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Sempre acreditei que a melhor maneira possível
de nos organizarmos em termos de longevidade e profundidade
com certeza não era através da religião nem da política
-- as religiões mudam a cada semana e a política muda a cada tarde --,
mas sim procurarmos por algo que tenha
mais sentido universal e uma vida muito mais longa.
Podemos admirar as civilizações egípcias,
mas as admiramos essencialmente por aquilo que descrevemos como sua arte,
com certeza não por sua religião (elas veneravam o Sol),
nem não por sua política (eram monarquias absolutistas inaceitáveis),
e já deixamos para trás essas situações ridículas.
E ainda admiramos as civilizações antigas
pelos artefatos e ideias que associamos.
Não que os entendamos da mesma forma que seus participantes entendem,
mas ainda acreditamos que eles sejam evidências valiosas da civilização.
Tenho certeza de que as buscas culturais,
as buscas pelo que descrevo largamente como "arte",
estão, seguramente, entre as coisas mais valiosas que todas as civilizações têm.
Gostaria muito de fazer parte dessa atividade,
já que acredito que ela está no âmago do nosso ser espiritual,
intelectual e mesmo físico.
Acontece que estou trabalhando no século XXI
com uma atividade efêmera chamada "cinema",
baseada em limites extremos de tecnologias sofisticadas.
E tenho plena ciência de que as ferramentas que utilizo
serão logo eliminadas e substituídas por outra tecnologia.
Assim como um egípcio comum organizava sua vida, em 300 a.C.,
de acordo com o seu ambiente,
não creio que as diferenças sejam tão desiguais às nossas experiências hoje,
quando a mídia, a tecnologia, a apreciação
são curiosamente diferentes.
Comecei minha carreira, há muito tempo, como um pintor.
E acredito que a pintura é provavelmente a maior organizadora filosófica
e geradora de cultura que o mundo ocidental já conheceu.
Outras pessoas argumentariam que a pintura se tornou uma proposta elitista,
ligada apenas aos altamente treinados e perceptivos.
Mas Giacometti uma vez disse: "Ainda que sua avó não saiba nada sobre Picasso,
tenha certeza de que Picasso sabe tudo sobre sua avó".