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Moro no lugar mais bonito do mundo...
no Morro do Cantagalo.
Uma favela no bairro mais rico do Rio de Janeiro.
Gari, babá, ambulante, flanelinha, garçom...
motorista, boy. É muita gente.
Faço parte dessa multidão invisível...
que trabalha todos os dias nas ruas de Ipanema.
-Aí, tia. -0brigada, Dé. 0 troco é seu, tá?
Valeu.
Quase ninguém nota a nossa presença.
Minha mãe sempre disse que rico é rico e pobre é pobre.
Cada um vive pro seu lado.
Mas toda vez que eu via ela...
eu esquecia disso.
Dé! Dé!
Dé! Dé, acorda.
Tá na hora, Dé. Vamos embora.
0 leite tá na mesa, tá? Tô indo.
É a minha chance, moleque.
A porta!
Tá pesado, hein, moleque?
E aí, Carlão, ralando em dia de domingo, cara?
Caralho, aí, essa porra desse poste...
tá com tanto gato que daqui a pouco vai pegar é fogo, mané!
-Beto! -0i.
-Beto! -Fala.
Se entrar pro time do Flamengo, você compra uma bicicleta pra mim?
Ei, que bicicleta, eu vou comprar um carro de rico logo.
-Ô moleque. -Gol!
Ó, o cara tai, ó.
-Essa é a minha chance, moleque. -Boa sorte!
Beto.
Vai, Beto!
Vai, Beto!
Por cima!
Beto!
-Porra, caralho! -Vai, Beto!
Cala boca, suas piranhas!
Vocês estão falando pra caralho aí, tá me sufocando.
-Sem neurose, porra! -É, porra.
-Esse moleque aí tá cheio de marra. -Vamos embora parar ele.
Ô rapá, pára essa porra! Pára essa porra!
Pára essa porra aí, ô moleque!
Qual é, da boca, segura essa responsa aqui para mim.
Me dá essa chuteira aí. Quero ver se cabe no meu pé. Tira o colete também.
Chuta essa bola aí, ô playboy.
Vamos embora, neguinho! Chuta essa porra dessa bola logo, caralho.
Qual foi, neguinho? Tu vai ficar me olhando?
Chuta essa porra, caralho!
Vai, Beto!
Caralho, qual foi?
Porra, neguinho, levanta, não foi nada, não.
Toda hora tu parando o jogo, caralho.
Embora, goleiro, sai a bola! Não foi nada, não, levanta!
Porra, negão, tá dando mole.
Não vai jogar na minha equipe mais, não, caralho.
-Bora! -Em cima.
Marca, marca, marca.
Vai, Beto!
Vai, Beto. Vai, vai, vai.
Segura ele! Me dá essa porra aqui!
Segura ele! Segura ele! Me dá essa porra aqui, filho-da-puta!
-Que é isso? -Que é isso é o caralho!
Tu tá pensando que pode tirar onda comigo, neguinho?
Tu é craque pras tuas putinhas, filha-da-puta!
Pra mim, tu não é porra nenhuma, não!
Carlão! Carlão!
-Vão matar o Beto! -0 quê?
Tu vai morrer, desgraçado!
Qual é, neguinho! Vamos parar com esse bagulho de violência no morro!
Qual foi o quê, negão? Quer arrumar barriga comigo nessa porra, rapá?
Quem tem filho com cabelo no cu é macaco. A briga vai continuar...
e, se tu te meter, tu vai comer chumbo também, negão!
Tu não é homem mesmo, né, rapá? Tu não manda porra nenhuma nesse morro.
-Tem medo de morrer, não, negão? -Vai matar? Então mata!
Mas, se tu é homem mesmo, cumpádi, larga esse ferro e faz na mão!
Qual foi, negão! Tá de colete nessa porra?
-Sai pra lá, ô Valdinei! -Tu é blindado, macaco?
Segura a onda, mané!
Tu tá fodido! Tu deu sorte que tem o maior bundão nessa porra, rapá!
Aí, negão, tu vai morrer, rapá! Tu tá fodido!
Nós não teve culpa, não, mãe.
Ai, mãe.
0lha aqui, a gente vai voltar pra rua!
Que eu prefiro passar fome a ver vocês envolvidos com essa gente!
Fica assim, não, Beto. Você tá quase bom.
Já, já você vai poder voltar a jogar bola.
Eu vi, o olheiro do Flamengo gostou de você.
A mãe é que tá certa, Dé. Tenho que arrumar um trabalho direito.
Beto!
Fica em pé, Beto!
Beto! Beto! Levanta, Beto!
Levanta, Beto!
Eu vou matar aquele filho-da-puta, mãe.
Arruma as tuas coisas agora.
Eu já perdi um, dois eu não vou agüentar.
Some daqui, Carlão!
Agora!
Ranguinho chegou na hora certa, hein?
Aqui, ó, achei na praia e guardei pra você.
-Um castelo! -É, com princesa e tudo, ó.
"Era uma vez um reino..."
Carlão, reino é o pai da princesa?
Qual é, vamos embora dar um mergulho?
Não posso. Tá quase na hora do colégio, e eu tô de uniforme.
-Hum... Tá de cueca? -Tô.
Tira essa mochila aí, vamos embora.
Ó, o último a chegar lá é mulher do padre, hein?
-0 padre não tem mulher. -Ah, é, mané?
Fui, hein? Vamos lá, mané!
Vamos embora, mané!
-Ah, mané! -Vou chegar primeiro!
Ih, a bunda branca, aí!
Maior bundão aí, bunda branca, eu vi!
Ô moleque!
Qual é, bunda branca!
Ó, o bundão do Dé! Ó o bundão!
Só um pouquinho pra frente. Tá boa.
Ó, o cachorro! Quem vai querer o cachorro?
0brigado, senhora.
Garoto, você tá me molhando, Dé. Pára!
-Um cachorro-quente. -Completo?
Completo. Sem mostarda.
Qual é, menor?
Tá roubando a igreja, moleque? Me dá o caralho do dinheiro pra cá!
-Ô rapá! -Me dá! Ô rapá, vem cá!
Pega esse neguinho! Ô menor, tá pensando que vai pra onde?
Me dá a porra do dinheiro!
Tu quer ir pro inferno igual teu irmão ou quer virar mendigo nessa porra?
-Me dá essa porra desse dinheiro! -Qual é, Café! Qual é, Café!
Qual é, é o caralho! Cala a boca tu também nessa porra!
Aí, ó, avisa pr'aquele safado do negão que eu vou apanhar ele.
Chora, não, neguinho, olha pra mim nessa porra! Não é pra chorar, não!
Ó, avisa pr'aquele safado do negão macaco que vou furar ele todinho.
Chora, não, neguinho, olha pra mim nessa porra!
Não é pra tu chorar, não! Chora, não!
Estive com teu irmão hoje.
Tá tão revoltado.
Se meteu em confusão de novo.
0 advogado falou que assim fica cada vez mais difícil pra ele sair.
-Eu vou lá amanhã. -Carlão falou que não te quer lá, Dé.
Que não é lugar pra você.
-Mas eu vou lá falar com ele. -Esquece isso, Dé.
A culpa não foi sua.
-Quer uma sacola? -Não, não quero, não. 0brigado.
Tu tá maluco, Dé?
Tu pirou, moleque?
Se te pegam, tu vai preso, porra!
Tu não é bandido igual a ele, moleque, nem nunca vai ser!
Mas ele disse que vai te matar.
E eu não quero que você morra.
Deixa essa porra comigo. Tira a mão, tira a mão, porra!
Pronto, no capricho.
Ô Dé! Recebe o dinheiro aqui pra mim, Dé.
Vou dar um mergulho rapidinho e já volto. Volte sempre.
Carlão! Carlão, cuidado!
Eu só tô ajudando! Eu trabalho aqui, rapá!
Solta ele, solta ele! Ele é meu irmão! Ele é meu irmão!
-Documentos! -Eu vendo cachorro-quente, porra!
-É o caralho! Documento! -Tá na mochila!
-Cadê a mochila? -Tá aqui na mochila! Calma aí!
-Quem é esse moleque aí? -Sou bandido, não, cara!
-Tira a mão de mim! -E de quem é esta porra aqui?
A arma não é minha, não! Essa arma não é minha, não!
Tira a mão de mim, porra!
-Ele é meu irmão! Solta ele! -É o caralho, porra!
Carlão! Carlão!
Pode passar, tia.
Seu Antônio, já tá tarde. Eu levo o senhor pra casa.
0brigado.
Se toca, garota!
Meus pais vão dar uma festa pra gente, você esqueceu?
Dudu, não é isso. Esse jantar, Dudu...
eu não sei se eu quero ele. Não agora.
-Quer saber? Acabou! -Cuidado aí, seu Antônio.
Tô de saco cheio de maluquice, Nina! Cansei!
Me esquece.
Boa noite, seu Antônio.
A bolsa dela! A bolsa dela!
A menina sozinha lá, mané!
-Calma! Calma, garota! -Me solta!
-Vou te roubar, não! -Solta!
Calma! Não vou te roubar, não!
Calma!
Vamos embora, eu te levo até a tua casa.
Vamos embora.
Qual foi, neguinho!
Boa noite.
Dé! Dé!
Ih, qual é, brother!
Ih, qual é, cara! Tá tudo bem?
Aí, vem cá, você precisa quebrar uma pra mim.
Posso deixar a prancha aí na tua enquanto eu resolvo uma parada?
-Já é. -Aí, valeu. Pega aqui.
Valeu, brou. Ah, moleque!
Nina!
E aí? Tudo bem?
Como é que você tá?
Mal, né? Pior é que hoje é o jantar na casa dele.
Vou dar um mergulho. Vamos?
-Tá bom, então. Vou sozinha. -Vai fundo.
0lha a empada, empada.
0i.
Será que tu podia olhar a minha prancha?
É que vou dar um mergulho rapidinho.
Pode deixar aí.
-É rapidinho. -Sem problema.
Nina, quem é?
Eu não conheço. Ele pediu pra eu olhar a prancha.
Gatinho, hein? Existe vida após Dudu, gata.
Ah, disfarça, que ele tá voltando.
Aí, obrigado, obrigado.
Poxa...
gente estranha.
Ô Dé!
Porra, brother, que que houve?
Foi mal, mano. É que eu tava pegando onda.
Ah, é? Mas desde quando tu pega onda, Dé?
Foi mal, mano.
Aí, Dé. Sabe o que que é, brother?
É que, pô, eu vim pra praia, eu tô sem dinheiro por causa do surfe.
Não tem como tu me arranjar um cachorro-quente, não?
Ah, valeu, Dé!
Nina!
-Ô garoto, rala daqui! -Calma aí, companheiro!
-Rala daqui, meu irmão! -Não precisa me encostar, não.
Meu irmão, rala daqui agora!
Meu irmão, rala daqui agora!
Tá maluco, porra?
Vai, se anima, Nina! Dança!
Esquece esse cara, vai! Vamos, gata!
-Qual é, brou! -Qual é, mano!
Beleza. Aí, várias gatinhas na área.
Vou beijar na boca muito, vamos sair na varredura, brother!
Vamos embora!
Pô... Ah, garota, assim que eu gosto!
Passa aqui, passa aqui, vai.
Deixa eu dá um dois, aí.
Dá pra Nina.
Ih, qual é, Dé? Chega aí, brother. Chega aí, moleque.
Chega aí, junta aqui com a gente, dá um dez aqui.
Pô, tá doidão, aí. Chega aí, pô.
Vocês se conhecem?
Ih, qual é, Cacau! Quem é que não conhece o Dé?
Dé é o moleque mais gente fina aqui da praia.
Aí, essa aqui é a Cacau...
e aquela ali é a Nina.
Nininha...
Aí, dá um dois?
Não, não, eu não fumo, não.
Pô, pega aí, é gringa. Tu vai gostar.
-Vamos dar um mergulho! -Que mergulho, Cacau?
Claro, cara! Você vai sentir muito melhor. Vem, vem, vem! Vamos!
Aí, essas aí estão doidonas.
Aí, fuma aí, brother.
Caraca, galera, a água tá muito boa.
-Vai dar um mergulho, Ike. -Vou, não, Cacau, valeu.
Vai, Dé.
0brigada... pelo outro dia.
Pode sentar?
Pode, senta aí.
Tá triste?
Engraçado como a gente tem se encontrado, né?
Eu nunca tinha te visto.
Mas eu já.
Não...
Já tinha te visto na praia.
É que eu tô sempre aqui. Essas paradas de surfista...
surfista profissional, tá ligada?
Você mora por aqui?
Moro, moro sim.
Moro ali na Barão da Torre, tá ligada?
Sei.
Eu divido um apê com um parceiro lá.
0lha as luzes do Vidigal. Bonito, né? Parece o céu.
Quem mora lá no morro parece que tá pertinho do céu.
Nunca fui lá. Você já foi?
Não, não. Nunca fui, não.
-E aquele livro, acabou de ler? -Que livro?
Tu não tava lendo um livro na praia?
Tava. Acabei.
Também tô lendo um.
Aí...
É o mesmo livro.
É.
Penso sempre em você.
Em mim?
Marquei umas paradas pra ler pra tu.
Pode?
Aqui:
"É preciso mexer com a moldura...
com os sentimentos e com as atitudes.
É preciso levantar o ânimo...
porque o medo é mau conselheiro."
Legal, né?
Tá rindo do quê?
É de mim mesmo.
Qual é, Cacau!
É isso mesmo que eu tô vendo, ou tô ficando maluco?
Deve ser, né, ô mongol?
Aí, Dé! Dé! Sabe o que que é, cara?
É que bateu a larica. Salva a galera, vai.
Prepara lá uns cachorros-quentes pra gente.
Cachorro-quente?
É, Nina, tu não sabia, não? É que o Dé trabalha ali, ó, no quiosque.
Mais tarde nós vamos acertar contigo.
Aí, patrão.
E aí, neguinho, pensou que tinha se livrado de mim, né?
Aí, voltei. Agora eu que tô de frente.
Nós tá de volta, rapá.
E o macaco? 0 macaco tá na jaula.
Lugar de macaco é no zoológico, filho-da-puta.
Você tava toda derretida pra cima dele.
De repente tu mudou por quê? Porque ele é pobre?
-Não é isso. -Você tá é com medo.
No fundo, você é a maior patricinha, Nina.
Aí, seu Armando, o dinheiro da semana.
Essa semana foi boa.
É, foi maneira mesmo, nem choveu. A praia ficou lotadona.
-Tira o olho da vida dos outros. -Que é isso, seu Armando?
Se liga, hein?
Filha!
Ué, que que houve? Tô te esperando.
Pai, quem são essas pessoas? Cadê os seus amigos?
Eu tô precisando de novos clientes. Nossa situação não é mais a mesma.
-Nina, me ajuda, vai. -Tudo falsidade, pai.
E, se a gente tá tão sem grana, pra que é que a gente veio morar aqui?
Depois a gente fala sobre isso.
Me ajuda, vai.
Deixa de ser teimoso. A causa tá ganha, você querendo ou não.
Tá louco, Álvaro? Você agora é delegado.
-0 cara tá aqui fora. -Isso é corrupção, cara!
Não, isso é praxe do mercado, e todo mundo faz isso.
Você me conhece, você começou comigo, cara. Eu não vou aceitar.
Desculpa.
Tem cachorro-quente?
0nde é que você mora?
De verdade.
Ipanema mesmo. No Morro do Cantagalo.
Eu também nunca peguei onda.
Fui eu que errei mesmo. Viajei também.
Tu não tem nada a ver comigo.
Precisa pagar, não.
0brigada.
Você tá indo pra onde?
-Tem baile lá no morro. -Posso ir com você?
Favela não é lugar pra você, não.
-Vai ser maneiro, cara! Vem! -Será, Cacau?
Pô, o boy do meu pai tá esperando a gente, cara.
É pra lá ou pra lá?
-Pra cá, vem. -Tem certeza, Cacau?
Acho que é. Vem.
-Fala, Cazuza. -Porra, dona Cacau.
Teu pai sabe que tu tá aqui nessa parada, neguinha?
-Ih, qual é! -Se souber, vou perder meu trampo.
-Vem, Nina. -Tá vendo como é que é tua amiga?
Tá me quebrando, mané, com todo respeito.
-Tô nada. -Tá me quebrando legal, mané.
Cheirou o pó todo!
Aí, novinha, vai um pó de cinco? E aí, Nem, tudo bom?
Tá tranqüilo, mané. As meninas só tão indo pro baile, tranqüilidade.
-Valeu, neguinho. -Ô tchutchuca, ô paixão.
E aí, novinha.
Vem!
Vem, cara!
Vem, vem!
E aí, neném?
Tá perdida no baile?
Se quiser, eu posso te levar pra dar uma volta. Tá comigo, tá com Deus.
Aí, parceiro, a mina tá comigo aí, mano.
Então, parceiro, da próxima vez tu bota uma placa no peito, tá ligado?
-Já é. -Então já é, parceiro.
Satisfação, gatinha.
-Tá fazendo o que aqui? -Só vim conhecer.
Gostou? Gostou do lugar?
Amanhã tu conta lá pras tuas amigas.
Pelo menos vai ter um assunto diferente pra conversar.
Você não tá entendendo nada.
Eu subi só porque eu queria te ver. Desculpa, foi mal.
Vai ficar parado aí?
Tu quer que eu faça o quê?
Quer dançar comigo?
0 quê?
-0 quê? -Quer dançar comigo?
É você?
É.
-E esses dois do seu lado? -Meus irmãos: Carlão e Beto.
Nossa, mas eles são tão diferentes.
É que a minha mãe pegou o Carlão pra criar quando ele era pequeno.
E cadê eles?
0 Beto morreu.
0 Carlão viajou, tá longe daqui.
-Deve ser diferentão do teu, né? -0 quê?
-0 quarto. -É... diferente é.
Mas o meu tem uma coisa que é melhor que o teu.
Quer ver?
Chega aí.
Varandão.
Com vista pro mar.
É lindo.
Tua casa.
Ih, é. Perto, né?
Acho longe.
Se eu nascesse lá embaixo, tu ia gostar mais de mim?
Se eu nascesse aqui em cima, tu ia gostar mais de mim?
Lourinha desse jeito aí...
Sonhei muito com você daqui.
Achava que um dia tu ia aparecer lá na área de serviço...
e ia olhar pra cá.
Mas você nunca apareceu.
Dé...
Desculpa, o Dé não me avisou que tinha gente.
Eu já tô de saída.
Ô mãe...
Essa é a Nina. Nina, essa é a minha mãe, Bernardete.
-Tudo bem? -Tudo. Dé, eu tô indo.
-Tchau. -Tchau.
Sua mãe não gostou nada de me ver aqui.
Não, Nina. Ela só estranhou.
Seu pai?
-Que que tem? -Cadê ele?
Ele foi embora antes de eu nascer.
Você não tem pai e eu não tenho mãe.
Barracão maneiro, hein?
Ficou rico, moleque?
Carlão!
Caralho!
Eu tô livre, caralho!
Qual é, bunda branca! Qual é, mané!
Caralho, moleque...
nem lembrava mais do gosto dessa água salgada, Dé.
E lá no morro, como é que tá?
Café Frio voltou.
Tá tocando o maior terror na favela.
Só morre inocente, Carlão.
Filho-da-puta! Safado!
Por várias vezes eu pensei em meter bala nele.
-Queria voltar pra lá. -Por que tu não volta pra casa?
Só depois que aquele filho-da-puta cair, Dé.
A mãe vai ficar felizona quando te ver.
Sério mesmo, a mãe vai ficar felizona quando te ver.
Deixa quieto. Deixa quieto, que eu quero fazer uma surpresa pra ela.
-Já arrumei até um cafofo pra mim. -Então eu vou lá contigo, mano.
Segura até domingo, cara. Em vez de tu levar a mãe lá no presídio...
vai levar a mãe lá em casa, mané.
E aí?
E aí... é que eu queria falar com a Nina.
-É entrega, é? -É.
-Lá pro terceiro andar. -Pode deixar, que eu levo.
0nde é que essa menina mora?
Ipanema.
Na Vieira Souto.
Você sabe muito bem o que que eu acho.
Sei.
Mas agora não tem mais jeito, né, mãe?
Mas eu não quero ela aqui em casa, Dé.
Não quero confusão de gente rica procurando filha na favela.
E eu duvido que a família dela vá gostar, Dé.
-Ninguém vai te aceitar, filho. -Mas eu sei me defender, mãe.
Tomara que tu saiba mesmo.
Boa noite!
-Tudo bem, Altamiro? -Tudo bem.
Você sabe se a Nina tá em casa?
-Tá, sim, senhor. -Ótimo.
Ela tá namorando de novo, né? 0 rapaz é lá do morro.
Mas é honesto, trabalhador.
Trabalha ali no quiosque do seu Armando, ali. É atendente lá.
É, seu... o tempo tá passando, daqui a pouco tá cheio de netinhos.
Essa juventude de hoje em dia, rapaz, tem que ficar de olho.
Tá mole, não. 0pa, chegou o elevador.
Boa noite, seu Evandro.
0 vendedor de coco?
É verdade?
É, pai.
Você tá maluca?
Você tem idéia do que tá acontecendo nessa cidade?
Que que tem, pai? Pobre não é bandido, não. 0 Dé trabalha.
Eu te dou toda a liberdade, e você não sabe usar?
Você não pára de mentir, Nina!
Enquanto morar nessa casa, não vou aturar namoro com moleque de rua!
Pai, dinheiro não é tudo, não!
Não sou igual a você, que fica dando festinha...
...pra se vender. -Cala a boca!
Nem acredito que o meu irmão voltou, Nina.
Dé, o meu pai já sabe da gente.
Vou voltar a estudar.
Vou melhorar de vida, Nina, você vai ver.
Só não posso perder você.
Desculpa, filha.
Perdi o controle.
Não é fácil para um pai descobrir pelo porteiro...
que sua única filha namora um rapaz do morro.
Mas, se você gosta dele, Nina, eu vou tentar aceitar.
Por você, filha.
Pensei em convidar vocês pra almoçar comigo amanhã.
Pode ser?
-Tava ansioso pra te conhecer, Dé. -E eu, nervoso, senhor.
Senta aí, senta aí, fica à vontade.
Bom, gente, vamos pedir?
E aí, tio Evandro, que surpresa.
-Tudo bem, Dudu? -0i, Nina, como é que vai?
-Tudo bem? -Tudo bom?
Será que eu posso sentar aqui com vocês?
E aí, Nina, você sumiu, nunca mais me procurou...
-0 que é que você tem feito? -Esse é o Dé, Dudu, meu namorado.
-Ah, namorado? -É.
-E o que que você faz? -Trabalho.
-Mas em que que você trabalha? -Com venda.
-Venda? -Num quiosque, Dudu.
-Ah, dono de quiosque? -Não, sou dono de quiosque, não.
Trabalho. Trabalho no quiosque.
Vendo cachorro-quente e refrigerante o dia inteiro.
E à noite eu estudo, pra ver se eu melhoro de vida.
Dé, desculpa. Desculpa.
Você tinha razão, a gente não devia ter vindo pra cá.
Vamos lá pra casa.
Vou fazer um sanduíche pra gente comer.
Eu entendo o seu orgulho, Dé.
Também comecei do nada.
Não tanto quanto você.
0lha, a porta da minha casa vai estar sempre aberta pra você.
A Nina... a Nina é minha única filha, Dé.
E eu sou capaz de tudo por ela.
Eu espero que você não me leve a mal...
mas eu não quero a Nina em morro, exposta à violência.
Você me entende, né?
Eu posso confiar em você?
Pode, sim, senhor.
Ótimo. Ótimo.
Tô atrapalhando os pombinhos?
E aí?
Ô Nina, esse é o Carlão, meu irmão.
Satisfação, princesa.
-0 Dé fala sempre de você. -Tu demorou, hein, cara?
Tava te esperando há maior tempão.
Tô precisando levar um papo reto contigo, Dé.
Eu também tô precisando ir embora. Prazer.
Prazer.
-Esse moleque vale ouro, hein? -Tô sabendo.
Ah, moleque!
0nde tu arrumou uma princesa dessa, moleque?
-Gostou, né? -Pô.
Não é mole, não, hein, mané?
Caralho, que castelo, hein? A princesa mora bem, hein, moleque?
-Pois é... -Bobeira, não, hein, cara...
Aí, já...?
Ah, pára de caô, mané... maior vacilão, mané...
Güenta aí, Dé, rapidinho.
Alô. Não, não, tem esculacho, não.
Eu sei o que eu tô fazendo. Confia em mim, porra.
Qual foi, mano? 0 que que tá rolando?
Tá me escondendo algum bagulho, não tá, Carlão?
Foi tudo armado.
Do que que tu tá falando, Carlão?
Tive bom comportamento porra nenhuma.
Fugi.
Tô te perguntando: Do que que tu tá falando, cara?
Tu viu como as coisas aconteceram bem aqui nessa praia.
Apanhei pra caralho, Dé.
Cheguei na prisão revoltado.
Não queria papo com polícia nem com bandido.
Podia ter saído antes, Dé.
Mas aí a minha pena aumentou.
Pra não morrer...
tive que matar, Dé.
Matar?
Lá é selva, moleque.
-Bicho comendo bicho. -Que é isso, Carlão? Matar, cara?
Eu tomei um partido, Dé. Eu vim pra tomar o morro.
Você sempre foi contra isso, foi você que me ensinou ser contra isso, cara!
Eu só tô vivo porque entrei pro crime, Dé!
Tira a mãe de lá amanhã.
Faz isso sem abrir o bico, que é pra não comprometer ela.
Tá aqui o endereço, Dé.
-Mãe. -0i, filho.
Põe as roupas na bolsa. Nós vamos dormir fora.
-Que conversa é essa? -Faz o que que eu tô te dizendo!
Tu nunca falou assim comigo antes.
Tu se meteu em besteira por causa daquela menina, não foi, Dé?
Fala baixo, mãe! Fala baixo!
Faz o que eu tô te dizendo, confia em mim, por favor.
Muita atenção!
Aí, pente-fino, hein?
Você aí, meu irmão, você aí! Vem cá! Mão pra cima!
Chega pra cá! Levanta o braço, meu irmão! Levanta o braço!
Mão no capô!
-Abre a bolsa aí, por favor. -0lha pra lá, meu irmão!
Tá liberado, meu irmão.
Não vai me abraçar, não, mãe?
Meu filho! Filho!
Por que que tu não foi pra casa, filho?
Gente, o advogado não me falou nada.
Filho!
Pelo amor de Deus, Carlão, esquece essa parada. Pelo amor de Deus!
0 morro tá cheio de polícia, cara! Tu vai acabar rodando de bobeira!
-Cala a boca, Dé! -Pelo amor de Deus, Carlão!
Cala a boca! 0 delegado tá sabendo, eles não vão se meter! Fica calmo!
0 que que tá acontecendo aqui?
0 que que tá acontecendo aqui? Fala, Carlão! Tu tá metido em merda?
Escuta...
Eu não vou escutar nada! Eu já vi isso acontecer com teu pai!
Eu não vou apodrecer na cadeia, mãe! Eu não vou!
Não tem como voltar, mãe. Eu não posso voltar, mãe!
Pois, se você for...
esquece que eu sou sua mãe.
Aquele filho-da-puta matou o Beto. Não esquece disso, não.
Meio Quilo!
0rganiza o bonde, que eu já tô indo!
Vamos embora.
A disputa pelo controle do tráfico de drogas no Morro do Cantagalo...
parou hoje a zona sul do Rio de Janeiro.
A polícia acredita que a invasão foi comandada por Carlos dos Santos...
o Carlão, fugitivo do presídio Bangu I.
Pai!
Vem cá, que eu vou te mostrar uma coisa. Entra aí! Entra aí!
Eu não quero você nesse morro, entendeu?
Agora, sai daí, antes que a gente leve uma bala perdida.
...no meio do fogo cruzado. Há três feridos no Hospital Souza Aguiar...
mas não há confirmação de que sejam bandidos.
Podemos voltar a qualquer momento com mais detalhes.
Sinto muito, mas acabou, Nina. Acabou!
Eu não vou deixar você morrer por causa de uma aventura adolescente.
Vou comprar duas passagens pra Europa.
Você vai comigo nem que seja à força.
Foi aqui que tu acabou com a vida do meu irmão.
É aqui que eu vou te mandar pro inferno! Filho-da-puta!
Seu merda!
Cachorro-quente liberado geral hoje! Tem miséria, não, hein, cumpádi?
Acabou tempo ruim, cumpádi!
Comunidade do Galo agora vai ter o que merece!
E quer saber? Vou mandar neguinho construir um chafariz aqui!
Ó, um chafariz bem grande e bonito, cumpádi!
Não é só bonito, não, cumpádi. De água filtrada também!
E quer saber? De água filtrada e gelada, cumpádi!
É isso aí, hein? Acabou o esculacho! Acabou!
Dé! Dé! Brother! Tranqüilidade, mané?
Tua mina tá lá no pé do morro, mané!
-Valeu. -Já é.
Pára aí, meu irmão. Tu mora aí mesmo?
-Sou morador. -Dá essa mochila aí.
-0lha essa mochila dele aí. -E essa mochila aí?
Tem nada aí. Pode continuar.
Eu achei que você tinha morrido, cara! Por que você não me ligou?
-Desculpa, Nina. -Por que você não me contou?
Tá no jornal, cara, o teu irmão é um bandido!
-Nina! Nina, eu não sabia! -Como não sabia?
-Eu só soube naquela noite! -Você colocou minha vida em risco.
E você queria que eu fizesse o que, Nina?
-Entregasse o meu irmão? -Ele é um assassino!
Ele não é assassino!
Ele virou. Ele virou.
0 cara foi preso inocente... por minha culpa, Nina.
As coisas são assim onde eu moro.
Se o Carlão não mata ele, quem era pra estar morto agora era eu!
-E você acha isso certo? -E o que que é certo? 0 que é certo?
Criança nascer e não ter o que comer?
Ser tratado que nem bicho por bacana cheio de dinheiro no bolso?
Fala!
Você tá metido nisso, Dé?
Porra, tu tá desconfiada de mim?
Quer saber o que eu acho do movimento?
Acho uma merda. Mas não foi você mesmo que disse?
Nas festinhas do teu pai rola de tudo, tua galera fuma baseado?
Então?
Tem pobre que vira bandido porque é ruim mesmo, Nina.
0 difícil é ser honesto.
E o Carlão era um cara bom.
0 Carlão era um cara bom.
0 Carlão era bom.
Vamos embora daqui, Dé. Vamos embora daqui.
Meu pai quer me separar de você, ele vai me levar pra Europa.
Rapaz, seu Evandro quer falar com você.
Ele pediu pra você subir.
Pode ir. Eu seguro aí.
Eu já perdi minha mulher. Eu não vou perder minha única filha.
0lha essa guerra que a gente tá vivendo, Dé.
Não é por você nem por mim, pensa nela.
0 que você ganha num mês ela gasta em dois dias.
Isso não vai dar certo nunca. Que futuro você pode dar pra Nina?
Eu proibi a Nina de te ver.
Se você ama a Nina de verdade, se afasta, inventa uma história.
Eu te dou algum dinheiro e você recomeça a vida longe daqui.
Precisa me dar dinheiro, não.
Já entendi, já.
-É perigoso você ficar comigo. -Eu já tô com você.
Não dá, Nina. Não dá.
-Eu não tenho nada pra te oferecer. -Não importa!
Eu não tenho nem onde cair morto!
0 meu pai tá te falando essas coisas pra separar a gente, você não vê?
Não dá, Nina! Não dá! É só cair na real!
Você não acha isso, eu sei que você não acha! Fala!
-Você é uma princesa! -Eu te amo.
Eu te amo de verdade, Dé.
0lha pra mim.
0lha pra mim.
Eu tenho dinheiro guardado, a gente vai embora daqui, a gente foge...
vai pra uma praia no Nordeste, abre um bar, você vende coco.
E cachorro-quente.
Quando?
Fica assim, não, filha. Com o tempo você esquece esse menino.
-Boa tarde, senhora. -Boa tarde.
Na verdade... eu tô precisando de um dinheiro.
Senta, por favor.
Mais ou menos, assim, uns 700 reais.
-Você trouxe seus documentos? -Meus documentos?
Isso. Você tem carteira assinada, trabalho fixo?
Tenho, sim, senhora.
-Quanto tempo de trabalho? -Três anos.
Qual é, Dé!
Güenta aí.
Carlão, o remédio que você tem me arrumado tem ajudado muito, sabe?
Essa dor de cabeça que não me larga.
Dá outra caixa pra ela, Quilo.
-0brigada, hein? -Já é.
0 próximo.
0lha só, seu Carlão, eu vou falar é a respeito do meu marido...
que tá bebendo... se dá pra ajudar eu e meus filhos, eu não agüento mais.
Traz o homem aí, que eu quero dar um desenrole nele.
Qual é, Quilo, acabou por hoje, hein?
0lha só, comunidade, por hoje é só, amanhã tem mais, tá ligado?
Amanhã a gente volta.
Valeu, obrigado aí, rapaziada. Valeu. 0brigadão.
Qual é, Quilo, vou dar um papo com meu irmão aí, valeu?
Tô dando aquela força pra comunidade, moleque.
Caraca... Essas paradas devem ter custado caro.
Qual é, Dé, que nada, moleque. Isso aí...
isso aí é o mínimo que a gente precisa ter pra poder...
governar com tranqüilidade, né?
Carlão, tô precisando levar um papo sério contigo.
Não consigo parar de pensar na Nina.
Tô pensando em sair fora com ela daqui.
Tentar a vida em outro lugar...
sem morro, sem asfalto...
Logo agora que o morro vai virar um paraíso, porra?
Vem morar com ela aqui.
Ó, te garanto que vocês vão ter do bom e do melhor, hein, porra?
Não... a gente vai pra umas praias dessas aí...
Sei lá, no Nordeste.
Você tá falando sério, moleque? Tu vai casar com a princesa, Dé?
Vou.
É o único jeito de eu ficar com ela, Carlão.
Eu queria que tu cuidasse da mãe.
Güenta aí, moleque.
Tá aqui, ó.
Qual é, mano! Precisa, não.
-Como é que não, rapá? -Não precisa, cara.
-Aí, qual é o quê, rapá? -Sério mesmo, não precisa, não.
Não o quê, rapá? Isso aqui, ó, é presente de casamento, porra.
E, ó, tu não vai sair daqui sem uma festa, hein, moleque?
Meu irmão vai casar, porra.
Que é isso?
As passagens...
as passagens pro Nordeste.
Como é que você comprou essa passagem?
Tu tava certa mesmo. A gente tem que ir embora daqui.
É o único jeito da gente ficar junto.
Eu só quero ficar com você, Dé.
Vai ter o maior festão pra gente lá no morro.
Eu não posso.
Nina, o morro tá tranqüilão. Vai ser a última vez, eu te prometo.
É que eu vou dizer pra minha mãe que eu tô saindo de lá...
pra morar contigo.
Eu te amo, Nina.
Já vi o desenvolvimento da festa, já, parceiro.
Então já é.
Senta aí, senta aí, brother. Tranqüilo...
Tranqüilidade, rapaziada.
Qual é, cumpádi, veio dar incerta, porra?
Não, vim dar só um papo só, parceiro.
-Já é, Quilo. Tá tranqüilo. -Tranqüilidade, rapaziada.
Ah, esse morro tá bom, hein, parceiro? Chafariz...
TV de plasma, festinha, cervejinha, pá, pá, pá e tal.
É, cumpádi, tá pensando que tu é quem, parceiro? Hein?
Robin Hood?
0s amigos estão boladão contigo, Carlão.
Tu acha que esse dinheiro é teu, parceiro?
A gente gastou foi um malote forte pra te tirar da cadeia, parceiro.
E cadê o dinheiro, Carlão?
Manda os caras ficar tranqüilo, que semana que vem a remessa chega lá.
Semana que vem o caralho, rapá.
É sábado. Isso aqui é negócio, Carlão.
Negócio, porra. Igual a tu tem dez querendo o teu lugar aqui.
Sábado. Senão eu vou ter que subir aqui e ver tua boca cheia de formiga.
-Tá me entendendo, parceiro? -Tranqüilo, parceiro.
Vamos embora.
-Calma, patrão! -Merda!
Que é isso, hein?
Quanto é que a gente tem, Meio Quilo?
-Quanto é que a gente tem, porra? -Uns dez quilos, patrão.
Dez quilos? É pouco, porra!
Desce com todo mundo pra pista, que nós vai fazer um banco.
-Banco, patrão? -Tá surdo? Faz o que tô mandando!
Nós vai botar grana à vera nesse morro, neguinho.
Você tem certeza, Nina?
Eu não quero mais ficar longe do Dé.
-0i, Cacau. -0i, tio.
E aí, filha, tudo pronto?
Amanhã a gente embarca. 0lha, filha...
eu vou ficar no escritório até mais tarde, pra organizar minha vida, tá?
Qualquer coisa, me liga.
Pai...
te amo.
Também te amo, filha.
-Tchau, Cacau. -Tchau.
Que honra receber a princesa.
Tudo bem?
É, melhor agora.
Aí, comunidade! Chega pra perto aí, que eu quero dar um papo em vocês.
Chega mais, chega mais, junta aí, rapaziada!
Tô com a maior fé que o Galo vai ser o melhor morro do Rio, hein?
A partir de hoje o Galo tá na paz!
Queria aproveitar a comunidade toda aqui presente e fazer um brinde.
Queria fazer uma homenagem...
uma homenagem ao meu irmão, meu irmão Dé...
que vai juntar as escovas de dentes com uma princesa, vai casar.
Uma princesa linda, cumpádi!
Um brinde à princesa e ao príncipe do Galo!
0 quê?
Como que é, meu irmão?
Que porra é essa? Tá maluco, rapá? Tamos do mesmo lado, porra.
Não tem mais ninguém do teu lado, não, negão!
-Essa grana é minha, porra! -A grana é nossa, ô filho-da-puta!
Essa grana é minha, porra!
Eu vou nessa, Dé.
Fica um pouco mais comigo aí.
Quero passar essa noite com meu pai.
Fica aí com a sua mãe, ela acabou de chegar.
Então eu vou te levar até lá embaixo.
Comunica aí pro teu chefe, ele tá sabendo!
Essa é só a primeira parcela, hein, rapá?
A segunda tu vai ficar devendo, pra não entrar em cana de novo.
E tá barato. Agiliza essa porra em dois dias, compadre. Dois dias, tá?
Se vira, filho-da-puta. Dá teu jeito, rapá.
Seu merda.
-Vambora, Quilo. -Rala!
Rala, neguinho! Rala logo, cumpádi! Rala logo! Rala, filho-da-puta!
Vai tomar no cu, rapá, vai se foder, caralho! Vamos embora.
Dois dias, hein?
Cuida do meu filho.
Não vai ficar assim.
Qual é, Carlão! Carlão!
Qual é, mano!
É que a Nina já tá indo.
Mas já, princesa?
Qualquer dia desses, eu faço uma visitinha lá pra vocês.
Foi um prazer, princesa.
Vai embora, não, hein, moleque? A festa é tua, hein?
Não, não, já é. Daqui a pouco eu volto aí, pô.
Já é.
Tchau.
Dé, fica aí. 0 Carlão fez essa festa toda só pra você, fica aí.
Fica aí com a tua família, com a sua mãe...
-Tem certeza? -Absoluta. 0 Galo tá na paz.
-Até amanhã, às 4. -Até amanhã.
Nina.
Filha!
Vamos embora, senão a gente vai perder o vôo.
Tá na hora, filha.
Nina! Nina!
Alô.
Sim, é ele mesmo.
Quem tá falando? Quem tá falando, porra?
Alguma informação sobre o seqüestro? Como é que foi?
É isso que nós estamos tentando descobrir, cara.
0i, tio.
Cadê ela? Cadê ela? Cadê minha filha, Cacau?
Calma, Evandro. Calma, rapaz, fica calmo. Calma, fica calmo!
0 que que houve?
A Nina foi seqüestrada. Acabaram de ligar pedindo resgate.
Cadê? Cadê minha filha, Cacau? Pelo amor de Deus, me diz!
0nde foi a última vez que você viu a Nina? Me fala, Cacau! 0nde?
No morro.
-No Cantagalo. -Desgraçado!
-Não, tio, mas não aconteceu... -Não, deixa ele, deixa ele quieto!
Presta atenção numa coisa, menina: O caso aqui é sério.
Você não pode falar sobre esse assunto com mais ninguém.
É a vida da tua amiga que tá em jogo, você tá entendendo?
Entendeu bem? Isso.
Esse filho-da-puta vai morrer podre na cadeia.
Escuta aqui, Álvaro, eu quero essa foto nos jornais, todos os jornais!
Eu quero esse bandido preso!
Peraí, Evandro, a gente não tem certeza se é o cara.
Eu tenho! Já disse que tenho! Se você não fizer, eu faço.
Dé! Dé!
Dé! Dé!
Cacau.
Cadê a Nina, Dé? Cadê a Nina?
-Cadê a Nina? -Qual foi, Cacau?
-Qual foi, Cacau? -Dé...
Dé...
A Nina sumiu, cara. Foi seqüestrada.
0 quê?
Ligaram pro tio Evandro pedindo resgate.
Ele ligou pro jornal e tá falando que foi você.
Que é isso, rapá? Que que tu tá falando?
Ele tá falando que foi você.
A sua foto vai pro jornal amanhã.
Eu?
Nina!
Nina!
Desce, seu filho-da-puta!
-0 senhor não pode subir aí, doutor! -Seu filho-da-puta! Nina!
0 senhor não pode subir aí, doutor!
-0 senhor não pode subir! -Me solta! Nina!
-Me larga, me larga! -É muito perigoso, doutor!
Doutor! 0 senhor não pode subir aí, é muito perigoso!
0 senhor não pode subir aí, doutor! É perigoso, doutor!
-Leva ele pra outra rua. -Vai, vai com calma!
Tá cheirando pra caralho, patrão.
-Carlão. -Qual foi, moleque?
Eu tô precisando de ajuda, cara.
Rapaziada, marca um dez lá fora, que quero levar um lero com meu irmão.
Vamos embora, vamos embora, vamos embora! Rala, rala, rala!
A Nina...
-A Nina foi seqüestrada, cara. -Como é que é?
A polícia toda tá atrás de mim! 0 pai dela tá achando que fui eu!
Tu conhece os caras, manda alguém fazer uma busca, pelo amor de Deus!
0 pai dela tá achando que fui eu! Pelo amor de Deus, me ajuda, Carlão!
-Faz alguma coisa pelo amor de Deus! -Calma, calma, Dé!
-Por favor, Carlão! -Calma, calma! Calma, moleque.
Calma, fica calmo. Fica tranqüilo.
Eu vou mandar uma rapaziada fazer uma busca pelos morros, tá bom?
Ela vai aparecer, fica tranqüilo. Agora, faz o seguinte:
Vai pra casa e não sai do morro enquanto eu não te der notícia, tá bom?
Confia em mim. Confia em mim.
Confia em mim, moleque. Fica tranqüilo, calma.
Tá bom?
Cadê a Nina, Carlão?
-Calma, Dé. -Cadê ela, Carlão?
Calma, moleque!
-Calma, Dé! Calma, Dé! -Cadê a Nina?
-Espera aí, moleque! Calma, porra! -Sai da minha frente!
Espera, porra!
-Moleque, calma! -Cadê a Nina?
-Cadê a Nina? Cadê a Nina? -Calma, moleque! Calma!
-Sai da minha frente. -Calma, que eu vou te explicar!
Calma! Calma!
Calma, moleque!
Calma, moleque!
Sai! Sai! Sai da minha frente!
-Ninguém encosta no meu irmão! -Sai da minha frente, porra!
Deixa ele passar! Deixa ele passar. Deixa ele passar! Tá tranqüilo, Meio!
Nina!
Desculpa!
Desculpa!
-Qual foi, patrão? -Vou resolver a parada! Tranqüilo!
-Qual foi, patrão? -Tá tranqüilo, meu irmão!
Desculpa.
Vai embora! Vaza! Vaza! Vaza!
Vaza, porra!
Rala! Rala, meu irmão!
Rala, cumpádi! Vaza! Rala, porra!
Deixa ela aí, Dé!
Filho-da-puta!
Eu não tinha saída, moleque!
Eu tô devendo pra polícia, eu tô devendo pros amigos, pra geral.
Vão me apagar, moleque!
0 pai dela é rico, Dé. 0 pai dela tem dinheiro, moleque!
Não vai fazer falta pra ele, Dé!
Abaixa essa porra, Dé!
-Eu vou sair daqui com ela, Carlão. -Eu preciso desse dinheiro, moleque.
-Eu preciso desse dinheiro! -Eu vou sair daqui com ela, cara.
0 resgate vai rolar amanhã, Dé! Já tá tudo no esquema, moleque!
Sai da minha frente!
Eu preciso desse dinheiro pra salvar a minha pele, moleque.
-Entende isso, porra! -Sai da minha frente!
Sai da minha frente! Sai da minha frente!
Foi mal, Dé, desculpa! Desculpa! Eu errei, tá bom? Me dá uma chance.
Sai da minha frente!
Eu pego essa remessa e vazo, tá bom?
Uma chance, Dé! Eu juro, moleque!
Eu saio fora e ninguém nunca mais vai me ver! Tá bom?
Por que tu fez isso comigo, cara?
-Tô fodido, Dé! -Por que tu fez isso comigo, Carlão?
Eu tô fodido, moleque! Eu nunca ia fazer mal pra ela, porra!
Abaixa essa arma, Dé!
Sou eu, moleque. Teu irmão, porra.
Tu vai me matar, Dé?
Abaixa essa porra, moleque.
0lha, abaixa a arma e vamos conversar, tá bom?
Abaixa a arma, Dé. Sou eu, moleque. Carlão, porra!
Caralho, apagou o moleque.
Qual foi, patrão?
Dá um papo, patrão!
Puta que pariu, meu irmão!
E aí, patrão? Qual foi, patrão?
-Tá tranqüilo. Tá tranqüilo, Quilo. -Tá tranqüilo ou não tá tranqüilo?
Já falei que tá tranqüilo, porra!
Carlão.
Vai embora, Dé.
-Desculpa, Carlão. -Vai embora, Dé.
-Eles vão te matar, moleque. -Desculpa, Carlão.
-Vai, Dé. -Desculpa, Carlão.
-Vai, moleque. -Desculpa.
Agora vai embora, Dé.
Vai embora, porra!
Qual foi, patrão?
Vai embora daqui, Dé. Vai embora, moleque!
Pega a arma.
-Pega a arma. Pega a arma, Dé! -Qual foi, patrão?
Pega a ama e protege ela, porra! Pega, porra!
Vai, Dé!
-Vem! -Qual foi, patrão?
-Eu vou ficar bem, moleque. -Vem! Vem!
Eu vou ficar bem, moleque. Eu vou ficar bem, Dé.
-Vem! -Eles estão vindo, vão me matar!
-Vem! Meu pai vai ajudar a gente! -Eles vão me matar, Nina!
-Vem! -Eu matei meu irmão, Nina!
-Vai dar tudo certo, Dé, vem! -Não, não vai dar tudo certo!
Teu pai botou a polícia atrás de mim, Nina!
Você salvou a minha vida, meu pai vai te agradecer, Dé!
Você salvou minha vida!
Vem! Vem! Vem!
Não, não, não, não vou! Eu não vou, Nina!
Vamos fugir!
Vamos fugir, Nina! Eu tenho dinheiro no quiosque.
A gente pega o dinheiro e foge daqui.
Vem comigo! Vem comigo!
-Corre, Nina, corre! -É ela!
-Larga a arma! -Corre, Nina! Vem, Nina, vem!
Larga a arma! Larga a arma! Ninguém atira!
Solta a arma, meu irmão. Larga a arma!
Solta a menina! Não tem saída! Solta a menina!
Vamos sair, a gente explica lá fora! Vamos sair!
Eles vão me matar, Nina!
Ninguém vai te matar, Dé! Ninguém!
Eles vão me matar ou aqui ou na cadeia!
Ninguém vai matar você!
Eles vão botar minha cara no jornal, Nina!
Ninguém vai botar seu rosto no jornal, eu vou proteger você!
-Eu não sou bandido! -0lha pra mim! 0lha!
Ninguém vai colocar a tua cara na televisão, como se fosse bandido.
Vai dar tudo certo, a gente vai sair daqui junto.
A menina está sendo feita refém há mais de cinco horas.
0 suspeito é o irmão do chefe do tráfico do Morro do Cantagalo.
-Nina! Nina! -Calma, fica calmo! Fica calmo!
-Meu filho! Dé! -Ele é irmão do chefe do tráfico.
Todo mundo para trás.
Não abaixa a arma, senão eles atiram.
-Rapaz, solta essa arma! -Abaixa essa arma, vamos conversar!
Calma.
É meu filho, deixa eu passar! Dé!
Ninguém avança, porra! Abaixa a arma! Abaixa a arma, porra!
-Calma. -Abaixa.
-Nina! -Fica calmo.
Abaixa a arma! Você também, abaixa a arma!
Vamos conversar, com calma! Com calma. Isso. Dé, calma!
Dé, olha pra cá! Abaixa essa arma, vamos conversar e solta a menina.
-Calma. -Ninguém vai te fazer mal, não.
Abaixa a arma. Isso. Com calma.
-Calma, isso. -Vai dar certo.
-Nina! Eu tô aqui, Nina! -Pai, ajuda a gente, pai!
Não!
Meu nome é Thiago Martins.
Nasci numa favela na zona sul do Rio de Janeiro.
Moro lá até hoje.
Faço parte do grupo de teatro "Nós do Morro".
Eu batalhei muito pra fazer esse filme...
porque essa história podia ser a minha.
Nessa guerra não tem vencedor.
Rico, pobre, todo mundo sai perdendo.
Eu não sei se essa cidade tem solução, não sei.
Mas, se as pessoas olhassem com mais cuidado uns pros outros...
acho que seria diferente.
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