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Mil novecentos e sessenta e quatro
foi o ano em que ocorreu a revolução militar
comemorávamos a "revolução" na escola
cada ano no dia 31 de março
quando criança, eu não tinha nem ideia do que era uma "revolução"
mas devia ser uma coisa boa
porque era feriado na escola.
Eu nasci nesse ano.
Eu era o caçula
entre os quatro filhos
e essa
era a minha família.
A minha cidade natal
é Piquete
uma cidade situada aos pés da Serra da Mantiqueira
a 200 km de São Paulo
Eu me lembro de uma infância agradável
com muitas árvores ao redor,
nadando no rio e muito cantata com a natureza
era um lugar bonito.
Havia uma fabric de pólvora lá,
onde o meu pai trabalhou durante 40 anos
e nós morávamos dentro dos limites da fábrica
era uma zone militar
com acesso controlada com barreiras.
Nós vivíamos de certa maneira protegidos dos perigos do mundo
do mundo exterior
lá as crianças podiam ser bem educadas nas virtudes da obediência ao governo,
amor pela patria,
temor e respeito pela mão misericordiosa do nosso amado presidente
seja lá quem ele fosse
as crianças do país
as sementes do futuro
Brasil
costumávamos louvar
com tanta boa vontade os símbolos nacionais cantando o hino nacional
cada dia
antes e depois das aulas
isso era virtude
então
podíamos desfrutar do cinema cada semana
com a vantagem de que antes de cada filme
podíamos assistir as notícias sobre a semana do Presidente
e os seus nobres feitos pelo progresso do país
e ver as últimas notícias sobre
a paixão mais ardente do país:
o futebol.
Aquela era uma vida plena de ordem e de progresso
como indica a faixa escrita na bandeira do Brasil.
Eu não gostava de futebol
- pra falar a verdade -,
mas eu gostava de ir
esperar o Papai Noel
e toda a sua côrte de fadas e anões
Eu gostava de ir ver a chegada deles
num ***ão aberto
puxado por uma
locomotive a vapor no dia de Natal
Aquilo era fantasia
ou podíamos assistir a sua espetacular aterrissagem de helicóptero do exército
no meio do campo de futebol
com fadas
jogando balinhas para as crianças embaixo
Eu adorava acima de tudo o fato de existirem trens e helicópteros
que podiam ir muito longe, além das fronteiras da cidade.
Uma vez perguntei à minha mãe
para onde vão os avôs quando morrem.
Seguiu-se um silêncio.
Minha mãe trabalhava muito duo costurando e na verdade ela não tinha muito tempo para minhas perguntas tolas.
e se...
as cegonhas nos trouxeram de volta ao polo norte quando chega a nossa hora?
Eu gostava de brincar
no jardim na frente da nossa casa
onde um jardineiro costumava trabalhar cada dia
tirando as ervas daninhas
era um homem *** e já idoso.
Eu gostava de conversar com ele e ajudar-lhe a tirar as ervas daninhas.
Uma vez lhe perguntei sobre os avôs.
Ele me disse
Sempre quando você tiver perguntas importantes
pergunta a uma árvore,
um dia você talvez receba uma resposta
e eu me lembrei
que me haviam dito para não conversar com cachorros
porque se algum dia ele me respondesse
eu morreria imediatamente.
Nunca se sabe.
Uma tarde aquele homem veio à nossa casa e me trouxe o seu banquinho,
pois ele não ía precisar mais dele.
Essa foi a última vez que o vi.
Ele virou mais um avô desaparecido…
Um dia eu estava brincando no jardim e ouvi uma explosão ensurdecedora.
As pessoas saíram das suas casas, chorando, gritando desesperadas.
Acidentes acontecem quando se manipula nitroglicerina, aprendi alguns anos mais tarde.
Ficamos contentes que o nosso pai voltou pra casa aquele dia.
Nem todos os pais voltaram às suas casas na nossa rua aquele dia.
Não sei dizer quantos caixões contei no funeral colectivo alguns dias mais tarde.
O dia em que assistimos à chegada do homem à lua
foi um dia especial.
Seria aquela mais uma evidência do que havia mais além das fronteiras da zona militar?
Ninguém, nem cachorros, nem árvores
ninguém me responderia aquele pergunta.
A resposta está lá fora.
À idade de once anos eu vi o oceano
pela primeira vez.
As suas águas cristalinas nos permitem
ver o fundo das profundezas
e distinguir tudo o que jaz debaixo da superfície.
As minhas fronteiras eram definitivamente mais amplas, então.
Muitos enigmas já estavam resolvidos naquela época.
Eu sabia que as palavras não significam o mesmo para todo o mundo.
em todas as ocasiões.
e definitivamente eu precisava aprender a fazer as perguntas corretas
se eu quisesse
obter as respostas correctas.
O nome da minha cidade é verdade. A viagem à lua é verdade. A história política do Brasil é verdade. Minha família é verdade.
Então se a verdade existe, Essa história é verdade.