ficam? -Não sei. Por que você não vem?
Bem, obrigado.
-Obrigado. -Não me agradeçam, adorei o dia.
Odeio despedidas.
Talvez não seja uma despedida. Pense no que falei.
Depois, conte-nos como a água subiu.
-E isto importa? -Claro que importa.
É melhor voltar ao princípio. Renovar-se, certo, Sonia?
-Quando for a Paris, avise-me. -Ou Washington..
ou Nova York.
E as outras pessoas em seu sistema, Sonia?
As que você ama…
as pessoas de verdade, com suas qualidades, desejos, fraquezas?
Tudo bem, mamãe?
Qual é o seu lugar lá dentro? E o de Kit?
Em que está pensando?
Vamos para casa?
Acho que meu longo fim de semana na França está acabando.
Talvez eu esteja cansado de ser um estrangeiro…
afastado do ambiente que carrego dentro de mim.
Nosso sistema emocional, ela diria, precisa ser nutrido.
Não faz diferença. Você está preso às pessoas que conhece.
Ele está certo, claro, sobre quase tudo.
Até o que eu não entendi parecia estar certo.
Então... devo aceitar isso?
Este é um daqueles momentos de mudança?
Você é a mulher... eu, o homem, este é o mundo…
e cada um é obra de tudo.
Os passos silenciosos na areia, o desconhecido que se esgueira…
os dançarinos e anjos girando pela aldeia…
e os lindos braços em volta de nós e do que conhecemos…
Esqueci o resto desta droga de poema!
Legendas: Flavio C.E. e Letícia