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- Então por onde é que vamos começar? - Podemos começar aqui por baixo.
- Descemos e depois subimos? - Vamos ao Largo da Ribeira,
que havia ali mesmo no largo um cafézinho pequenino,
aquilo não era café. Aquilo era da Dona Alicinha.
Era uma coisa muito pequenina,
para aí um metro e meio quadrado, dois metros, no máximo.
Onde vendiam umas canecas de café com leite,
custava oito tostões e cinco tostões de sêmea com manteiga.
Terminada a guerra civil de 1832/33,
a confraria de Nossa Senhora da Vitória, tratou de recuperar a igreja
que sofreu graves estragos durante o cerco.
Encomendou ao grande escultor Soares dos Reis a imagem da padroeira.
- Eu decidi participar neste projeto, por um lado pelo diploma
que nos foi prometido, que íamos ser atores, não é?
Depois vamos levar a certificação.
(risos)
- Desde criança que sou muito ativa.
Agora com esta idade, há horas boas e horas más.
E tento ajudar, pronto.
- Gosto de participar em tudo. Danças e tudo, a tocar, tudo.
- Já estou velhota, mas gosto de participar nisto ou naquilo, se puder.
- É a primeira vez que cá vim e acho engraçado isto.
Gosto de participar.
- Sou uma pessoa que gosta muito de ajudar outras pessoas.
Gosto muito de trabalhar com pessoas mais um bocadinho,
com mais idade que eu.
- Não gosto de teatro, nunca gostei. Isto para mim é uma experiência
da qual eu quero atingir um objetivo.
- Eu sempre gostei de teatro. Evidentemente que não sei
a que ponto é que isto vai, não é?
Se chegamos a palco, ou se não há palco, não sei.
Mas de qualquer maneira, só por si, teatro já me anima.
- Gosto de colaborar em todas as coisas. Acho que em estar a colaborar
que me sinto mais alegre, mais feliz.
- Estarmos aqui, unidos para recriar, uns que não estão na Vitória
nem nunca viveram na Vitória, outros que já viveram na Vitória
e esta partilha é que interessa.
E esta energia de partilha vai passar para fora.
- A ideia era fazer um trabalho no centro histórico do Porto.
Fazer um trabalho sobre o Porto,
fazer um trabalho sobre a cidade onde eu vivo.
- O bacalhau era caro para os pobres, então o que era o bacalhau?
Era o chicharro aberto, era curado com sal como quem cura o bacalhau
e depois era cortado e dividido para se comer.
- Embrulhar rebuçados era uma forma de ganha-pão, aqui na Vitória?
- Sim, sim. Era uma forma de ganhar algum dinheiro
porque a vida era difícil. A minha mãe também dobrava livros.
- Mas os livros era o quê, as cadernetas dos cromos?
- Não. não, não, não tinha nada a ver. - Ai, era outra coisa?
- Livros, mesmo livros de livraria.
As encadernações, chamavam-Ihe assim não é,
davam-Ihe as folhas dos romances
e a minha mãe em casa dobrava e punha-as por ordem
para depois ir para a guilhotina, ou não sei qual era,
para agrafar aquelas coisas do meio.
- Tinham que limpar tudo, porque os porcos andavam na rua,
as galinhas andavam na rua, os despejos da noite eram...
E havia uma postura da câmara que obrigava antes de
mandar a vasilha cá para baixo, tinha que avisar três vezes água vai.
- Ai, isso é muito bom, Água vai, água vai. - Senão eram multados pela câmara.
- Era uma tábua, íamos à igreja roubavamos as velas.
Dávamos cera nas tábuas e vinhamos pelo passeio abaixo...
- O que é que eles faziam nesse tempo.
O vender o jornal, o peixe. - O homem da banha da cobra.
- Eu não sei. Estou curioso em saber o que eram os usos e costumes na terra.
- Entramos a perguntar. Como é que é, como é que não é?
Como é que se vive aqui, de onde é que vocês veêm?
Qual é a vossa mercearia, qual é o café, qual é a escola? Qual é, qual é?
- O nosso objetivo é conhecer melhor como é a vida da Vitória, desta freguesia.
- Se vocês trouxerem os objetos que fazem parte
do vosso dia a dia, da vossa rotina,
vocês que são moradores aqui, estão a mostrar-nos
como é que se vive na Vitória.
- O que nós queremos é perceber aqui neste espaço da Vitória,
que tipo de caminhos é que fizeram,
que tipo de pessoas é que cruzaram aqui, em diferentes tempos,
com diferentes dinâmicas, com diferentes percursos,
com diferentes dimensões de percurso.
Ou seja, a senhora que acorda de manhã e vai ao café,
cruza-se com alguém que é o carteiro,
por exemplo, que passa por aqui todos os dias.
- Peregrinações não é só ir a Fátima a pé.
É circularmos na nossa própria freguesia, no nosso meio.
É vermos aquilo que não vimos se andarmos só na nossa rua,
porque a Vitória não é só a minha rua.
A Vitória deve ser das freguesias mais ricas
em monumentos históricos e o monumento
mais rico da Vitória é o povo.
- Eu gosto muito desta. - Gosta?
- A vendedora de couves, de legumes. - Isso é muito bom.
- Vendedora de couves, de legumes, aqui a Elisa disse figos.
- O cabaz que leva aqui, pequenino, parece de peixeira,
mas o outro é de legumes.
- Aqui é o carvão, embora ali realmente não pareça tanto.
Aqui até pode ser, mas ali... Alguém se lembra da vendedora de carvão?
- Vendedora de carvão tinhamos as carvoarias.
- As carvoarias. Havia aqui alguma, na zona?
- Aqui havia uma, ali nas Taipas.
- Eu tinha dez anos fui ardina.
Andava de elétrico em elétrico a vender os jornais.
E eu vendia os jornais da manhã e vendia os jornais desportivos ao domingo.
- Conheci o Anjo, o Mercado do Anjo, conheci o Mercado do Peixe
que é onde está agora o Palácio da Justiça.
- Aquela fonte que está ali na cadeia,
será que eles tiravam dali a água, ou não?
- Tiravam água em todo lado, até da torneira tiravam,
logo que estivesse o cântaro vazio eles enchiam-no.
Mas o engraçado é que a água estava sempre fresquinha.
E não havia gelos, não havia nada.
- Ainda vamos pôr o nosso público todo a beber água.
- E ali o Mercado do Anjo?
- O Mercado do Anjo foi demolido já no nosso tempo.
- Pois e ali vendia-se tudo, era uma porta de entrada da cidade.
- Era e quando foi feito o Mercado do Bom Sucesso,
foi para absorver o pessoal que estava aqui no Mercado do Anjo.
Havia várias feiras. Em Carlos Alberto faziam a feira das caixas
das arcas, porque antigamente com a emigração para o Brasil,
havia necessidade das caixas, aquelas caixas ou arcas.
- O jardim da Cordoaria era outra coisa, era mais bonito, era mais amplo,
era mais airoso, era mais convidativo.
Eu todos os dias, antes de me deitar, à noite pois claro,
acabava de comer e vinha sempre aqui para o jardim
apanhar um bocado de fresca, porque convidava,
era outro ambiente. Ninguém fazia mal, não havia receios,
não havia medos. Hoje?
Hoje, por exemplo às sete horas já estou a comer,
às oito estou na cama.
- E ainda hoje eu digo, que tenho saudades daquela praça.
Que era uma praça alegre, cheia de vida
e agora está descaraterizada, não parece a mesma praça.
Se os antigos viessem iam morrer outra vez!
- Eu gosto da Torre dos clérigos. - Eu também gosto da Torre dos Clérigos.
- Limões ou alhos! Limões ou alhos! - Isso, outro.
- Olh'ó notícias, Janeiro ou Comércio! Olh'á Bola!
- Rosa, vai.
- Quem quer castanhas quentinhas e boas?
- Este Peregrinações é muito especial por isso.
Por ser feito com a comunidade, para a comunidade,
sobre a comunidade tripeira,
ainda por cima aqui mesmo no centro histórico
e por ser também, um trabalho que fala sobre os nossos caminhos.
Os nossos caminhos individuais e os nossos caminhos coletivos.
- Acordar. - Ótimo.
- É bom sinal, quando acordo.
Depois tomar o pequeno almoço, higiene pessoal, pronto.
- Vou ao café, na rua de Ceuta. Subo novamente para os Clérigos.
- Rua Mártires da Liberdade, depois vou ao jardim dos patos.
- Praça da República.
Por exemplo, se tenho pão, dou aos passarinhos e aos patos.
- Entro no supermecado, quase todos as manhãs preciso fazer isto.
Depois saio novamente, continuo estas ruas aqui.
- Farmácia.
À mercearia.
E volto para casa.
- Jardim da Cordoaria. - Fazer o quê?
- Igreja. - Vai à igreja. Que igreja é?
- Que igreja é? - Como é que se chama?
- Carmelitas.
- Estou aqui.
- Depois vou a outro workshop com crianças da Sé.
- Como é que é o seu dia, Zé? Acorda de manhã e depois?
- Tomar o pequeno almoço.
- Tomar o pequeno almoço e depois? - Venho cá para fora um bocado.
- Vem cá para fora apanhar um bocadinho de ar, e depois?
- Depois venho para dentro, fazer cestas, jogar dominó, e o que for preciso.
- E a seguir vai ao...? - Ao Muralhas, buscar pão.
- Vou a casa e a seguir vou para a Casa da Amizade.
- Para a Cordoaria...
- Para a Cordoaria e depois para a Casa da Amizade.
- E o que é que faz na Casa da Amizade?
- Vou ajuda-las. - Só?
- Vou comer.
(risos)
- Hoje em dia fala-se muito de comunidade.
Mas na verdade, o que é uma comunidade?
Em Portugal, no Porto, no centro histórico do Porto,
na Rua da Vitória ou na Rua de São Miguel, no ano 2012.
O que é uma comunidade? E eu acho que este trabalho também procura
encontrar essa resposta.
- Estas escadas...
- Sr. Avelino, como é que se chamam estas escadas?
- Tem aí o nome. - Eu acho que é mesmo Escadas da Vitória.
- É, é. Escadas da Vitória. - Ok.
- Os rebuçados da Vitória...
- Aqueles que saíam os cromos do bacalhau e...
- Os carimbados eram o cabrito, o bacalhau e a cobaia.
- Então e agora, continuamos por aqui, é?
- Sim.
- Esta é São Bento da Vitória, exatamente, que é a do mosteiro.
- Logo à tarde vêmo-nos?
- Logo à tarde estamos juntos? - Certo.
- Serafim está a fingir que não nos vê... - Tudo bem? Não...
- O que é que Ihe aconteceu a semana passada?
- Tive uma consulta.
- Mas está tudo bem? - Está, amanhã já vou.
- Até amanhã - Tchau, até amanhã.
- Pega, anda cá, pega...
- Ó Luís!
- Luís!
- É cruzar pessoas de diferentes idades, de diferentes caminhos,
de diferentes estruturas sociais, de diferentes vivências
e cruza-las, estimula-las
a dizer bom dia, boa tarde, estimula-las a fazerem jogos,
estimula-las a despertarem.
- Vamos.
- Não, um, dois, três... não faz mal. - Filha, não estava cá.
- Morador. - Morador, troca de lugar.
- Este foi feito por mim. Vi isto numa loja e disse:
- Bem, já que nós não temos máquina de costura,
porque neste momento estamos à espera de uma,
somos obrigados a fazer manualmente, tudo.
E eu vi uma e digo assim: - Porque não tentar?
Foi a primeira vez, sou muito sincera e fiz isto.
Reproduzi. Isto é feito por mim. - Uau!
- E o bordado e tudo, Ivete? - Tudo, tudo.
- É um colar que já tem muitos anos. - Porque é que é importante, Maria?
- É importante porque eu tenho muitos,
mas é deste que eu gosto, que é o mais...
- É o que gosta mais.
- Não nos interessa que seja um andor com um santo.
Nós vamos fazer um espetáculo das pessoas
que participam no espetáculo.
Em vez de ser uma homenagem à santa ou ao santo é como se fosse
uma espécie, exatamente, de uma homenagem
a cada um de vocês. A cada uma das atrizes e dos atores
que vão entrar no espetáculo.
- Trouxe uns sapatinhos de dormir, feitos por mim,
que devem ter vinte e tal anos.
Tenho várias coisas destas guardadas.
- Isso é para nós depois guardarmos, a bacia.
- Trago depois um par de calças das antigas.
(risos)
- Este que é de mulher, é a minha filha.
Não ia trazer um mamarracho muito grande, trouxe um pequenino.
- Desde que me conheço uso sempre brincos. Adoro brincos, portanto faz parte de mim.
- Tenho isto que equivale á minha identidade.
O que eu sou, na maneira de vestir, na maneira de pensar, de agir.
A minha identidade.
- Isto é a significar o hip-hop, break dance é o que eu danço.
Isto é a significar a amizade.
Foi uma pessoa muito importante que me deu.
- E aqui são os meninos que eu amo.
- Isto é dos Açores, é verdade.
É o menino Jesus de Praga. Eu gosto muito deste livrinho.
- Quando se veste uma roupinha de Carnaval,
fica bem enfeitar assim, com um fiozinho destes.
- Avé, avé, avé Maria.
- Esta cesta fui eu que fiz para vender.
E faço muitas.
- Primeiro, tem o símbolo africano.
Eu gosto muito de África, portanto está-me no coração.
E depois, é onde eu guardo todas as minhas economias.
- É com uma caneta que eu faço poemas.
É com uma caneta que eu escrevo letras para músicas de hip-hop e de RnB.
- Significa o circo.
O circo é extremamente importante para mim.
Sempre foi um sonho.
- Porque eu quero seguir os passos que a minha avó seguiu,
porque ela aprendeu a fazer bolos com uma senhora que era
muito amiga dela, que já morreu.
- Escolhi o microfone porque identifico-me com ele,
pois eu faço Beat Box, sou mc
e nós sem o microfone, somos como um pássaro sem asas.
- Eu escolhi este cinto porque eu tenho um amor por este desporto, o Judo.
E é o que eu pratico.
- O espetáculo Peregrinações é um pretexto não é um fim.
- Certo.
E isso é a grande diferença entre fazermos um trabalho pontual,
em que chegamos cá, fazemos um espetáculo
e nós como profissionais de artes seguimos a nossa vida.
Provavelmente não nos voltamos a cruzar com as pessoas.
A diferença entre isto e de um trabalho
estruturado, continuado e com um impacto
do ponto de vista da transformação social.
E eu acho que aí, efetivamente o teatro
tem uma função incrível.
É um espaço de liberdade, de diálogo entre as pessoas.
O fato das pessoas estarem todas juntas num grupo
onde através do que é, por exemplo, a linguagem corporal
toda a gente pode ficar numa fragilidade incrível,
porque não é uma linguagem que nós dominamos
e isso uniformiza o grupo.
- Ó minha gente, isto já são coisas para cenas do espetáculo, ok?
Não andam só aí às voltas.
Por algum motivo as estamos a fazer.
Agora, nós já falamos aqui sobre o que era uma peregrinação, certo?
Um caminho que cada um de nós faz na vida, ok?
Quando eu vos pedir agora para descansar,
como se estivessem a descansar a meio de uma peregrinação.
É um bocadinho diferente do descansar da praia, não é?
- Um, dois, três e vai. - Cinquenta quilos.
- Isso. Boa, boa. É isso.
- É isso, vamos lá! Boa senhor Basto, é isso.
Leva à cabeça, não é?
- Leva a trouxa à cabeça.
- Embora Odete, vamos lá.
- Devagarinho. - E páro, pouso e descanso.
- Isso, agora até ouvi a respiração
a descansar e tudo. - Exatamente, boa.
- Sem comentários. Páro, descanso. Encontrem outras formas. Boa, fantástico.
É isso. E aguenta. Estátua, ok?
- Boa. Toda a gente, suspira ao mesmo tempo
e pega outra vez na sua carga
e volta a colocá-la em cima do seu corpo.
Um, dois, três. Respira.
E volta. Volta, sintam esse peso. Carrega e coloca e vai. Força!
Outra vez, continuar. E vai!
Continua! Boa, isso! Fantástico!
- Continua. Boa!
- Podem fazer a respiração. Esta já está a custar, isso!
A bacia é mesmo pesada. Isso, isso.
- Sintam esse peso. Isso.
Como é que os vossos braços ficam, como é que as vossas costas...
Como é que é a expressão do rosto. E pára.
- Vai! - E vai!
- Vocês em grupo é que vão encontrar qual é esse som.
É o som que vos dá energia, dá energia ao grupo
para conseguir carregar essa carga, ok?
Um, dois, três, e vai!
- E vai! Estátua, estátua, estátua.
- Eu acho que não somos nós a dar a volta às pessoas,
são elas que nos dão a volta a nós.
Porque, para já é agarrar isso como um desafio, não é?
Elas não nos conhecem de lado nenhum,
nós não as conhecemos a elas.
Nós não vamos lá ensinar nada, eles é que nos vão ensinar a nós.
- Costura, coser sapatos e cantar.
- Sei lá, eu faço muitas coisas. Eu faço os trabalhos de casa todos.
- Desde trolha, eletricista, pintor, eu faço tudo.
- Gosto de cantar, costurar. - Cantar, está aqui.
- Fazer bolos.
- Também gosta de dançar, senhor António? - Dançar, também.
- Gosto de ler, gosto de contar histórias. - Contar histórias é importante.
- Gosto de mostrar às pessoaas que não são de cá, a minha freguesia.
- Gosto de jogar à bola, dançar, tocar.
- Gosto de cantar. - Cantar.
- Gosto de contar histórias. - Contar histórias.
- Gosto muito de fazer ginástica, de qualquer coisa.
- Conviver, ginástica.
E gosto de ter amigas.
- Nós queremos trabalhar o peregrinar de ir atrás a uma memória
ou a peregrinação de criança a adulto, ou a peregrinação de eu aqui agora
a falar contigo, que estou a recordar a pesquisa toda que foi feita.
Estou a peregrinar, estou a ir atrás. A peregrinação tem que... Tanta poeira!
- Também pedimos, por exemplo, o exercício da carta
que era escreveres uma carta
à pessoa que tu eras quando tinhas dez anos.
- Ou aos mais jovens, ao adulto. O que é que tu escreverias a ti, adulto?
- Que vais fazer hoje? - Eu hoje vou ao teatro, queres vir comigo?
- O que é isso? - O teatro é fazer de conta
que se pode ser outras pessoas.
- Estás feliz? - Sim, e tu?
- Eu também estou um pouco feliz. O que vais fazer no futuro?
- Ainda não sei bem.
- Ah! E o teu marido? Ainda continua o mesmo resmungão?
Vocês os dois são um casal único, como nunca vi.
Vocês resmungam, mas no fim está sempre tudo bem.
- E tenho a certeza que seguiste os teus sonhos.
Sabes, lembro-me de quando adoravas fazer aqueles bolos.
- Um conselho, não mudes e de nada te arrependas,
porque tudo o que fizeste, repercurtiu no que eu sou hoje
e agradeço-te por isso.
- Gostava de seguir uma carreira de fadista,
mas com dez anos, como podia eu escolher?
Estudar? Meus pais não tinham possibilidades.
Cantar parecia mal naquele tempo. Então, eu na minha vida
sempre cantei para mim. E sou feliz.
- Um grande abraço, com muitas saudades e que Deus te acompanhe sempre
e te ilumine a verdadeira estrada da felicidade.
- O grande objetivo deste trabalho, é que as pessoas se possam
apropriar do processo de criação.
Ou seja, que elas consigam, de alguma forma,
por elas próprias,
a seguir fazerem elas um processo de criação.
Não interessa o que é que elas vão falar no espetáculo a seguir,
não interessa a maneira que o vão fazer, o que interessa é a energia
e o elas quererem fazer isso.
E se elas quiserem, de certeza que isso vai acontecer.
Porque o processo também foi pensado
de maneira a que as pessoas se apropriassem disso.
- Então, o que é que nós precisavamos de definir hoje convosco?
A personagem de cada um, ok?
Cada um vai dizer o que é que quer vender neste mercado.
E nós não queríamos que fossem só vendedores
de coisas que existiam no passado,
mas de vendedores que também ainda existem no presente.
- Aqui o senhor José, que tem muito jeito para fazer os cestos,
de repente podia ser um vendedor de cestos,
porque se sente à vontade com isso.
- Quer ser a vendedora de hortaliças? - Posso ser.
- Pode ser? - Ou prefere outra coisa, Mariazinha?
- Eu nunca vendi, mas posso ser. - Mas vamos fazer um teatro, não é?
- Eu sei, eu sei. Posso não fazer o papel bem feito, mas faço.
- Tenta.
- Eu posso representar o vendedor de jornais.
- O ardina. - Então, Basto, ardina.
- Aqui na Cordoaria conheces alguém que venda velas?
- Tem, tem.
- Onde é? - Onde é? É na Torre dos Clérigos.
- Lá vendem velas? - Tem.
- Podia ser o vendedor de velas, Cesário. Parece-te bem?
- Pode ser. - Ok.
- Ganhar vida esta estátua, vamos lá.
- O que é que diz, dona Maria? Vender as coisas.
- Quem quer grelos? Quem quer pencas?
- Quem quer água fresquinha? Quem quer água fresquinha?
- Vendo sacas a cinco tostões! Quem compra?
- Isso! Isso Augusta, força!
- Olh'ás velas! Olh'ó cesto!
- Isso!
- Quem quer cadeiras ou bancos?
- Quem quer cadeiras ou bancos?
- Azeite barato, azeite barato! - Isso, boa!
- Quem quer azeite barato?
- Ó freguesa, quer umas regueifinhas frescas, fresquinhas?
- Quem quer algodão doce, algodão doce?
- Quem quer comprar cestos? - Boa Zé, isso!
- Olha o Notícias, Janeiro e Comércio! Quem quer a Bola?
Olh'á Bola! Ó freguês, não quer a Bola?
- O ser na Vitória aconteceu, penso eu.
Mas á a Vitória em todos os cantos do mundo, percebeste?
Isto não diz só respeito às recordações,
à história da Vitória em si. Esta é uma Vitória muito abrangente
que pode ir a todos os quatro cantos do mundo.
- Então, o público vem aqui ter, e nós vamos estar dentro aí do miradouro
à espera do público. Um grupo de quinze pessoas vão estar
a fazer personagens de turistas.
Nós vamos arranjar umas roupas bem de turista,
que representa a invasão dos turistas a esta zona histórica da cidade.
Depois, vamos ter dois ou três aguadeiros,
duas ou três padeiras, padeiros,
e dois ou três vendedores de bancos.
Aquilo que nós estivemos a fazer das personagens do mercado.
Porquê estas três coisas?
Água, pão, bens essenciais.
Portanto, a padeira, o aguadeiro e os bancos
para as pessoas descansarem no caminho, quando quiserem.
- Alguém tem preferências aqui?
Se preferem fazer de turísta, de aguadeiro?
Era bom nós percebermos isso.
- Aguadeira ou padeira, tanto faz. - Lembra-se de alguma aguadeira,
quando era mais nova Fátima, ou não? Já não é do seu tempo?
- Lembro-me das padeiras. - Das padeiras.
- Quando estiver toda a gente aqui reunida,
vai haver a personagem que é o vendedor da banha da cobra,
que vai dar início a esta peregrinação.
- Um dos pontos que nos ajudou imenso, foi termos decidido que a nossa sede
deste projeto tinha que ser aqui na comunidade.
Porque a sede da Associação PELE é na Rua da Alegria
e nós estamos a trabalhar na Vitória.
Estamos na mesma cidade... - Isso é essencial.
- Mas deslocamos a nossa sede para aqui,
para termos sempre a porta aberta
e é fantástico quando nós estamos a ter reuniões
com a cenografia ou com os figurinos
e aparece alguém, entra na garagem e só vem para nos cumprimentar.
- Metade daquilo que vocês vão fazer é o vosso olhar.
Exagera. Vamos exagerar, agora.
Isso, completamente diferente! Isso!
Há gente que eu não estou a ver o olhar. Procurem o meu olhar, isso!
- Aqui fazíamos estas duas uma cena mais hip-hop
e estas tentavamos juntar.
Porque assim cantava toda a gente.
- Turistas, os homens de calções, sem ser de ganga.
Aquelas bermudas, mesmo.
- Sim, caqui. - Depois, o que é que vão calçar?
Sandálias de praia com meias, soquetes brancas.
- Passam-se momentos... - Incríveis.
- Vou pôr vírgula para ser tipo deixar um espaço.
Passo momentos incríveis, momentos...
- E daquelas calças mais clássicas? - Acho que consigo arranjar.
- Consegues? Podem ser cinzentas, pretas ou castanhas.
- Castanhas.
- Para a semana?
- Na Vitória passo momentos incríveis, momentos de glória,
dou de comer aos patos, com essa brincadeira já estraguei...
- A música era um bocado mais pequena e tinha poucas rimas,
então o que nós fizemos foi construir algumas frases
para rimar com as que já estavam feitas.
- Diz primeira apresentação, que é o que nós vamos fazer terça feira,
tem aqui uma fotografia, está aqui o senhor Basto,
e depois aqui diz 14 de agosto, às 21h30,
integrado nas Festas de São Roque da Vitória,
início no Miradouro da Vitória,
Rua da Vitória, Rua das Taipas o final. Depois tem uma frase que diz:
E se um dia, como todos os dias, decidirmos ir. Por onde iríamos?
Que é, na verdade, o mote para a peregrinação, não é?
- Calma, calma. O público está virado para aqui.
João, é porreiro a cena lateral,
mas deêm mais espaço entre vocês para a coisa respirar, ok?
Vocês estão sempre juntos em cardume que isso ganha muito mais força.
- Kodac. Now take Kodak to the muscles.
- Allez á tirar la photographie a lo musclês.
Tira a fotografia ao músculo, vai.
- Guapo, guapo, guapíssimo. - Que rico es, chico!
- Muy bien. Now i'm going to tell a very special story, ok?
Je vais á conter a vous une historie fantástique.
- Quem quer cadeira ou banco? - Olh'á água!
- Água para o caminho! Olh'á água fresquinha!
- Quem quer cadeira ou banco?
- Olhem as suas perninhas para descansar, meninas!
- O caminho é longo! - Descanse aqui um bocadinho.
- Posso descansar? - Pode, pode.
- Obrigada. - Não tem que pagar nada.
- Como é que estão esses pézinhos?
- Estão mais ou menos. já venho de uma longa caminhada, sabe?
- Agora aqui é diferente. - Dizer-te...
- O Vicente é... - Dizer-te a ti...
- Ele, é o senhor Basto em pequeno, então a carta tem que ser diferente.
É, eu Salvador José Costa, quero dizer-te a ti...
- Neste momento o Casaleiro está...
O Casaleiro dá uma coisa qualquer de final,
e vocês descansam.
- As pessoa esperam todas por ti, está bem? Tranquilíssimo.
Desdobras, como se estivesses sozinho no teu quarto, na boa,
e depois começas a ler, alto. - Eu, Salvador José Costa...
- Cada um de vocês leva um objeto, não é? Mas aqui o José explica
a história da escolha do seu objeto, que é uma bengala.
Caminho. Passo a passo.
Páro. Respiro. Fé.
Caminho. Passo a passo.
Páro. Respiro. Fé.
- Agora o segundo.
Caminho. Passo a passo.
Páro em cada estação. - O segundo, outra vez.
Caminho. Passo a passo.
Páro em cada estação.
- Outra vez. - Caminho.
Passo a Passo. Viajo. Reflito. Alcanço.
Caminho. Passo a passo.
Viajo. Reflito. Alcanço.
Caminho. Passo a passo.
Viajo. Reflito. Alcanço.
- Esta é uma llinha muito ténue,
mas a discussão do ponto de vista do que vai ser esta história
que nós vamos contar, quais vão ser as suas temáticas,
quais vão ser as suas personagens,
sobre o que é que o espetáculo vai falar, qual é o sentido...
Eu tenho a certeza que se tu pegares na camara
e fores falar com cada um deles,
eles sabem-te dizer o que estão a fazer no espetáculo
e isso, para mim é o fundamental, porque veio deles.
(Fado)
Cheguei a meio da vida desta longa caminhada
estou cansada, não vencida.
Se respiro, tenho vida
não posso ficar parada.
Cheguei a meio da vida desta longa caminhada.
- Não é a primeira vez que tenho a experiência de trabalhar com não-atores,
mas esta experiência é muito engraçada porque uma pessoa vai criando
ligações com as pessoas que estão aqui nesta zona da Vitória
e que vivem aqui, e nós próprios criamos uma ligação muito forte com este local.
Trago um recado, um poema
Para se ouvir entre nós
vinda do meu coração
é dado pela minha mão
cantado pela minha voz.
Trago um recado um poema
para se ouvir entre nós.
- O senhor Basto é deste século, por exemplo,
e eu sou ele, em criança mas noutros tempos atrás.
- Tanta alegria, tanta partilha
e sobretudo a comunicação entre pessoas que
poucas ou nenhumas vezes se cruzaram,
ou cruzaram-se, sem sequer se terem cruzado.
Mas estamos a fazer a caminhada juntas.
Peço mais amor e paz, para bem da humanidade
mais carinho, mais calor,
mais ternura e mais amor,
mais luta pela verdade.
Peço mais amor e paz
para bem da humanidade.
- Eu não misturo este espetáculo com o catolicismo.
Não, o catolicismo fica de parte.
Vamos à peregrinação do caminhar, o andar, o explorar,
o ir de terra em terra conhecer outras culturas, que são a realidade.
Portugal tem muitas.
- Chegaram. Posicionaram-se numa meia lua, ok?
O João, olha para as mantas, toda a gente olha para as mantas.
Rufo.
Mantas! Fantástico!
- Eu acho mesmo que este trabalho é um luxo. Sinceramente, porque tu nunca tiveste
meia dúzia de meses na tua vida para parar e reparar em cada casa,
em cada pormenor, como é que são aqueles azulejos, olha aquela tem plantas,
olha aquela... E até posso passar a minha vida toda
pela mesma rua e não olhar para isso.
Pode ser a rua onde eu moro e não reparar nisso.
Para quem tem este prazer enorme de observar, porque eu acho
que só é possivel fazer teatro se tu observares.
Não é só possivel fazer teatro, só é possivel viver, se tu observares.
Então, para quem gosta disto, para quem é assim de alguma forma
isto é um luxo. Eu nem Ihe chamo trabalho.
É tão bom, porque é como tu estás na vida.
(música)
Vitória, Vitória conta a tua história
baila a roupa na varanda.
- Vocês agora.
Vitória, Vitória conta a tua história
baila a roupa na varanda
- Está? Vamos para a próxima, então.
Grita golo à janela, chama a vizinha do lado
à Oriental vou com ela.
- É uma fase nova e é muito bom.
É muito emocionante e dá-me muito mais força.
- Um pau que esteve na segunda guerra mundial.
Um pau com uma história fantástica.
E quem quer comprar? Preciso de uma oferta.
Cinco euros para começar. Oito euros, dá ali a senhora loira...
- Seis, seis... - Dez. Dez.
- Dez dá aquele senhor ali ao fundo.
- João, é o chinês que compra outra vez.
- E é comprado pelo chinês. Vendido ao chinês.
Ó Bina, vai buscar uma rifa para o chinês, por favor.
- Há uma situação em que estes objetos, que representam as memórias da Vitória,
as memórias são a identidade das pessoas. A maneira como elas são, absolutamente
vendidas, desbaratadas. - Leiloadas.
- Quem tem dinheiro para gastar, aqui?
- Então eu vou começar aqui a vender todas estas memórias.
Vamos começar por uma memória fantástica, uma coisa que me acompanhou
durante toda a minha vida, desde que fui jovem, desde que cresci.
Agora que estou a ficar velho eu nunca me esqueço
dos fantásticos, dos belíssimos rebuçados da Vitória.
- Nasci no Porto, nasci no centro do Porto e cresci aqui.
Não conhecia este sítio, não fazia a mínima ideia
que tipo de coisas é que tinham acontecido aqui.
A história que estas pessoas tinham e acho que é importante
passar essa mensagem, passar essas histórias
porque não é só o que está lá fora que é bom.
Nós aqui temos coisas fantásticas
que nós próprios não nos damos ao trabalho de conhecer.
- Ainda não está feita toda a música. - O que estiver.
(rap)
No morro da Vitória passam-se momentos incríveis,
momentos de glória.
Dou de comer aos patos com essa brincadeira
já estraguei muitos pratos.
No morro da Vitória, depois de mais uma conquista
vou para cima jogar à sueca e à bisca.
Esta é uma freguesia com tradição,
as festas aqui são vividas com muito som.
- Eu escolhi a música porque é uma maneira
de me exprimir para as pessoas
e escolhi este espetáculo, porque vieram ter comigo,
pediram e eu aceitei, para exprimir como é que eu sou para as pessoas.
- Pois é, eu quero ouvir um grito só das mulheres!
- E agora só os homens!
- Das mulheres!
- Dos homens!
(música)
Mas quem será, mas quem será,
mas quem será o pai da Vitória
Eu sei lá, sei lá. Eu sei lá, sei lá.
Mas quem será, mas quem será,
mas quem será o pai da Vitória
Eu sei lá, sei lá. Eu sei lá, sei lá.
- É lindo fazer teatro. É uma coisa que eu nem sei explicar.
Sinto aquele coisinho na barriga que depois parece que estou no palco
e já não está ali ninguém a ver-me, sou só eu e as pessoas
que estão a fazer. Mas estão pessoas a ver!
- Para mim, este espetáculo é uma dedicatória
a todos habitantes da Vitória.
Quase que dizer-Ihes que a sua freguesia é uma verdadeira vitória para todos eles.
- Um, dois, três.
Vitória, Vitória vai começar a história!
- Faltam três semanas para nós estrearmos,
não sei se temos todos consciência disso, temos?
- Eu estou a gostar muito. Foi a primeira vez que participei
num teatro de rua. Para mim era uma novidade.
Estou a gostar muito e acho que todo o mundo também.
- E agora, siga para bingo!
- E também é um dos nosso objetivos,
que é nós cruzarmos pessoas que à partida
não se cruzariam, ou não se conheceriam, certo?
Um dos pontos da nossa peregrinação diária ou semanal
é esta estação, é virmos aqui reunirmo-nos todos.
- Isso é importante. São amizades que fazemos.
- No ínicio, foi mais uma curiosidade,
mas a partir da segunda, terceira vez,
foi saber que aqui se aprendia
cultura, humanidade, camaradagem.
- Deste mapa todo da freguesia, nós só estamos a trabalhar
neste cantinho pequenino aqui, ok?
Que é qual cantinho? Começamos no miradouro,
isso vai ser igual. Depois descemos a Rua da Bataria, igual.
Vamos pela Rua da Vitória, igual, exatamente.
Vamos até à Rua das Taipas.
No dia 14 de agosto acabou aí, agora
vamos continuar. Vamos pela Rua das Taipas,
vamos pela Rua de São Miguel e acabamos novamente no miradouro,
ou seja, vamos fazer um círculo, ok? Para dar esta ideia de que
a peregrinação... Nós começamos no miradouro,
acaba no miradouro e a peregrinação continua para além de nós.
- Se entrei neste espetáculo, foi precisamente com vontade própria.
Ninguém me mandou, porque não há quem me mande
fazer isto ou aquilo. Eu é que vou por minha
livre vontade. Possivelmente, foi alguma luz
que me apareceu e que me disse:
Segue essa estrada, segue. Afasta-te só é das pedras
mas segue essa estrada.
- O espetáculo, para vocês terem consciência,
vai ter cerca de cento e oitenta pessoas a participar.
Então vai ser uma coisa um bocado grande.
Vocês são, digamos, cerca de sessenta, que são os dois grupos
da tarde e da noite, com quem nós temos estado a trabalhar
durante mais tempo e que na verdade, deram todas as ideias
para fazer o espetáculo. A este grupos vão-se juntar
os Som da Rua, que nós também já vos tínhamos dito,
que vão fazer a parte musical do espetáculo.
Vamos ter a participar também, uma tuna universitária, isto
porque a reitoria da universidade fica aqui também na Vitória
e havia aqui muita vida de estudantes na Vitória, então vamos ter uma tuna.
- Vamos ter os tropas. - Os tropas.
- Lembram-se porquê? - Que é para ligar aquela história de quê?
- Nas ruas da Vitória descobrem-se tropas que partem para a guerra.
- É verdade, ou não? - Foi verdade.
- Eram os mancebos, certo?
- Não só os tropas, também os presos. - Exatamente.
Aqui era a partida das camionetas?
- Não, eles acho que vinham acorrentados,
histórias que a gente ouve... - Claro.
- lam acorrentados pelos pés até à Estação de São Bento,
para os levarem.
- Olhar para a frente.
- Ok, agora não convém rir, porque vocês vão partir para a guerra.
- Aqui era onde os tropas partiam para a guerra colonial, ok?
Então ela vai estar, simbólicamente, a representar uma mãe
ou uma esposa que está a despedir-se, ok?
É importante vocês sentirem a coisa desse ponto de vista.
- Quando chegam ali ao meio, já podem ir arejar.
- Então, nós estamos a fazer uma peça de teatro
e gostavamos muito que vocês participassem
no nessa peça de teatro, com os vossos papagaios.
- Adoras teatro? - É boa ideia, ou não é boa ideia?
Uma mãozinha à frente outra mãozinha à frente...
- Sa todos conseguirem entrar no espetáculo, fantástico.
- Isso é que temos que ver com os pais. - Fazem parte do grupo
e só dez é que veêm com os papagaios, não há problema nenhum.
- Tudo a olhar para mim e em silêncio. Já estamos a treinar.
- O meu nome é José Brochado. Estou na Vitória há trinta e oito anos
e esta é a minha bengala que me ajuda a percorrer
os caminhos da Vitória. E estes são os meus netos.
Espero que um deles continue este trabalho
e vou deixar ficar o meu testemunho
ao meu neto mais velho.
- À primeira estação, que é no miradouro, vamos chamar Acolhimento,
que é o acolhimento aos peregrinos,
é receber os peregrinos. Numa segunda estação,
que é na Rua da Vitória, vamos chamar Provação,
vais ser a nossa chamada rua negra, ou seja,
a Rua da Vitória vai estar toda vestida de ***.
Vai ter mantas pretas nas varandas,
nas janelas, vamos continuar a pedir às pessoas para trazerem
os candeeiros para a rua, para a entrada das portas,
ou seja, é como se nós começassemos a caminhar e ainda tivessemos
que limpar todas as cargas negativas que nós temos, passar obstáculos.
É o momento de provação, na rua negra.
- Pedras no caminho guardo todas.
Um dia vou construir um castelo.
- O que é que vocês acham que significa esta frase?
- As dificuldades que nos fazem crescer. - Exatamente. Ouviram?
Todas as dificuldades que nos fazem crescer,
ou seja, nós encontramos pedras no caminho,
obstáculos, mas eu pego na pedra, ponho aqui na bagagem
e siga, que o futuro está lá à frente.
Isto faz sentido, ou não?
- Então vamos fazer o seguinte: A mãe está cheia de pedras no avental
e vai passar estas pedras ao filho, pobre coitado,
para ele pôr na mala, porque vai emigrar.
- Ser peregrino, é ter o peito a arder
numa angústia, profunda e dolorida,
numa ansiedade que é de entontecer
pela conquista porém, de uma outra vida.
(música)
Para quê caminhos do mundo?
Para quê, se a Terra é redonda?
Para quê caminhos do mundo,
para quê andanças sem fim,
para quê caminhos do mundo,
para quê andanças sem fim?
- E vai gente! Força!
Para quê caminhos do mundo?
Para quê, se a Terra é redonda?
Para quê caminhos do mundo,
para quê andanças sem fim?
Para quê? Para quê?
- Salvo o erro, não vive lá ninguém. - No andar de cima, não vive ninguém?
- Acho que não, está para arrendar.
- Se tivermos ali uma pessoa em cima, aquilo é só fazer assim,
ele passa, pousa na carroça...
- Porque o público vai estar a vir de cima e então
de repente, a senhora atirar um balde de água...
As pessoas vão estar mais para trás, mas depois vão haver umas raparigas
a varrerem e a limparem esta rua.
- Olá. - E estamos a pedir para que as pessoas
coloquem candeeiros nas portas das casas.
Vão haver apontamentos de luz. - A ideia é que a rua fique toda negra...
- E depois, pendurar nesses estendais coisas pretas, se não tiver, nós temos.
- Pronto, como resposta ao mestre de cerimónias,
fala o indigente que está ali nestas varandas.
Fala e entretanto a cena passa para aqui,
eles levantam uns paus com uns objetos
e depois a dona Elisa, lá em cima, fala.
- Na sociedade em que eu vivi, que os meus pais eram muito ricos,
eu ia vender boinas, ali para a Praça de Lisboa,
é certo, com o dinheiro que eu ganhava comprava tecido,
fazia um vestido, juntamente com a minha colega,
estreava o vestido ao domingo, à segunda feira ia trabalhar
com a roupa que tinha antes, quando chegava à noite
abria a porta do guarda fatos e o vestido já não estava lá.
Eu tinha-o sujado e ele ia para limpar a seco, para o prego.
- Mãe, o meu vestido? - Está no senhor Silva.
E assim se passava todas as semanas.
- Mas ao domingo ele aparecia, outra vez?
- Ao domingo ele aparecia para vestir e só à segunda é que ia para o prego?
- Fazia outro.
- Nós tínhamos pensado fazer uma coisa que tem a ver com o momento
que nós estamos a viver. Na verdade, Portugal está no prego.
Essa história, Elisa, remete exatamente para esta questão, de apesar do caminho
ter momentos muito duros, há uma maneira de resolvê-los.
- Sempre. - Como resolvia fazendo outro vestido
e é isso que interessa aqui do ponto de vista da mensagem
que nós queremos passar ao público, não é?
- Nós sentimos que também, de certa forma, era importante
neste cruzamento entre o passado, o presente e o futuro
encontrar aqui alguns links sobre o momento
que nós estamos a viver. E é por isso que aparecem...
É muito curioso que isso apareceu logo nas primeiras conversas
que nós tivemos aqui, nos primeiros passeios
quando passamos ali na Rua de Trás,
com as lojas todas de penhores e percebemos:
- Ok, isto são os homens da Troika da atualidade.
- A crise está a obrigarnos, de certo modo, a vivermos em comunidade.
Já nos está a obrigar aquilo que havia aqui há uns cinquenta anos atrás
da vizinha bater à porta da vizinha: - Ó Maria, não tens aí
uma colherzinha de açucar para o leitinho do meu menino?
Isso foi-se perdendo, as pessoas começaram a ter outro estatuto
e agora está-se a recuperar esse tipo de comunidade,
que não é essa que eu gosto,
não é a essa que eu me refiro.
- Ótimo, pode ser agora a olhar para cá, por favor?
Com cara de homem da Troika, de quem vai roubar tudo
o que os portugueses têm. Não vai sobrar nada.
- Na minha vida nem sempre a bússula se atrai ao mesmo norte.
- Um, dois, três, quatro, cinco, seis.
- Era sempre assim. À segunda feira,
o vestido ia sempre para o prego.
- Vira. E sai.
Vão mesmo agora.
Último olhar para trás, por cima do ombro.
Não é o corpo todo, só a cabeça. E vai.
- Se não pusermos um travão vamos a caminho daqueles tempos.
Se não houver quem trave. As manifestações, tudo isto serve
para conter um bocado esse ímpeto do governo de Iançar isto
ao que era antes do 25 de Abril, não pode ser.
- Vão ser sugados, por assim dizer. Vão ser puxados
por uns chamados homens de ***. - E vocês perguntam:
- Quem são os homens de ***? - Quem são os homens de ***?
- São os senhores Silvas da atualidade.
- Palma, objeto, puxar, puxar.
- Boa, fantástico!
- Os homens de *** que aparecem e levam este vestido
retiram este vestido a esta criança, que agora já é adulta,
e que ao mesmo tempo também retiram estes objetos simbólicos
- Como o bacalhau, que simboliza a questão da comida,
do passar fome, as latas dos rebuçados da Vitória
que havia aqui antigamente uma fábrica que fazia rebuçados
e marmelada e geleia, etc. Essa lata também está presente
É um dos objetos que é roubado à comunidade, que é roubar
a doçura, a inocência. - A memória, também.
- A meninice, também. - A bandeira de Portugal.
O país que está a ser penhorado. - Está no prego. Portugal está no prego.
- Temos uma gaiola, que também é um dos elementos muito presentes
nas varandas aqui da Vitória. - Tem a ver, também com esta prisão
com este sistema a que nós estamos presos.
- Temos alguns cartões de crédito e notas.
- Depois ela pode subir para treinar o texto da janela?
Para ela se ambientar, treinar falar cá para baixo, para o público.
que vai passar aqui. Pode ser, Joel?
- Pode. - Ok, então até já.
- Eu não quero que fique aflita com o papel.
Você é a pessoa que de nós todos sabe melhor a história.
Sabe melhor que o público todo. Conte-nos.
Interessa-me mais que essa história seja emocionante
do que diga cada palavra que está lá.
- Eu vou dizer, Ulisses, depois viro-me, tu geres o teu tempo e depois dizes
como tinhas dito.
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
redemoínhar aos ventos como farrapos,
arrastar os pés sangrentos, a ir por aí.
- Na minha vida, nem sempre a bússula se atrai ao mesmo norte.
- Na minha vida, nem sempre a bússula se atrai ao mesmo norte.
- Na minha vida, nem sempre a bússula se atrai ao mesmo norte.
- Tenho medo das minhas netas irem enfrentar um mundo
egoísta, virado só para eles, não olhando para o lado,
não vendo quem vai ao nosso lado.
Eu tenho medo das minhas netas irem enfrentar isso.
- Para quê caminhos do mundo?
- Para quê se a Terra é redonda?
Para quê caminhos do mundo,
para quê andanças sem fim?
- Agora cada uma para o seu lado.
- Fala, fala, fala.
- As palavras deles estão lá, em primeiro lugar, isso é obvio.
pelas histórias todas que eles contam, mas depois, porque não irmos buscar
também outras palavras, de outras pessoas
que querem dizer a mesma coisa que nós dizemos?
Porque é que também não nos podemos apropriar disso, ou será que essas palavras
são só para os intelectuais e para os grandes pensadores
que este país tem aos magodes?
Ou podem ser palavras que todos nós podemos utilizar?
- Eu Salvador José da Costa, quero dizer-te a ti,
Salvador José da Costa, que fui feliz no meu caminho.
Fui pai, marido, amigo, amante, bairrista, sedutor, adepto, caldeideiro,
crente, perdedor, guloso, questionador, seguro,
desafiador, indeciso, poeta, sonhador.
Como é possivel um cidadão possuir tantos adjetivos?
- Um, dois, três. Espere. Deixe ser visto pelo público e agora.
- Que lindo vestido. Era uma vez uma menina
que gostava de andar vestida como as outras amigas.
- Olh'ó caminho! Olh'ó caminho! Olh'á Força! Olh'ó pé! Olh'á fé!
- Ide, tendes estradas. Ide, tendes jardins.
Ide, tendes canteiros. Ide, tendes pátria.
Ide, tendes tetos. Ide, tendes estradas.
- A nossa vida é um pouco de poemas, é feita com um pouco de poemas.
A gente às vezes é que não se apercebe.
Mas, a nossa vida, a vida do ser humano
é um pouco de poesia e de romance.
E depois chegamos aquela parte em que também entramos
um bocado pela comédia.
Aqui, neste espetáculo nós conseguimos isso.
- Eu amo os desertos! - E as torrentes!
- Eu amo o longe! - E os desertos!
- Isso! E os abismos! Eu amo os abismos!
- Amo as torrentes. O que é que quererá dizer isto,
amo as torrentes?
- Pode simbólicamente, simbolizar uma tempestade que nos quer
impedir de continuar a viagem, mas nós lutamos
e conseguimos ultrapassar isso. - Exatamente.
- Quem se aventura para o longe, para a miragem, para os abismos,
para as torrentes e para os desertos, essa pessoa é ou não é corajosa?
- É. - Tem de ser.
- Porque vai caminhar para o quê, para onde? - Para o incerto.
- Se vim ao mundo foi só para desflorar florestas virgens.
- Se vim ao mundo foi só para desflorar florestas virgens.
- Eu amo o longe, eu amo a miragem,
eu amo o abismo, as torrentes e os desertos.
- Vamos aproveitar a forma dali dos cruzamentos, na Rua das Taipas,
e chamam-se mesmo, Cruzamentos, que é quando tu estás desorientado,
não sabes ainda qual é o caminho que vais escolher.
- Passamos para a Rua de São Miguel, que será a rua do nosso sentido,
depois daqueles cruzamentos escohemos um,
e seguimos pela Rua de São Miguel que será a chamada Rua Branca.
A rua estará vestida agora de branco.
Encontramos uma orientação, encontramos o nosso norte.
- Quando quiser, pode começar.
- O público chegou... - E eu começo.
- Parte da minha infância foi passada na freguesia da Vitória,
entre Cedofeita, Carlos Alberto e a Praça dos Leões.
Esta zona tinha muito movimento. Era ponto de encontro de turistas
saídos de São Bento, de estudantes, vendedeiras de miúdezas e flores,
e gente que passeava entre os cafés Luso e o Piolho.
- Quem é que aqui se lembra de ver enrolar os rebuçados da Vitória?
- Aquilo eram sempre dois papeis. Um deles era...
- O cabrito. - E porque não o bacalhau
ou a cobaia, menina? Porque é que era logo o cabrito?
Eram uns cromos, chamados cromos naquela altura,
e depois era o papel do rebuçado. Era quase como meio sustento
de muitas famílias aqui na Vitória.
Era a televisão da época, embrulhar rebuçados.
- Então, nós queríamos representar isso, ou seja,
vai haver uma porta de uma casa que vai estar aberta,
ali na Rua de São Miguel e aí estaria uma mãe
a enrolar os rebuçados com os quatro filhos.
- E porque não o pai, também?
- É à noite. - Posso, eu moro perto.
- Assim, fazemos de conta
que era o marido dela. - Exatamente.
- Está bem. - Enquanto está ali a trabalhar,
ela pode dizer: - Deixa o teu pai estar sossegado.
- Posso estar aqui a fazer de figurante. - Maravilhoso.
- Não pode comer. Pouco barulho que o pai
está a trabalhar.
- Ele zanga-se... - Ai, como eu gostava das vendedeiras!
Davam alegria à praça, enchiam-nas de côr e de voz.
Vai violetas! - Olh'ó peixe fresquinho do nosso mar!
- Isso!
- Este trabalho tem permitido tu viveres a rua,
tu te relacionares com cada casa,
com cada varanda, com a casa onde a senhora
vai dizer adeus aos tropas com o lenço,
com a casa onde a senhora vai atirar o balde de água.
com aquele cantinho onde aqueles quatro senhores,
na associação recreativa costumam estar a jogar à sueca.
- E aproveitamos já para este espetáculo, também.
- Eu acho que esta fronteira,
absolutamente frágil entre o que é teatral
e o que é a realidade, é uma das mais valias deste trabalho.
- Ali vai haver um chafariz e vai estar ali uma menina que vai dizer:
- Aqui vai água! E Iança água para o chão.
Nessa altura, a senhora lá de cima, atira um balde de água cá para baixo.
Aqui vai água!
- Acaba com o senhor Basto a fazer a cena final,
que na verdade o senhor Basto é um dos seus netos
aos oitenta e tal anos. - Exatamente.
- Com o monte das pedras todas ao lado,
e acaba exatamente a dizer esta frase do Fernando Pessoa.
Então, o que nós agora precisavamos de perceber aqui,
é qual o seu neto...
O Mateus acho, que se calhar é muito complicado.
- O Gabriel? - O David ou o Gabriel.
- Qual é o mais sossegado? - O David, o David.
- Você é que sabe. - É o David.
- Ficas com muitas vertigens aí em cima? - Não.
- Vamos imaginar que o público está ali dentro, está bem?
- Eu sou o público. - Estás a olhar para a Maria.
- E agora, em camara lenta, vais fazer esse caminho
e páras onde está cada pedra...
- O senhor Basto tem pedras, assim destas, em cima do muro
e a ideia é, que o senhor Basto coloque três pedras,
acrescenta três pedras a esse monte de pedras.
E só depois diz: - Pedras no caminho...
- Pedras no caminho? Guardo todas, um dia
vou construir um castelo.
- Pedras no caminho são os nossos obstáculos,
aquilo que nós encontramos de mal na nossa vida,
então nós para conseguirmos ultrapassar esses obstáculos
que entre aspas, são as pedras no caminho,
vou usar a expressão, damos um pontapé,
levantamos a cabeça para cima e seguimos em frente
ou ficam lá e desistimos e ficamos sempre mal.
- Pedras no caminho, são as nossas tristezas e felicidades
que apanhamos ao longo do caminho da vida.
Construir um castelo com elas. é tipo a reforma,
é construir o nosso Eu, construirmo-nos a nós.
(música)
- Olh'ó caminho, olh'ó caminho, olh'ó caminho, aqui está o que ele é,
Olh'ó caminho, olh'ó caminho, olh'á força, olh'ó pé e olh'á a fé.
- Olh'ó caminho, olh'ó caminho,
olh'ó caminho, aqui está o que ele é,
Olh'ó caminho, olh'ó caminho, olh'á força, olh'ó pé e olh'á a fé.
- Este é teatro de rua, mas no teatro de palco
também fazem os espetáculos, a missão deles,
o intuito deles é ver se conseguem
mudar a mente de certa gente, não é?
Porque o que é que a gente aprende no teatro?
Aprende tudo aquilo que é útil e aquilo que é bom.
Aquilo que realmente pode iluminar a estrada da vida.
- Começamos nós... Com a boca fechada.
(música)
- Ajuda-nos de certo modo, a fantasiar algumas realidades,
e nós não podemos estar constantemente,
com as realidades na mente,
porque senão, acabamos todos no Magalhães Lemos,
que é um hospital que há ali na Circunvalação.
- Também não podemos fantasiar tudo, é verdade.
Nos momentos e na hora certa temos que estar lá.
- No final do espetáculo, no miradouro, toda a gente
vai estar a mirar o mundo, ok? - Ou o Douro, neste caso.
- Quando o público entra no miradouro
toda a gente que participou neste projeto
está a mirar o mundo, de costas para o público.
Está a ver a paisagem.
- E o senhor Basto, vai estar ali do lado direito, não é?
Eles vão baixar um bocadinho a música
o senhor Basto tira, no seu tempo, a carta,
lê a carta coloca depois de dizer,
eu fui um buscador, coloca as três pedras
e depois diz a frase do Fernando Pessoa, ok?
- Eu vou-lhe dizer agora quando é que é.
- E eu estou a falar e eles ouvem-me?
- Exatamente, está tudo a ohar para si nessa altura, senhor Basto.
- Também é uma forma de chamar a atenção às pessoas
para os problemas, que muita gente não entende
que o teatro tem essa função.
- Agora começamos a ouvir a marcação e...
um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito
(música)
- Desde que trabalho com a Pele que ouço isso, que é,
o chegar a uma comunidade e agitá-la e vir embora.
Isso é o mais fácil, chegar à comunidade
agitá-la e vir embora. Agora, e nós temos essa atenção
de colocar mesmo na sinopse.
O final da sinopse é: - E agora, qual é o futuro
do Teatro Comunitário da Vitória? Que isso é o mais difícil.
Não é? - Claro.
- Fazer o espetáculo é difícil, mas é um prazer
mas agora, como é que é? Daqui para a frente,
chegamos à quinta estação, não é? Que é o miradouro.
Começamos no miradouro, acabamos no miradouro
e agora estamos a mirar o quê?
- É um caminho a seguir. Porque esse caminho
não tem fim. Teve princípio,
mas nunca tem fim. O fim é quando a gente desiste.
E quando a gente desiste é sinal que morremos.
É o nosso fim!
- Aquelas pedras, eu um dia irei construir um castelo.
- O que é que isso significa? - Significa que um dia
posso vir a ser um profissional de teatro de rua.
- Temos de ser lutadores, também sonhar,
e seguir em frente, que é o mais importante.
- Espero bem que continue.
Isto também nos ajuda um pouco, porque realmente não era aquilo
que a gente sonhava e agora já se vê
que nós já estamos no Facebook, nos jornais,
já somos um pouco populares. Já é otimo para a sociedade
nos conhecer hoje em dia.
- A ideia é que este trabalho possa continuar,
nem tem que ser com a Susana ou comigo,
tem que ser como o grupo decidir,
e aliás o grupo já vai perguntando isso, não é?
- Ah, mas isto está quase a acabar. - Não, não. Isto está quase a começar.
É um bocadinho essa a lógica que nós desde o início
temos tentado explicar às pessoas.
- Digo muitas vezes e repito,
fiquei muito mais rica, muito mais humanizada,
muito mais...
enfim, não sei explicar mais o que hei-de dizer.
Eu sinto mais, mas não sei expressar.
- Que os vossos caminhos sejam firmes!
- Comigo, caminham
todos os mortos que eu amei,
todas as amizades que se afastaram,
todos os dias felizes que se apagaram.
- Não sei caminhos de cor.
(música)
- Para quê caminhos do mundo?
Para quê se a Terra é redonda?
Para quê caminhos do mundo,
para quê andanças sem fim?
Para quê? Para quê?
- Aqui vai água!
- Aqui vai água!
- Para quê caminhos do mundo?
Para quê se a Terra é redonda?
Para quê caminhos do mundo?
- Ser peregrino é ter o peito a arder
numa angústia, profunda e dolorida,
numa ansiedade que é de entontecer,
pela conquista, porém de uma outra vida.
- Caminho passo a passo
páro, respiro, fé.
Caminho passo a passo
páro, respiro, fé.
Caminho passo a passo
páro em cada estação.
Caminho passo a passo
páro em cada estação.
- Ó mãe, o meu vestido?
- O teu vestido? Foi para o prego.
Está no senhor Silva.
E era sempre assim quando eu fazia um vestido novo,
la para o prego.
(música)
- Cheguei a meio da vida
desta longa caminhada,
estou cansada,
não vencida.
Se respiro tenho vida,
não posso ficar parada.
Cheguei a meio da vida
desta longa caminhada.
- Dez euros, dez euros ali!
- Oha os cinquenta e cinco! Olha os sessenta!
Olha setenta e cinco dá aquele senhor ali atrás!
Olha oitenta, lá em baixo!
Noventa ali, já vai nos noventa! Olha cem, olha cem!
E cem vai um, cem vai dois, cem vai três,
vendido. Vendido ao chinês!
É verdade, os chineses compram tudo!
(música)
- No morro da Vitória passam-se momentos incriveis
momentos de glória.
- Vitória, Vitória,
conta a tua história, baila a roupa na varanda.
Grita golo à janela, chama a vizinha do lado,
á Oriental vou com ela.
Vitória. Vitória,
conta a tua história, baila a roupa na varanda.
Grita golo à janela, chama a vizinha do lado,
á Oriental vou com ela.
- Para quê, caminhos do mundo?
Para quê, andanças sem fim?
- Para quê, caminhos do mundo?
Para quê, se a Terra é redonda.
- O monumento mais querido da freguesia da Vitória
e de qualquer outra freguesia,
e de todo o nosso Portugal,
não são pedras sobre pedras,
essas serão o nosso futuro castelo,
é o povo. O povo da Vitória,
é o monumento mais querido e mais rico
que nós temos.
- Pedras no caminho?
Guardo-as todas.
Um dia vou fazer um castelo.