Tip:
Highlight text to annotate it
X
"Beatrice!!!"
Bem-vindo ao segundo episódio da nossa série
que explora o papel e a representação das mulheres em videojogos.
Este projeto examina os tropos, enredos e padrões mais comuns associados a mulheres nos jogos
a partir de uma perspectiva sistemática e extensiva.
Ao longo desta série, eu farei uma análise crítica de vários jogos e personagens populares,
mas, por favor, lembre-se de que podemos, ou mesmo devemos,
sempre apreciar um produto da mídia e,
ao mesmo tempo, sermos críticos sobre seus aspectos mais problemáticos ou nocivos.
Eu gostaria apenas de advertir aos espectadores que, à medida que nos aprofundamos em jogos mais modernos,
vamos discutir exemplos que utilizam algumas representações de violência contra mulheres particularmente chocantes e explícitas.
Eu farei o possível para mostrar somente o que for necessário, mas este episódio inclui um aviso inicial.
É recomendado também que os pais assistam o vídeo antes de compartilhar com crianças.
No episódio anterior, nós exploramos a história da Donzela em Perigo
e como este tropo se tornou tão pervasivo na era clássica dos jogos dos anos 80 e início dos anos 90.
Nós exploramos também algumas das principais rasões pelas quais personagens de donzelas são tão problemáticas como representações de mulheres.
Então, se você não viu o vídeo anterior ainda, por favor assista-o antes de continuar vendo este.
O tropo Donzela em Perigo é um recurso de enredo em que uma personagem feminina
é colocada em uma situação de perigo da qual ela não consegue escapar sozinha
e então deve ser resgatada por um personagem masculino, proporcionando um incentivo ou motivação para as tarefas do protagonista.
Agora pode ser tentador pensar que a Donzela em Perigo foi apenas um produto do seu tempo
e que, hoje em dia, o tropo é certamente coisa do passado.
Bem, enquanto nós temos visto um aumento moderado no número de personagens femininas jogáveis
o recurso de enredo não desapareceu.
Na verdade, a donzela em perigo tem ressurgido aos poucos nos últimos anos.
[Gritos]
[Gritos]
"Rygar!"
"Silêncio!"
"Nãããoooo!"
[Gritos abafados]
[Gritos]
"Você tem que me tirar daqui"
[Gritos]
[Risos]
"Venha buscá-la"
"Alex!"
[Gritos]
"Ele está... ele está me machucando"
[Gritos] "Alice?!"
"Ajude, Por favor!"
"Bala na cabeça dela!"
"Mas que passarinho precioso que você é"
E isto é apenas a ponta do iceberg.
Basta dizer, o tropo está vivo e bem, até hoje.
"Deixe-a ir!"
E uma vez que a maioria destes títulos ainda foca na transmissão de fantasias de poder masculino cruas e não-sofisticadas
desenvolvedores são em grande parte relutantes em desistir da donzela em perigo
como uma motivação fácil e padrão para suas ninhadas de heróis, ou anti-heróis.
Lembre-se de que, como um tropo, a donzela em perigo é um recurso de enredo
usado por escritores e não é necessariamente sempre um tipo de personagem unidimensional
definido completamente por vitimização.
De vez em quando, personagens de donzelas podem ser bem-escritos, divertidos, dinâmicos ou amáveis.
"Eu estou só tentando incendiá-lo através deste chapéu estúpido!" "Que pequeno cérebro deliciosamente cruel que você tem."
Porém, este extra desenvolvimento de personagem tende a fazer seu eventual enfraquecimento ainda mais frustrante.
Donzelas no extremo mais audacioso do espectro podem lutar contra seus captores,
"Fique longe de mim!"
ou mesmo tentar escapar sozinhas.
Mas inevitavelmente seus esforços sempre se revelam inúteis.
Às vezes elas podem ser autorizadas a oferecer uma ajuda de última hora ao herói.
ou chutar o bandido enquanto ele está abatido
mas estes momentos são, em grande maioria, simbólicos e normalmente só acontecem
depois que a aventura principal acabou ou o perigo passou.
Estes gestos simbólicos de pseudo-autonomia realmente não oferecem qualquer mudança significativa para o núcleo do tropo
e parece que os desenvolvedores simplesmente incluem esses momentos no último minuto
para tentar uma desculpa pela dependência contínua na donzela em perigo.
Periodicamente, os desenvolvedores de jogos podem tentar construir relações mais profundas
ou laços emocionais entre a donzela e o protagonista masculino.
Nos exemplos mais paternalistas, representações da vulnerabilidade feminina
são usadas como uma forma fácil para escritores estimularem reações emocionais em jogadores homens.
Como discutimos no primeiro episódio, quando os personagens femininos são transformados em donzelas
sua agência ostensiva é removida e eles são reduzidos à vitimização.
Então, narrativas que definem intimidade, amor ou romance como algo que cresce a partir de,
ou se desenvolve baseado na perda de poder e na vitimização das mulheres são extremamente preocupantes
porque elas tendem a reenforçar a idéia regressiva comum
de que as mulheres em posições vulneráveis, passivas ou subordinadas são desejáveis por causa da sua impotência.
Infelizmente, estes tipos de histórias também ajudam a perpetuar a crença paternalista
de que os desequilíbrios de poder dentro dos relacionamentos românticos são atraentes, esperados ou normais.
OK, então sabemos que a donzela em perigo está viva e bem nos jogos
mas esse não é tudo.
Há um lado ainda mais insidioso para esta história.
Ao longo da última década, as empresas de jogos têm desesperadamente procurado maneiras para se destacar
em um mercado cada vez mais saturado de produtos bastante similares.
Como conseqüência, temos visto um aumento dramático no número de jogos que tentam ganhar vantagem
sendo o mais obscuro e tenso possível.
Assim, nós temos visto desenvolvedores tentando 'apimentar' o clichê da donzela em perigo
combinando-o com outros tropos que incluem mulheres vitimizadas.
Eu identifiquei alguns dos cocktails de tropo mais comuns
que combinam várias representações regressivas ou negativas de mulheres,
incluindo as mulheres descartáveis, o golpe de misericórdia e a mulher na geladeira.
O termo "mulheres na geladeira" foi cunhado no final dos anos 90
pelo escritor de quadrinhos Gail Simone
para descrever a tendência de personagens femininas de histórias em quadrinhos que são rotineiramente brutalizadas ou mortas como um recurso de enredo
planejado para dar continuidade à história do personagem masculino.
O nome do tropo vem da edição número 54 do Lanterna Verde, em que o super-herói volta para casa
e encontra sua namorada assassinada e colocada dentro da geladeira.
Essa troca de vidas de personagens femininas por algo que pareça o desenvolvimento de personagem masculinos
é, claro, parte de uma longa tradição da mídia.
mas a morte horripilante de mulheres para causar choque é especialmente prevalente em jogos modernos.
O tropo da mulher na geladeira é usado como o fundamento de alguns dos videogames atuais mais famosos
Ele oferece o principal gancho motivacional por trás, por exemplo, das séries Max Payne e God of War
"Minha mulher... minha filha..."
Nos dois casos, a esposa e a filha do personagem principal são brutalmente assassinadas
e as mortes delas são então usadas por desenvolvedores como um pretexto para a inevitável busca de uma vingança sangrenta.
É interessante notar que o cenário inverso,
jogos que se desenvolvem a partir de uma mulher que jura vingança por seu marido ou namorado assassinado
são praticamente inexistentes.
A inversão de papéis de gênero é tão incomum que beira o absurdo.
Esta é uma das razões pelas quais esta cena de destruição em "Detona Ralph", da Disney, é tão cômica.
Eu poderia fazer um vídeo bem longo falando apenas deste tropo em jogos,
mas hoje eu quero focar em como o tropo "mulheres em geladeira" está ligado ao "donzela em perigo"
e, especificamente, nas maneiras encontradas por desenvolvedores de jogos para combinar estes dois recursos de enredo.
Uma variação comum é simplesmente usar os dois tropos na mesma trama
de modo a ter a esposa do personagem principal masculino guardada na geladeira, enquanto sua filha está em perigo
Em Outlaws, sua esposa é brutalmente assassinada e você, então, tem que resgatar sua filha.
"Quem fez isso?" "Eles levaram Sarah"
Em Kane & Lynch, sua esposa é brutalmente assassinada e você, então, tem que resgatar sua filha.
"Eu vou encontrar eles todos antes que eles encontrem Jenny"
Em Prototype, sua esposa é brutalmente assassinada e você, então, tem que resgatar sua filha.
Em Inversion, sua esposa é brutalmente assassinada e você, então, tem que resgatar sua filha.
"Leila, onde ela está?"
Em Asura's Wrath, sua esposa é brutalmente assassinada e você, então, tem que resgatar sua filha.
"Salve-a."
Em Dishonored, a Imperatriz é brutalmente assassinada e você, então, tem que salvar a filha dela,
embora fique fortemente implícito que a filha é sua também.
"Encontre Emily. Proteja-a!"
Não é por acaso que o recurso da geladeira e o recurso da donzela funcionem de maneira muito similar.
Ambos incluem personagens femininas que foram reduzidas a estados de completa impotência
através da narrativa, uma por meio de sequestro, a outra por meio de assassinato.
A utilização dos dois recursos em conjunto permite então que desenvolvedores aproveitem tanto a motivação de vingança
quanto a boa e velha motivação "salve a garota".
Acredite ou não, existe uma outra versão, ainda mais insidiosa, desta específica combinação de tropo,
que eu chamo de 'a donzela na geladeira'.
Agora, você deve estar se perguntando: "Como pode uma mulher na geladeira ainda estar em perigo?"
uma vez que, por definição, estar na geladeira geralmente requer algo como ... estar morta.
Bem, é assim que isso funciona:
O 'donzela na geladeira' acontece quando a amada do herói é brutalmente assassinada
e sua alma é então aprisionada ou raptada pelo vilão.
Esta 'oh! tão obscura e tensa troca' oferece aos jogadores uma dose dupla de impotência feminina
e permite aos desenvolvedores aproveitar outra vez tanto a motivação de vingança quanto a motivação de salvamento da donzela.
Mas, desta vez, com a mesma mulher, e ao mesmo tempo.
Esta combinação de tropo vem desde jogos antigos
como Splatterhouse 2 e Ghouls and Ghosts
mas a donzela na geladeira se tornou uma tendência mais popular nos últimos anos.
Em Medievil 2, a alma de sua namorada assassinada é roubada, e você deve lutar para salvá-la.
[Gritos]
Em The Darkness 2, a alma de sua namorada assassinada é presa no inferno, e você deve lutar para libertá-la.
"A alma dela agora é minha!"
Em Shadows of the Damned, a alma de sua namorada assassinada é presa no inferno, e você deve lutar para libertá-la.
"Sim, ajude-a!" [Gritos]
Em Dante's Inferno, a alma de sua esposa assassinada é presa no inferno, e você deve lutar para libertá-la.
Em Castlevania: Lords of Shadow, a alma da sua esposa é presa na Terra, e você deve lutar para libertá-la.
A donzela na geladeira é parte de uma tendência maior de assassinar mulheres
de forma cada vez mais macabras, em uma aparente tentativa de lançar o que são vagamente chamados de "temas maduros".
Os desenvolvedores devem ter a esperança de que a exploração de imagens sensacionalistas de mulheres brutalizadas
será suficiente para levar os jogadores à pensarem que os jogos estão se tornando mais sofisticados emocionalmente.
Mas a verdade é que não há nada de maduro na maioria dessas histórias
e muitas delas ultrapassam a linha da misoginia gritante.
Uma vez que estamos realmente falando aqui de representações de violência contra as mulheres
uma rápida definição do que eu quero dizer com esse termo pode ser útil.
Quando eu digo "violência contra as mulheres", estou me referindo principalmente às imagens de mulheres sendo vitimizadas
ou quando a violência está ligada especificamente ao gênero ou sexualidade do personagem.
Personagens femininas que estão em situações violentas ou combate, mas relativamente em pé de igualdade com seus adversários
são normalmente isentas desta categoria, porque elas geralmente não estão enquadradas como vítimas
como eu mencionei no último vídeo, o tropo Donzela em Perigo nem sempre tem de ser acompanhado por um resgate heróico.
"Lá estava eu de novo, com todo o inferno se desfazendo ao meu redor, ao lado de a outra garota morta que eu estava tentando proteger"
Às vezes, o herói não consegue salvar a mulher em questão,
ou porque ele chega tarde demais ou porque, virada surpreendente, ela está morta o tempo todo.
"Nicole está morta todo esse tempo"
"Não! Kaileena!"
"Todo os meus poderes... E eu não pude fazer nada"
"Mate-me"
Ou, no caso da versão de 2009 de Bionic Commando,
não só a sua esposa está morta o tempo todo, mas acontece que ela é na verdade uma parte de seu braço biônico.
"Eu nunca quis que você estivesse envolvida nisto" "Está tudo bem, eu estarei sempre ao seu lado"
Sim, você ouviu direito. A esposa dele é o braço dele!
Porém, a variante mais extrema e brutal desta tendência
acontece quando os desenvolvedores combinam a donzela em perigo com o golpe de misericórdia.
Isso geralmente acontece quando o jogador deve matar a mulher em perigo
"para o próprio bem dela".
Eu gosto de chamar esta pequena jóia a "Donzela Sacrificada".
Normalmente, a moça foi de alguma forma mutilada ou deformados pelo vilão
e a única opção que resta ao herói é dar um fim ao sofrimento dela ele mesmo.
Esta tendência tem origem na versão dos anos 80 do jogo Splatterhouse
em que a sua namorada sequestrada é possuída, e o jogador é forçado a lutar contra ela e matá-la.
Depois de salvar sua amada, que foi mordida, em Castlevania: Lament of Innocence,
o herói deve matá-la para ganhar o poder de derrotar o lorde vampiro.
"Obrigado, Leon"
Em Breath of Fire 4, Elina foi transformada em um monstro horrível e, por isso, implora para que você a mate.
Em Gears of War 2, Dom é motivado a resgatar sua esposa Maria.
Quando ele a encontra, ela foi privada de comida e possivelmente torturada até chegar a um estado catatônico
e então ele atira nela.
Em Tenchu: Shadow Assassins
"Faça. Você deve"
A princesa pede docilmente ao herói que ele a corte e atinja o vilão,
e ele o faz.
Um exemplo particularmente claro pode ser encontrado em Grand Theft Auto III
quando, depois de você resgatar Maria Latore, fica implícito que o protagonista de repente atira nela
porque ela está falando de coisas estereotípicas "femininas".
"Eu quebrei uma unha, e meu cabelo está arruinado! Dá pra acreditar? Este me custou $50!" [Tiro]
Os escritores deliberadamente escreveram a personagem para irritar o jogador, para que no final
a violência contra ela se torne o clímax de uma piada misógina barata.
Às vezes, essas assassinatos acontecem através cutscenes
em outras vezes, o jogador participa diretamente puxando o gatilho ele mesmo.
No remake de Castevania: Dracula X Chronicles, se você não resgatar a amada de Richter Belmont, Annette
ela irá se transformar em um vampiro, e então você vai ter que matá-la.
"Oh meu Deus, Annette, eu sinto muito que eu não pude te salvar. Mas você sabe o que eu faço com vampiros: que eu devo fazer."
"Não! Eu vou fazer você ser meu para sempre!"
As mulheres capturadas em Duke NukemD te imploram para que você as mate durante todo o jogo.
Esta cena misógina é repetida e mesmo piorada no jogo seguinte,
Duke Nukem Forever, desenvolvido pela Gearbox.
Outro popular jogo da Gearbox, Borderlands, também usa essa reviravolta na história quando Angel pede que o jogador a mate
como uma forma de tentar frustrar os planos malignos do vilão.
"Destruir os injetores de irídio que me mantém... viva... irá parar a chave de recarga e vai por fim a uma vida de servidão"
O final de Alone in the Dark dá ao jogador a escolha entre matar sua namorada você mesmo
"Escolha rápido, mensageiro. Mate-a ou deixe-a viver. Só você pode decidir!"
ou deixar Satan matá-la, renascendo no corpo dela.
O jogo do Wii, Pandora's Tower, inclui um final em que Elena implora para que você a mate
antes ela complete sua transformação em um monstro.
"Por favor. Eu te imploro."
"Ajude-me"
"Estou com tanto medo"
No jogo de tiro de 2006 Prey, quando o herói finalmente chega a sua namorada raptada
ela foi horrivelmente mutilada e incorporada a um monstro
com o qual você deve lutar enquanto ela grita por socorro repetidamente.
"Fique longe de mim, Tommy! Ela quer me matar você, eu não consigo impedi-la!" [Gritos]
Depois de ser debilitada, ela implora para que você a mate.
"Por favor, Tommy, deixe-me ir"
E o jogador não pode avançar na narrativa enquanto você não atirar no rosto dela.
Essas donzelas são escritas de modo a elas mesmas se subordinarem aos homens.
Elas aceitam passivamente seus terríveis destinos e irão muitas vezes implorar para que o jogador seja violento com elas,
dando aos homens o controle direto e total sobre se elas vivem ou morrem.
E mesmo dizendo "Obrigado" com o seu último suspiro.
Em outras palavras, estas mulheres estão "pedindo por isso", literalmente.
A Donzela Sacrificada é a mais obscura e tensa das combinações de tropo
mas este é também uma extensão de um padrão maior em narrativas de jogos
em que protagonistas masculinos são forçados a lutar contra seus próprios entes queridos, que foram possuídos ou manipulados por vilões.
Quando Kratos encontra sua mãe no jogo de PSP God of War: Ghosts of Sparta,
ela se transforma em uma fera horrenda, forçando-o a lutar contra ela e a matá-la.
E depois, ela te agradece com o último suspiro.
"Finalmente, eu estou livre"
Após sua namorada ser transformada em um ogro verde em Grabbed by the Ghoulies,
ela persegue você, tentando conseguir um beijo.
Mais tarde, você deve bater nela até que ela fique inconsciente, antes que ela possa voltar ao normal.
O chefe final de Shadows of the Damned, acaba por ser a sua própria namorada.
"Onde está a minha liberdade?"
E quem você deve matar.
Situações semelhantes são replicados em dezenas de outros títulos.
"Tire o dispositivo do peito dela!"
Embora todas as narrativas sejam ligeiramente diferentes, o elemento central permanece o mesmo.
Em cada caso, a violência é usada para trazer essas mulheres de volta aos seus estados normais.
Essas histórias evocar situações sobrenaturais em que a violência doméstica
praticada por homens contra mulheres que perderam o auto-controle,
não só parece justificável, mas também é apresentada como um ato altruísta, praticado para o próprio bem de mulher.
É claro que, se você olhar para qualquer destes jogos em isolamento, você vai poder encontrar circunstâncias incidentais de narrativa
que podem ser usadas para explicar a inclusão de violência contra mulheres como um artifício de enredo.
Mas só porque um evento em particular pode fazer sentido dentro da lógica de uma narrativa ficcional
isso não justifica, por si só, a sua utilização.
Jogos não existem em isolamento e, portanto, não podem ser dissociados do contexto cultural do mundo real.
Isto se torna ainda mais preocupante quando consideramos a real e grave epidemia de violência contra mulheres enfrentada pela população feminina mundial
A cada nove segundos, uma mulher é agredida ou espancada nos Estados Unidos,
e, em média, mais de três mulheres são assassinadas por seus namorados, maridos ou ex-companheiros, todos os dias.
Pesquisas mostram de forma consistente que pessoas de todos os sexos tendem a acreditar no mito
de que as mulheres são culpadas pela violência cometida por homens contra elas.
Da mesma forma, homens abusivos afirmam que suas vítimas femininas
mereciam, queriam ou pediam por isso.
Dada a realidade do nosso contexto cultural, isto deveria ser óbvio que é perigosamente irresponsável
a criação de jogos em que jogadores são incentivados e até mesmo obrigados a executar violência contra mulheres, a fim de salvá-las.
Mesmo que a maioria dos jogos de que estamos falando não tolera explicitamente violência contra as mulheres
mesmo assim, eles banalizam e exploram o sofrimento feminino como uma forma de aumentar os riscos emocionais ou sexuais do jogador.
Apesar dessas implicações preocupantes, os criadores de jogos não necessariamente estão todos sentados,
coçando seus bigodes, enquanto tentam descobrir a melhor forma de deturpar as mulheres
como parte de uma grande conspiração.
Muito provavelmente só não deram muita atenção às mensagens subliminares que seus jogos estão enviando
e, em muitos casos, os desenvolvedores se colocam em situações complicadas com suas próprias mecânicas de jogo.
Quando violência é a mecânica de jogo principal,
e, portanto, a principal forma de envolvimento do jogador com o mundo do jogo
ela limita severamente as opções para resolver problemas.
O jogador é então forçado a usar violência para lidar com quase todas as situações,
porque esta é a única mecânica relevante disponível.
Mesmo que isto signifique espancar ou matar as mulheres que eles deveriam amar e cuidar.
Uma das coisas realmente insidiosas sobre sexismo sistêmico e institucional,
é que, na maioria das vezes, as atitudes regressivas e os nocios estereótipos de gênero são mantidos e perpetuados involuntariamente.
Da mesma forma, apenas jogar esses jogos não transforma jogadores em sexistas furiosos.
Nós normalmente não temos uma relação direta de causa e efeito com a mídia que consumimos.
Influência cultural funciona de maneira muito mais sutil e complicada.
No entanto, narrativas da mídia têm um poderoso efeito de formação, ajudando a moldar atitudes e opiniões culturais.
Então, quando desenvolvedores exploram repetidamente imagens sensacionalistas de mulheres brutalizadas, mutiladas e vitimizadas,
eles tendem a reforçar o paradigma de gênero dominante, que define homens como agressivos e autoritários
e mulheres como subordinadas e dependentes.
Embora essas histórias usem traumas femininos como os catalisadores que colocam os elementos da trama em ação
estas não são histórias sobre mulheres.
Nem são histórias que se preocupam com as lutas de mulheres que vivenciam ramificações mentais, emocionais e físicas de violência.
Ao contrário, estas são histórias estritamente machistas em que, mais comum do que se pensa,
as trágicas donzelas são apenas conchas vazias, e cujas mortes são descritas como muito mais importantes do que suas vidas.
Geralmente elas são definidas completamente por sua pureza, inocência, bondade, beleza ou sensualidade.
Em resumo, elas são apenas símbolos destinados a invocar a essência de um ideal feminino artificial.
"Ajude-me!"
Na verdade, esses jogos normalmente definem a perda da mulher como algo que foi injustamente tirado do herói.
"Então agora eu tomo de você" "Jackie, isto não é sua culpa" [Tiro]
Isso implica que ela pertencia a ele, que ela era sua posse.
Uma vez prejudicado, o herói deve buscar de volta seus 'bens', ou pelo menos exigir um preço alto por sua perda.
De um modo geral, mulheres vitimizadas são definidas como a razão pelo tormento do herói
mas se olharmos um pouco mais fundo no sub-texto, eu diria que a verdadeira origem da dor
está no sentimentos de fraqueza e/ou culpa por seu fracasso em cumprir o dever patriarcal
socialmente prescrito a ele de proteger suas mulheres e crianças.
"E eu me odiei por permitir que isso acontecesse com ela, e nossa menina"
Desta forma, essas histórias de herói que falharam são na verdade sobre a percepção da perda da masculinidade
e, então, a missão de recuperar esta masculinidade, principalmente, exercendo domínio e controle
através da violência contra os outros.
Consequentemente, narrativas violentas baseadas em vingança, infinitamente repetidas, pode ser prejudicial também para os homens
porque elas ajudam a limitar ainda mais as possíveis respostas que os homens possam ter
quando confrontados com a morte ou a tragédia.
Isso é lamentável, porque mídias interativas tem potencial para sere meios brilhantes para as pessoas de todos os gêneros
pudessem explorar assuntos difíceis ou dolorosos.
Então, para ser clara, o problema não é o fato de personagens femininas morrerem ou sofrerem.
A morte eventualmente toca todas as nossas vidas e, como tal, ela é muitas vezes parte integral de narrativas dramáticas.
Dizer que as mulheres nunca poderiam morrer em histórias seria um absurdo,
mas é importante considerar as formas nas quais as mortes de mulheres são definidas
e examinar como, e por que, elas são escritas.
Há alguns jogos que tentam explorar a perda, morte e luto de forma mais genuína e autêntica
sem sensacionalizar ou aproveitar de mulheres vitimizadas.
Dear Esther, Passage and To The Moon, são alguns jogos independentes que investigam esses temas
de forma criativa, inovadora e, às vezes, bonita.
Estes jogos de estilo mais contemplativo são um sinal de esperança, mas eles ainda são uma exceção à regra.
Uma parte considerável da indústria ainda está, infelizmente, presa ao estabelecido padrão
de construção de narrativas de jogos baseados em corpos femininos brutalizados.
A violência contra mulheres é uma séria epidemia global e, portanto, tentar resolver a questão em contextos ficcionais
exige um grau considerável de respeito, sutileza e nuance.
As mulheres não devem ser meros objetos descartáveis, ou peões simbólicos em histórias sobre os homens
e suas próprias lutas contra expectativas patriarcais e inadequações.
Os cocktails de tropo 'sombrios e tensos" que discutimos neste episódio
não são incidentes isolados, ou anomalias obscuras,
em vez disso, eles representam um padrão contínuo e recorrente nas narrativas de jogos modernos.
Na maioria dos casos, os personagens de donzela simplesmente passaram de incapazes a mortas.
O que não é, obviamente, uma grande melhoria a partir do ponto de vista delas.
Eu sei que este episódio foi um pouco triste, mas, por favor junte-se a mim na próxima, para a terceira e última parte,
sobre a donzela em perigo, onde vamos olhar alguns títulos que buscam focar o roteiro na donzela
e depois vamos embarcamos na missão de encontrar exemplos da inversão de papéis ilusória: 'Cara in Perigo'.