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Na tarde de 13 de agosto chega a Pequim João Goulart,
vice-presidente da República dos Estados Unidos do Brasil.
Sou portador de uma mensagem ao povo chinês,
mensagem de amizade do povo brasileiro.
Estou certo de estar contribuindo para a maior aproximação dos nossos povos,
que podem e devem ser bons amigos.
Zhou Enlai, primeiro-ministro do conselho de estado,
entrevista-se com o vice-presidente João Goulart.
Liu Shaoqi, presidente da República Popular da China,
recebe o vice-presidente João Goulart.
Os hóspedes de honra visitam o museu de história da revolução chinesa.
Estes caracteres chineses dizem:
" distribuamos a terra a golpes de machado,
inauguremos um novo mundo;
e a golpes de foice, cortemos o universo velho."
No dia 23 de agosto, o vice-presidente João Goulart
termina a sua visita à China e parte de Cantão para regressar ao Brasil.
Xeng Xeng, vice-governador da província de Guangzhou,
e outros dirigentes da província e da cidade,
assim como multidões cheias de emoção,
despedem-se dos hóspedes de honra na estação ferroviària.
Se estendem cada vez mais a amizade, a unidade e a cooperação
entre os povos da China e do Brasil.
Felicidades ao povo brasileiro.
Boa viagem aos hóspedes de honra.
Passava pouco das 6 horas da manhã
quando o presidente Jânio Quadros, como de hàbito,
trancou-se em seu gabinete.
Naquele dia, porêm, ele rascunhou os termos de sua renúncia,
que horas depois encaminharia ao Congresso Nacional,
despertando os políticos de uma sonolenta sessão de sexta-feira.
Sem que nada em sua expressão ou nos seus gestos traísse a decisão tomada,
Jânio compareceu à cerimônia do dia do soldado.
Vencido pelo que chamou de " forças terríveis" em seu bilhete de renúncia,
foi fotografado pela última vez como presidente ao lado das " forças ocultas" .
O ministro da marinha Sílvio Heck soou o alerta:
dar posse ao vice-presidente João Goulart era levar o país a uma guerra civil.
Estava montado o cenàrio para o golpe.
Eu fui cientificado da renúncia
por um telefonema do chefe do cerimonial
da presidência da república, ministro Macedo Soares.
E imediatamente me ocorreu a idêia de reunir no ltamaraty
aqueles amigos que eu pudesse convocar imediatamente,
a fim de que nós prestàssemos uma homenagem ao presidente que se retirava.
E felizmente essa idêia teve sucesso,
porque reuniram-se no ltamaraty não apenas meus amigos pessoais
como aqueles diplomatas que estavam então no Rio de Janeiro.
Havia poucos em Brasília, a mudança da capital era recente,
e muitos funcionàrios.
Funcionàrios desde os mais humildes, os porteiros, os contínuos,
os motoristas do ministêrio,
atê aqueles de representação profissional que se encontravam no Rio de Janeiro.
Então nós abrimos um champanhe em homenagem ao presidente
e, como uma espêcie de conservadorismo tradicional,
oferecendo aos presentes a última recepção do ltamaraty.
Ele recebeu a notícia em Cingapura,
no hotel Raffles, pela madrugada.
Uma agência telegràfica americana telefonou e queria que ele dissesse
alguma coisa sobre a renúncia do Jânio Quadros.
Renúncia que ele soube naquele momento da notícia.
Ficou surpreendido.
E me recordo, quer dizer, soube depois,
que um dos acompanhantes, participantes desta missão,
que era o senador Barros de Carvalho, do PTB,
ele logo disse: " Dr. Jango, vamos abrir uma champanhe
para comemorar o futuro presidente."
Mas o Jango era um homem muito precavido,
um homem muito com o pê no chão.
Ele disse: " olha, Barros, se você quer tomar champanhe
não hà inconveniente, vamos mandar buscar uma champanhe no bar.
Agora, não pra comemorar a minha chegada à presidência,
mas sim em homenagem ao imprevisível."
São Borja, cidade de fronteira, Zona das Missões,
ê berço e túmulo de dois presidentes:
Getúlio Dornelles Vargas e João Belchior Marques Goulart.
O quarto de João Goulart na Granja São Vicente
guarda as lembranças de sua vida pública, iniciada pelas mãos de Vargas.
Os 17 anos que separam sua estrêia como deputado em 1947
e sua deposição como presidente em 1964,
só amadureceram o sentimento nacionalista e o compromisso com a justiça social,
razões trágicas do destino comum destes dois homens.
Ao disparar um tiro contra o peito na manhã de 24 de agosto de 1954,
Getúlio Vargas acabou com a própria vida
e tambêm com os planos dos adversàrios que buscavam o caminho do poder,
na trilha aberta por um golpe de estado.
Tudo mudou naquelas horas que separam o suicídio de Vargas
e a deposição, exigida na vêspera por um ultimato militar.
Ao embarcar para Porto Alegre para o enterro do amigo,
Jango levava consigo a carta-testamento e a herança política de Getúlio.
Nascido a 1º de março de 1918,
Jango, sêtimo filho do casal Vicente e Vicentina Goulart,
ricos proprietàrios de terras,
teve uma convivência espontânea com os peões da fazenda.
A juventude passada em Porto Alegre
foi dividida entre a alegria da vida boêmia e os rigores da academia.
No país dos bacharêis, tambêm formou-se em direito
e fez ràpida escalada política.
Deputado estadual em 1947, Federal em 1950,
secretàrio de interior e justiça no Rio Grande do Sul,
presidente nacional do PTB.
Em 1954, quando Getúlio precisou trocar os acenos
por compromissos com as classes trabalhadoras,
Jango saiu da sombra, convocado para o ministêrio do trabalho.
Lado a lado no ministêrio sentavam-se personagens da Velha República,
companheiros de Getúlio da revolução de 30, experientes políticos.
João Goulart, aos 36 anos,
representou o desejo de Vargas de injetar sangue novo na política brasileira.
Jango assumiu o ministêrio quando os marítimos, em greve,
lutavam por melhores salàrios.
Mediou o conflito favorecendo, com a sua influência,
as reivindicações dos grevistas.
Para comemorar o 1º de maio, preparou um presente justo para os trabalhadores:
o aumento de 100% no salàrio-mínimo.
Getúlio concedeu o aumento mas demitiu Jango,
porque o reajuste salarial acendeu o rastilho de uma crise militar,
que explodiu em um manifesto assinado por 42 coronêis.
O Brasil e o exêrcito hà muito tempo vinham acompanhando a luta ideológica.
E essa luta ideológica tomou um impulso muito grande
quando o Sr. João Goulart foi ministro do trabalho de Getúlio.
Ele, cercado por elementos de esquerda no seu ministêrio,
começou a tomar medidas que preocuparam os chefes militares.
E os coronêis, acompanhando o quadro brasileiro,
resolveram dar um alerta a seus chefes militares, generais,
e escreveram um manifesto.
Com a finalidade de mostrar esta preocupação
e o caminho que o Brasil estava seguindo para a sua esquerdização.
Esta ê a finalidade do manifesto.
Este manifesto foi escrito por um conjunto de militares
na Escola Superior de Guerra e no Estado Maior do Exêrcito.
O redator foi o General Golbery.
O homem que mais articulou foi o então general Ademar de Queiroz.
A campanha contra Getúlio foi implacàvel.
Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente,
tentou calar a oposição a bala.
O atentado, que feriu o jornalista Carlos Lacerda
e matou o major da aeronàutica Rubens Vaz, na madrugada de 5 de agosto,
facilitou a conspiração contra o governo.
O desfecho dramàtico da crise, com o suicídio do presidente,
tirou dos conspiradores o sabor da vitória.
Candidato derrotado ao senado em 1954,
nas eleições de 1955, Jango trouxe os votos da àrea trabalhista
que o elegeram vice-presidente
e levaram Juscelino Kubitschek à presidência da república.
Antes da posse, o casamento.
Em 12 de maio de 1955, Jango casou com Maria Teresa Fontela,
gaúcha, tambêm de São Borja.
Na vice-presidência, foi o avalista do sorridente JK junto à classe operària.
Garantindo a estabilidade necessària para JK aplicar o seu Plano de Metas
e acelerar a industrialização,
o apoio político do PTB resguardou o salàrio e a liberdade do trabalhador.
Aberto o caminho da pacificação,
funcionam no Brasil as regras constitucionais.
No exercício da presidência, assumida durante as viagens de JK,
Jango somou a pràtica da administração à sua experiência política.
A visita à União Soviêtica no final de 1960
fez do vice-presidente João Goulart o primeiro dirigente latino-americano
a furar a barreira ideológica armada pelo ocidente em torno de Moscou.
Recebido por Alexei Kosygin e Leonid Brejnev,
altos dirigentes soviêticos,
ampliou os horizontes políticos do Brasil.
Rompendo o alinhamento automàtico com os Estados Unidos,
projetou o país na vanguarda das nações não-alinhadas.
Jango não poderia ir à União Soviêtica sem ver o túmulo de Lênin,
herói da revolução comunista de 191 7.
A visita protocolar impressionou os chefes militares,
que em 1961 tentaram impedir a sua posse.
Ao visitar Leningrado,
porto onde a história da Rússia feudal começou a naufragar,
Jango foi conhecer o cruzador Aurora, de onde partiram os primeiros tiros
da revolução bolchevique.
Estas imagens voltariam à sua lembrança ao anistiar os marinheiros brasileiros
que se rebelaram em 1964.
A descontração da viagem, em ritmo alegre e informal,
fez o degelo da " guerra fria" .
Robôs, mãos mecânicas, àtomos.
Jango descobriu na Rússia um mundo que entrava na era do Sputnik.
O Brasil entrava na " era da vassoura" .
A vitória de Jânio Quadros nas eleições presidenciais de outubro de 1960
tornou possível para a UDN matar a sua fome de poder.
Carlos Lacerda, Afonso Arinos e Magalhães Pinto
foram os anfitriões da festa que converteu Jânio em um udenista novo.
Faixas, acenos,
abraços e aplausos
animaram o ritual da conversão.
O Brasil estava contagiado pela febre janista.
Jânio Quadros é esperança Desse povo abandonado
Varre, varre, varre, varre...
Varre, varre vassourinha
Varre, varre a bandalheira
Que o povo já está cansado
De sofrer dessa maneira
Para o PTB e os grupos de esquerda, o Marechal Henrique Teixeira Lott
surgiu como candidato ideal à presidência da república.
Respeitado nas forças armadas,
conquistou a admiração civil no 1 1 de novembro de 1955,
ao garantir, como ministro da guerra,
a posse de JK e Jango.
Sua candidatura estava lançada desde 1956,
quando recebeu a " espada de ouro" ,
em homenagem promovida por sargentos e suboficiais.
Jango foi candidato à reeleição.
O Brasil precisa de um braço forte
Eu vou, tu vais, vamos votar no Lott
Os laços do nacionalismo militar com o trabalhismo
incluíam um programa de governo com reforma agrària e voto do analfabeto.
Na hora de votar Eu vou Jangar, eu vou Jangar
É Jango, é Jango É o Jango Goulart
Pra vice-presidente Jorge Freitas vai Jangar
É Jango, é Jango É o Jango Goulart
O PSB, para não romper a bem-sucedida aliança com o PTB,
acompanhou a indicação da chapa Lott-João Goulart.
O eterno candidato Ademar de Barros,
com seu velho Partido Social Progressista,
roubava os votos populares.
Antes, os de Juscelino, agora, os de Lott.
O sóbrio Milton Campos foi a garantia da UDN na " dobradinha" com Jânio.
Para desatar as suas mãos, Jânio estimulou por baixo do pano
a dobradinha " Jan-Jan" , que no final foi vitoriosa.
Os 5 anos de JK sacudiram o Brasil.
A modernização contagiou o país com a epidemia do novo:
Bossa Nova, Cinema Novo, nova capital.
Sua arquitetura arrojada tornou-se a moldura futurista
de um país que exibia antigos contrastes.
JK partiu seguro de que voltaria.
Quase 6 milhões de votos levaram Jânio ao poder.
Logo ele sacaria uma surpresa da cartola.
Jânio iniciou um programa de reformas morais.
Acabou com as corridas de cavalo durante a semana,
adotou o slack como uniforme,
fechou as rinhas de galo e proibiu o uso de biquínis na televisão.
O país, que precisava de um estadista, tinha, enfim, um delegado de costumes.
O governo cambaleava na ambiguidade.
A política interna moralista selava seus compromissos
com os padrões da classe mêdia.
Medidas econômicas, como a instrução 204,
que criava a taxa única do dólar,
beneficiavam os exportadores e investidores estrangeiros.
O fim da subvenção na agricultura
provocava a elevação do preço dos alimentos, aumentando a inflação.
A política externa obedecia a outro modelo,
A visita do presidente Sukarno abria as fronteiras de um novo entendimento
com o bloco dos não-alinhados, que se formou no início dos anos 60.
O presidente tinha uma espêcie de contradição
entre a expansão da personalidade brasileira no meio internacional
e a limitação da sua situação econômico-financeira.
Ele tinha que levar avante uma política que não era contraditória,
mas que tinha que respeitar essas duas contingências,
essas duas imposições.
O Brasil estava maduro para a afirmação de uma personalidade internacional,
mas estava passando por uma fase em que precisava muito dos países
com quem tinha relações econômico-financeiras,
para a manutenção de sua estabilidade financeira interna.
A condecoração de Ernesto " Che" Guevara
foi um gesto ousado demais para o gosto dos aliados internos do governo.
Carlos Lacerda, atê então seu mais poderoso aliado,
rompeu com Jânio e abriu a crise que desembocaria na renúncia.
Em agosto de 1961 ,
o aperto de mão com Mao Tsê-Tung fez de João Goulart novamente pioneiro,
desta vez aproximando o Brasil do 3º mundo.
Jango rompeu as barreiras que separavam o ocidente
da República Popular da China.
Na viagem a Pequim, ele repetiu o ritual do " degelo" com Moscou.
Para Jango, a amizade entre os povos superava as fronteiras ideológicas.
A visita reconhecia o direito do povo chinês à sua autodeterminação.
Meus amigos chineses,
nestes poucos dias de convívio com o povo chinês
e com seus dirigentes,
pude ver que esta não ê a velha China, cheia de lendas e superstições,
que os povos ocidentais encaravam com um misto de vago temor
e uma admiração reverencial pelo desconhecido.
O vosso país dà-me a sensação de uma renovada juventude
dentro de si mesmo.
Ao primeiro contato convosco,
diante da recepção calorosa que nos proporcionastes,
senti-me como se estivesse hospedado na casa de um velho e bom amigo.
Viva a amizade, cada vez mais estreita,
entre a China Popular e os Estados Unidos do Brasil.
Viva a amizade dos povos asiàticos,
africanos e latino-americanos.
No dia 25 de agosto de 1961
explodiu a notícia da renúncia do presidente.
Jânio deixou Brasília e se isolou na base aêrea de Cumbica em São Paulo,
onde aguardou o desfecho dos acontecimentos.
Na dúvida, um de seus homens de confiança
levou junto a faixa presidencial.
Com o vice-presidente no exterior,
o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli,
assumiu interinamente a chefia do governo.
Os ministros militares tentaram impedir o retorno e a posse de Jango.
E aqueles mais preocupados com o problema de luta
que existia no Brasil,
tomaram uma posição contra a subida de Jango,
embora pessoalmente Jango não fosse um homem que nós tivêssemos
uma atitude contrària por ele,
mas pelos homens que o cercavam
e que o estavam levando para um lado de esquerdismo
que não era o que nós queríamos.
E ê preciso prestar atenção:
ê que neste momento, a guerra revolucionària jà instalada no Brasil
estava preconizando a conquista pacífica do poder.
E era isso que nós queríamos evitar que ocorresse no Brasil,
que o Brasil fosse seguir o caminho da Tcheco-Eslovàquia.
O meu primeiro gesto foi o de oferecer garantias ao presidente Jânio Quadros,
porque achàvamos, naqueles primeiros momentos,
que ele havia sido vítima de um golpe.
Finalmente eu consegui uma comunicação,
atravês do jornalista Castello Branco,
com a base de Cumbica, em São Paulo.
E o presidente Quadros mandou me dizer que havia realmente renunciado.
A partir daquele momento, passamos a dirigir todo o nosso protesto,
reivindicando a posse do vice-presidente.
Tomei todas as medidas que cabiam ao estado
em matêria de mobilização,
para assegurar a ordem pública.
Comuniquei-me com o comandante do 3º Exêrcito
dizendo que, diante da situação, que ele tambêm sabia,
cabia ao Estado tomar todas as providências
para resguardar a ordem pública.
E que, de acordo com a Constituição,
somente quando não pudêssemos resguardar a ordem pública,
pediríamos então a cobertura e a colaboração das forças federais.
Ele concordou e eu passei a tomar todas as providências.
Mobilizamos todo o armamento disponível
e nos preparamos para uma resistência.
E sentimos que o Brasil inteiro fechou.
Todos os demais estados submeteram-se à junta militar,
com exclusão do governador Mauro Borges.
Aqui no Rio de Janeiro, o governador Lacerda desencadeou a repressão.
Em São Paulo tambêm houve uma omissão por parte do governador Carvalho Pinto
e desencadeou-se a repressão. O mesmo em Minas.
E procurei contato com todos os generais e chefes militares
que eu consegui, direta ou indiretamente.
Foi, aliàs, neste momento que eu tive um diàlogo muito duro
com o General Costa e Silva, que comandava o 4º Exêrcito no Recife.
Eu lhe digo, em suma, que foi um movimento muito espontâneo,
muito natural, que foi crescendo;
procuramos usar de todos os meios possíveis,
particularmente os meios de comunicação,
o que foi a nossa salvação. Conseguimos informar
não apenas a opinião pública do estado e do país,
quer dizer, ganhamos aquela luta essencialmente
como uma batalha de opinião pública,
como tambêm conseguimos informar aos próprios militares,
ao ponto que a junta militar que ocupou o governo
dava ordens para uma unidade militar marchar contra o sul
e eram os próprios oficiais que se reuniam e decidiam recusar a ordem.
A UNE, sob a minha presidência, decretou uma greve nacional
e houve uma grande mobilização estudantil.
A diretoria da UNE decidiu deslocar a sede da União Nacional dos Estudantes
para o Rio Grande do Sul, para ali,
juntamente com o povo gaúcho e o com povo brasileiro,
participar intensamente da campanha da legalidade.
Eu tive a oportunidade de me dirigir aos estudantes universitàrios brasileiros
pela cadeia da legalidade
e participando de todo o processo de mobilização popular
de resistência ao golpe militar contra o presidente João Goulart.
O povo nas ruas, a resistência no sul,
a divisão nas forças armadas
devolveram ao congresso nacional o controle do processo político.
Desta vez os políticos não debatiam o impedimento de Jango,
mas a sua posse.
A legalidade foi restabelecida com uma solução de compromisso.
O Congresso aprovou a emenda parlamentarista.
No senta-levanta da votação, ainda havia indecisos.
Para a viagem de volta, João Goulart exibiu habilidade e paciência.
Ao saber da renúncia, retornou imediatamente ao Brasil
pelo caminho mais longo:
Paris, Nova lorque, Buenos Aires e Montevidêu.
A rota do Pacífico.
Da sacada do palàcio Piratini
acenou para a multidão que o aclamava.
Na chegada à Brasília, políticos e militares se confraternizavam
diante da solução pacífica da crise.
Atê mesmo os que haviam apostado no veto militar
foram receber o novo presidente.
Os coronêis de 1954 estavam divididos.
O general Antônio Carlos Muricy foi obrigado a deixar seu posto
no Rio Grande do Sul por ter resistido a Brizola.
O general Golbery, frustrado com a renúncia de Jânio,
deixou o exêrcito para fundar o lPES.
O general Ernesto Geisel, comandante militar do Planalto,
desarticulou a " Operação Mosquito" , planejada por oficiais da FAB,
que pretendiam derrubar o avião que trazia Jango a Brasília.
No dia 7 de setembro de 1961 ,
Jango assumiu a presidência da república e anunciou que seu governo pretendia
marcar uma nova independência do Brasil.
Sabem os partidos políticos, sabem os parlamentares,
sabem todos que, inclusive por temperamento,
inclino-me mais a unir do que a dividir,
prefiro pacificar a acirrar ódios,
prefiro harmonizar a estimular ressentimentos.
Promoveremos a paz interna, paz com dignidade,
paz que resulte da segurança das nossas instituições,
da garantia dos direitos democràticos,
do respeito permanente à vontade do povo
e à inviolabilidade da soberania nacional.
O deputado Ranieri Mazzilli, do PSB,
devolveu a faixa presidencial a João Goulart.
O presidente, no entanto, continuaria tutelado pelo PSB
durante o novo regime.
O primeiro gabinete parlamentarista
teria a marca da moderação e o estilo do premier Tancredo Neves.
A UDN e o Partido Democrata Cristão compunham o gabinete de conciliação.
O PTB do presidente Goulart estava em minoria no ministêrio.
A pressão popular seria o recurso
para mudar a cadência das decisões ministeriais.
O governo atendeu a antigas demandas nacionalistas.
Cancelou o contrato da Hanna Mining Corporation,
multinacional do minêrio, e assinou o estatuto rural.
Quando o Sr. João Goulart veio para a presidência da república,
nós trabalhàvamos no campo,
organizando ligas camponesas, associações camponesas
e outras associações
em defesa da reforma agrària
e das reivindicações mais sentidas dos camponeses pobres do Brasil.
No governo dele nós tivemos mais liberdade,
porque aprofundamos essas organizações,
principalmente no setor sindical.
Foi realizado o primeiro congresso nacional dos trabalhadores agrícolas,
de todas as categorias de camponeses pobres,
em Belo Horizonte.
O congresso contou tambêm com a presença do Sr. Magalhães Pinto
e do Sr. João Goulart
e bastante senadores e deputados federais
e outras autoridades administrativas e políticas da vida do país.
O Goulart defendia as reformas de base.
Reforma agrària, reforma urbana, reforma tributària
Então nós entramos nesta luta.
O que queríamos era que a *** camponesa participasse.
do grande processo de mobilização que estava se desenvolvendo no Brasil
a partir de 1960.
Em maio de 1962
o governo anunciou o propósito de alterar o artigo 1 41 da Constituição,
que determinava a indenização prêvia e em dinheiro
para àreas desapropriadas.
Sem esta mudança, a reforma agrària
se transformaria apenas em um grande negócio para especuladores.
A luta ideológica ocupou as ruas.
A propaganda de direita fazia de Cuba
o pretexto para exibir em público suas velhas fantasias.
A esquerda acreditava no sucesso do modelo cubano.
A mobilização política em defesa do governo de Fidel Castro
estava espalhada pelo Brasil.
Sr. delegado de polícia,
nós estamos em um país constituidamente democràtico...
Nós estamos em um país...
Sr. delegado de polícia,
Não hà de ser nada.
Não hà de ser nada porque daqui...
Em Pernambuco, na cidade de Caruaru,
o líder comunista David Capistrano,
que seria tragado pela violência do estado nos anos 70,
sofria a intolerância dos anos 60.
Apelo para a classe operària de Caruaru!
Eu convoco todos os líderes do Partido Comunista em Caruaru...
A escalada da violência terrorista
deixaria sua marca na exposição soviêtica,
que exibia no Brasil a nova bossa do mundo socialista
e a tecnologia do leste da Europa.
O inquêrito que apurou o atentado revelou que parte dessas ações
era planejada nos porões do governo da Guanabara.
Entre os implicados, o chefe de polícia do estado.
A União Nacional dos Estudantes foi alvo dessa ação terrorista
dos grupos de extrema direita.
O movimento anticomunista desencadeou uma ação
contra a União Nacional dos Estudantes, metralhando a sede da UNE.
Na verdade o que estava ocorrendo ê que se organizava no Brasil
uma corrente fascista, organizações paramilitares que se organizavam,
a direita se organizava, financiada por organizações estrangeiras.
Posteriormente, inclusive, tomou-se conhecimento disso.
Tudo isso por uma razão muito clara:
impedir a participação do povo na política.
Conter a participação dos trabalhadores, conter a participação da classe operària,
conter a participação dos trabalhadores rurais,
conter a participação dos estudantes.
Porque nós estàvamos exatamente numa caminhada
para um processo de democratização maior.
Democratização econômica, democratização da propriedade da terra,
democratização do poder político, democratização do saber.
E as classes dominantes brasileiras, no seu reacionarismo,
quer dizer, os grandes grupos estrangeiros, as empresas multinacionais,
os latifundiàrios, a grande burguesia brasileira,
não podia admitir nem mesmo as limitadas reformas de base
que o presidente Jango Goulart queria implantar no Brasil.
O lance mais ousado do governo brasileiro foi sua política externa.
O ltamaraty estabeleceu a diplomacia do não-alinhamento,
desatando os nós que prendiam os interesses do Brasil
às decisões tomadas em Washington.
O governo reatou relações com a União Soviêtica,
votou contra a política colonialista na África,
e apoiou o direito de Cuba à sua autodeterminação.
A política externa esbarrou nas fronteiras da dependência econômica.
A pressão norte-americana levou o ministro Santiago Dantas a Washington,
onde, sob um clima frio, negociaria os limites da dívida brasileira.
Creio que esses dias de contato
com as autoridades financeiras americanas e internacionais em Washington
se desenvolvem dentro do que tive oportunidade de anunciar ao povo brasileiro
antes de partir do Brasil
e que os seus resultados corresponderão à expectativa do povo brasileiro.
A saber: o Brasil não pretende aumentar imoderadamente o seu endividamento
e, pelo contràrio, o que deseja ê estabelecer condições
que lhe permitam enfrentar os seus compromissos
de acordo com sua capacidade de pagar.
A viagem de João Goulart aos EUA em abril de 1962
conteve temporariamente o afastamento entre os dois países.
Na agenda de Jango, a prioridade era a renegociação da dívida externa.
Para Kennedy, o importante era a definição das regras políticas no Brasil.
A nacionalização das companhias norte-americanas e o programa de reformas
soavam como sinais de comunização.
Uma semana antes,
o governador Leonel Brizola desapropriou no Rio Grande do Sul
os bens da Companhia Telefônica Nacional,
ramo brasileiro da lTT.
Os EUA receberam Jango com confetes,
temendo que o Brasil fosse desviado da rota ocidental.
Na ONU, Jango explicou pessoalmente à imprensa internacional
o significado das nacionalizações.
A necessidade que nós sentimos
de colocar em pauta a desapropriação das companhias,
dentro de formas de entendimento, foi exatamente pelas dificuldades
que elas estavam criando, no momento, no meu país.
Poderemos estimular o investimento de capital estrangeiro
se dermos a esse mesmo capital uma compensação justa.
Quando eu falo " justa" , ê exatamente para expressar
o pensamento do país de justiça.
Ela não pode obter tambêm lucros excessivos.
Lucros que a enriqueçam muito depressa em detrimento do interesse nacional
ou a custa do empobrecimento do país.
Por isso desejamos encontrar um termo justo,
em que elas tenham uma remuneração justa, razoàvel pelo seu capital,
que possam obter lucros,
mas que, se dedicando a atividades de interesse nacional,
esses lucros possam tambêm trazer benefícios ao país.
O Departamento de Estado mandou ao Brasil duas estrelas.
O pàlido glamour do galã John Gavin
e a fê ensaiada do padre Patrick Peyton,
pàroco de Hollywood, preferido por 9 entre 10 estrelas de cinema.
Para mobilizar as camadas mêdias da sociedade,
padre Peyton organizou uma cruzada religiosa sob o lema:
" A família que reza unida permanece unida."
O objetivo era unir católicos contra comunistas.
E por ordem pessoal do Jango, eu, na secretaria de imprensa,
abri todas as facilidades ao padre Peyton,
inclusive dando a ele de presente fitas de televisão
para ele gravar aquela campanha dele.
A oposição transferiu a capital para Washington.
Os emprêstimos de dólares negados ao governo brasileiro
financiavam diretamente as administrações dos governadores hostis a João Goulart.
A Casa Branca era a sede do governo,
por onde transitavam com desembaraço Carlos Lacerda e Ademar de Barros.
Examinei o problema das favelas
e o presidente ficou vivamente impressionado
com os dados que eu lhe mostrei.
O Rio de Janeiro, por exemplo, tem um dêficit anual
de 10 mil casas para as pessoas morarem,
e acumulou esse dêficit durante 10 anos.
O que significa que temos um dêficit, só no Rio de Janeiro, de 100 mil casas.
E o presidente não só ficou impressionado como comunicou-se com o Sr. Goodman
no sentido de acelerar os projetos em andamento
a respeito de favelas na Guanabara.
Abordamos uma meia-dúzia de temas,
o problema do porto de Santos, o problema do Porto de São Sebastião,
o problema do abastecimento de àgua da cidade de São Paulo -
temos àguas para 2,5 milhões de habitantes
e precisamos de àgua para 4,5 milhões de habitantes.
Temos problemas muito grandes;
novas estradas de rodagem, eletrificação das outras estradas de ferro,
novas usinas hidrelêtricas,
enfim, uma porção de problemas
relativos à economia paulista e à economia nacional.
O gabinete Tancredo Neves foi dissolvido
quando o premier demitiu-se para concorrer às eleições.
O novo gabinete, presidido por Brochado da Rocha
sobreviveu a dois meses de crises sucessivas.
O último primeiro-ministro, Hermes Lima, foi tirado dos quadros do Partido Socialista
para fechar as contas do parlamentarismo.
Com o presidencialismo à vista,
as eleições de 1962 ganharam maior importância.
No jogo eleitoral, a direita abriu os seus pontos.
Para conter o avanço da esquerda,
o lnstituto Brasileiro de Ação Democràtica - lBAD -,
ponta de lança do lPES,
despejou mais de 2 milhões de dólares na campanha,
sustentando a propaganda de 250 candidatos à câmara federal
e vàrios governadores.
Vencerão as instituições democráticas no entrechoque das ambições desenfreadas?
Da crise ao caos
O país pode ser arrastado a uma crise inconciliável.
Que estamos fazendo nós para impedir que se coloque diante do povo brasileiro
a trágica opção entre soluções antidemocráticas?
Nós, os intelectuais, nós, os dirigentes de empresas,
nós, os homens com responsabilidade de comando,
nós que acreditamos na democracia e no regime da livre iniciativa,
não podemos ficar omissos enquanto a situação se agrava dia a dia.
A omissão é um crime.!
lsolados, seremos esmagados. Somemos nossos esforços.
Orientemos num sentido único a ação dos democratas
para que não sejamos vítimas do totalitarismo.
E é justamente para coordenar o pensamento e a ação
de todos aqueles que não querem ficar de braços cruzados
diante da catástrofe que nos ameaça,
que é necessário criarmos um organismo novo,
com uma mensagem nova para a nova realidade do Brasil de hoje.
Temos uma finalidade básica.:
Evitar que a difícil situação que o país atravessa
venha a comprometer nossas instituições democráticas
e tradições cristãs.
O instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
tem essas finalidades básicas.
Seus objetivos são claros e definidos.
A ele caberá executar um plano que leve a estes objetivos.:
Fortalecimento das instituições democráticas,:
superação do subdesenvolvimento,:
estabilização da moeda,:
moralização e eficiência da estrutura governamental.
Mas o lPES não pode ficar em palavras.
É preciso agir.
O derrame de dólares não conteve a vitória
de políticos comprometidos com as reformas.
A bancada da UDN diminuiu e a do PTB aumentou.
O PSB manteve a maioria.
O novo Congresso ganhou outras feições.
Os políticos reagruparam-se em frentes.
De um lado, a Frente Parlamentar Nacionalista.
De outro, a Ação Democràtica Parlamentar,
trincheira da reação contra as reformas.
Um dos aspectos mais importantes da atuação dessa direita parlamentar,
que embora na Ação Democràtica Parlamentar,
de ação democràtica pouco ou nada tinha,
foi justamente conseguir transformar a atuação legislativa
num palco para conflitos.
Conflitos que certamente eram baseados em reais interesses econômicos,
mas que eram apresentados como batalhas ideológicas.
O povo, convocado para decidir a sorte do sistema parlamentarista,
devolveu a Jango os poderes que lhe foram tirados.
Quinze milhões de eleitores foram às urnas.
Quase dez milhões disseram "não" ao parlamentarismo.
Restavam a Jango três anos de governo.
O presidente, em minoria no congresso, organizou um ministêrio de conciliação,
onde o PSB tinha maioria e a esquerda a maior influência.
Democratização do uso da terra, voto do analfabeto,
disciplina dos aluguêis, bases justas para o salàrio-mínimo.
Estes pontos fixavam as regras de um programa de governo
capaz de estabelecer maior harmonia social.
Jango propunha o fim da fome e da misêria,
num país onde a justiça sempre foi o lado obscuro da democracia.
A situação do nordeste recebeu atenção particular do governo.
Sobre os planos do presidente recairiam em 1964
as mesmas acusações feitas a ele, quando ministro do trabalho, em 1954.
Fomentador de greves, articulador da luta de classes
e inimigo do capitalismo.
Os trabalhadores rurais, mobilizados pelo processo de transformação social,
eram despertados contra a secular misêria do campo.
A perspectiva de pequenas mudanças em um país de grandes desigualdades
reacendeu ilusões.
Milhares de trabalhadores, sem terra e sem trabalho,
embarcaram nesse trem de esperanças,
saltando das pàginas da literatura para o cenàrio político.
Jango, com as reformas, fez o Brasil viver sua utopia.
O presidente precisava do apoio dos quartêis.
A tradição de intervenção militar na vida política
jà não tinha sabor de aventura.
O improviso da dêcada de 20 deu lugar à ideologia no final dos anos 40.
A Escola Superior de Guerra, formada em 1950
nos moldes do War College norte-americano,
montou seu próprio modelo político,
baseado no conceito de segurança e desenvolvimento.
Num desafio ao regulamento disciplinar,
os sargentos elegeram dois representantes nas eleições de outubro de 62.
lnconformados com a decisão da lei, que impugnou a posse dos eleitos,
os sargentos, seguindo uma tradição militar, se rebelaram.
Jango teve de puni-los para não deixar um rombo na disciplina
que podia botar a pique o próprio governo.
Sindicatos, estudantes e políticos mobilizaram-se em favor dos revoltosos.
O presidente anistiou os sargentos,
tomando uma decisão que tradicionalmente só beneficiava a oficiais.
A atuação política dos sargentos atemorizava os chefes militares.
O general Ozino Alves, homem de fê nacionalista e prestígio na tropa
fazia um esforço pessoal no comando do 1º Exêrcito
para puxar o apoio da oficialidade para o governo.
João Goulart acabaria cometendo um erro fatal.
Como tantos outros governantes progressistas da Amêrica Latina,
pagou pela ingenuidade de tentar resolver a questão militar na mesa de almoço.
A conspiração contra Goulart jà estava adiantada.
Os telegramas confirmam que o próprio ministro da guerra de Jango,
general Amaury Kruel, integrava o grupo de militares
que articulava os planos para o golpe de estado.
Reunidos em palàcio, eles teriam jurado mais uma vez
fidelidade ao presidente e respeito à Constituição.
O desejo dos chefes militares
era exatamente que Jango fosse ao fim do governo.
Porque nós só pretendíamos entrar numa ação armada em último caso.
Nos preparàvamos sim, para ficar em condições de enfrentar
qualquer ação do governo.
Quando, porêm, em fins de 63,
tivemos notícia de que o governo estava preparando um golpe,
e esta notícia foi confirmada por um elemento de maior valor
e confiança,
nós partimos então para a possibilidade de partir antes do governo.
A tendência das forças armadas ê a intervenção,
porque o hàbito no Brasil ê os conflitos sociais
serem dirimidos pela intervenção das forças armadas.
Então são as próprias forças políticas participantes desse conflito
que convidam as forças armadas a participar.
A maneira de evitar isso
ê a neutralidade das forças armadas como corporação,
só possível com a divisão política e ideológica das forças armadas.
A crise econômica, com uma inflação que ameaçava romper a barreira dos 100%
seria um dos freios dos avanços sociais.
O Comando Geral dos Trabalhadores, o grupo compacto do PTB,
Leonel Brizola e a União Nacional dos Estudantes
exigiam as reformas de base como solução imediata.
O plano trienal de Celso Furtado e Santiago Dantas
sugeria primeiro o saneamento da economia.
Esse ê um ponto muito importante,
porque põe a mão no que era a própria natureza do governo João Goulart.
João Goulart não havia sido eleito presidente da república,
ele havia sido, na verdade, parte de uma coligação PSD-PTB.
E quem estava em 1º plano era o PSD, que era o partido majoritàrio.
Quando assumiu a presidência da república ele teve que recompor essas forças.
E se criou então, diria eu, uma... não digo uma dicotomia,
mas uma dupla orientação do governo,
ou das forças de apoio ao governo.
Um grupo se empenhava em retomar completamente o controle da situação.
Quer dizer, uma economia em desordem,
que, como expliquei, com forte pressão inflacionària,
balança de pagamentos, problemas externos e internos.
E era necessàrio retomar o controle disso.
E, em minha opinião, na êpoca jà,
ê que não se retoma o controle senão crescendo de uma forma ordenada.
Daí o plano trienal. Esse ê o espírito do plano trienal.
Eu dizia: se tomarmos o controle da situação, pomos a economia pra crescer,
então ê possível introduzir as reformas,
que são a essência mesma da política do governo.
Por isso o plano trienal terminava indicando as reformas de estrutura
que eram necessàrias.
Mas elas vinham como decorrência de um maior controle sobre a economia
e, portanto, da formação jà de um consenso
que desse solidez ao governo.
O que aconteceu foi que os distintos grupos que apoiavam o governo
não se entenderam sobre isso.
Pelo menos sobre essa estratêgia, não se entenderam.
E havia poderosos grupos que consideravam que era mais importante
lançar imediatamente a bandeira das reformas.
E foi nisso ê que não se formou consenso.
E o presidente João Goulart ficou um pouco entre os dois grupos.
Bombardeado pelos sindicatos e pelos empresàrios,
o plano trienal não saiu da gaveta.
Como remêdio para a crise econômica, tinha um efeito insuportàvel para o governo:
a contenção dos salàrios.
O Comando Geral dos Trabalhadores,
completamente absorvido pelos debates institucionais,
abandonou o fortalecimento de suas bases sindicais.
O CGT trocava o trabalho na linha de produção junto aos operàrios
pela atuação na linha de frente junto aos políticos.
A greve era uma palavra de ordem,
só atendida pelos trabalhadores das empresas estatais,
às vezes com o apoio discreto dos operàrios da indústria e do comêrcio.
Quando o comando dos trabalhadores percebeu o equívoco, era tarde.
O mês de março jà se aproximava.
Jango pretendia reformar a face do capitalismo brasileiro
diminuindo as desigualdades sociais, dando-lhe um aspecto mais humano,
menos selvagem.
Entre seus aliados, muitas vezes seus objetivos eram confundidos
com a intenção de acabar com o capitalismo.
Outras tantas, que não pretendera acabar com o capitalismo.
Tinha que compor sua estratêgia de ação, lutando ainda contra o desconforto pessoal
de ser o presidente rico de um país pobre.
O presidente não desprezava a influência da igreja.
A Jango cabia convencer a alta hierarquia católica
que as reformas sociais que pretendia iriam estabelecer no Brasil
os princípios de justiça que o próprio cristianismo pregava.
Os núcleos brizolistas, organizados em todo o país nos grupos de 1 1 ,
escancaravam a luta de Brizola pelo poder com o slogan:
" Cunhado não ê parente. Brizola pra presidente."
As ligações de parentesco eram um obstàculo que a Constituição impunha.
A proposta de alteração na lei
municiou o arsenal da propaganda contra o governo.
Travestida de defensora da Constituição, a direita se fortalecia.
O alarido da campanha convenceu a classe mêdia, setores militares,
igreja e empresàrios de que o governo queria mudar a Constituição
para acabar com a democracia.
Numa entrevista ao jornal Los Angeles Times,
o governador Carlos Lacerda anunciou que os militares brasileiros
jà discutiam a data certa para depor João Goulart.
Os ministros militares, indignados, pediam a punição de Lacerda.
Jango tentou lançar mão do estado de sítio
para superar politicamente a reação militar contra o governador
e restabelecer a autoridade de seu governo.
A esquerda suspeitou que a medida pudesse se desdobrar contra ela.
É preciso voltar atràs, àqueles dias difíceis e conturbados,
quando as pressões se avolumavam contra nós.
Quando vinham de todo lado.
Vinham daqui de dentro e vinham do exterior.
Realmente não se queria admitir que, no Brasil,
as reformas fundamentais fossem feitas.
Nós tínhamos notícia de que, em São Paulo, Ademar de Barros
e no estado do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda,
se preparavam de forma ativa para uma revolução ou para um golpe.
O estado de sítio foi decidido no Rio de Janeiro
numa reunião de Jango com o seu ministêrio
e com seus ministros militares.
As notícias que chegaram em Brasília do estado de sítio
foram muito atemorizantes para nós.
Nós não sabíamos, naquele momento, se a correlação de forças
permitia que se instalasse um estado de sítio neste país
que não fosse depois alterado pelas forças majoritàrias,
aí pela parte reacionària do PSD aliada à UDN,
num instrumento contra o trabalhador.
Num instrumento contra as conquistas do trabalhador.
lndependente da vontade de João Goulart.
Depois que Jango chegou à Brasília
e que nós verificamos que o projeto de estado de sítio
começou a ser emendado, permitindo violação de domicílio,
permitindo todos aqueles abusos que depois de 64 foram normais,
que nós tomamos a decisão de sermos contràrios ao estado de sítio.
Eu não sei atê hoje se essa decisão nossa foi correta.
Para evitar a derrota, Jango recuou.
lsolado no congresso,
hostilizado pelos governadores Lacerda, Magalhães e Ademar,
bloqueado economicamente pelos EUA, Jango não tinha outra saída:
partiu para a mobilização popular
empunhando pessoalmente a bandeira das reformas.
Em janeiro de 1964,
o presidente tirou da gaveta e regulamentou a lei de remessa de lucros,
que tinha sido aprovada pelo Congresso hà mais de 1 ano.
Jà no mês de março, um almoço na Vila Militar
e a recepção calorosa manifestada por alguns oficiais
não apagaram a inquietação e as dúvidas no olhar fatigado do presidente.
A adesão de militares subalternos
e o engajamento da oficialidade no projeto nacionalista do governo
expressavam o empenho de quase todos os setores da sociedade brasileira
na construção de uma democracia mais justa.
O fantasma das reformas, que apavorava a classe dominante brasileira,
ganhou corpo no mês de março.
Na sua estratêgia de mobilização popular,
o governo convocou um grande comício no Rio de Janeiro.
O " comício da Central" , como ficou conhecido,
foi marcado para uma sexta-feira, 13.
Tudo foi cuidadosamente preparado.
Dos alto-falantes à segurança, nada podia sair errado
quando o presidente levasse a mensagem das reformas ao povo.
Estava pronto o cenàrio para o último ato.
O mês de março de 64 foi um mês de grandes atividades
e de grandes preocupações.
A subversão levada pelo governo estava em crescimento dia a dia
e nós jà tínhamos decidido enfrentarmos o que fosse feito pelo governo.
Quando veio o comício do dia 13,
nós recebemos esse comício quase que como um acinte,
uma bofetada no exêrcito. Feito ao lado do quartel-general,
com cartazes francamente subversivos da ordem democràtica
Aquilo chocou profundamente aos militares.
E dias antes do dia 13,
eu tomei conhecimento por um oficial meu subordinado
de que havia um grupo de oficiais que pretendia acabar com o movimento
da maneira mais violenta possível. Eu julguei aquilo muito grave.
Levei o fato ao conhecimento do General Castelo Branco
no estado-maior do exêrcito
e do general Costa e Silva no departamento de produção e obras.
Ambos, e particularmente o general Castelo,
ficaram muito preocupados e disseram: "mas não pode haver isso!
O comício deve se produzir, nós não devemos interferir
e ê preciso evitar que isso aconteça."
Realmente era importante que aquilo acontecesse.
Porque nós tínhamos consciência de que a revolta no exêrcito aumentaria
contra um governo que queria desestabilizar a democracia no Brasil.
Por esse motivo, eu e outros companheiros,
entre eles o general Aragão,
que tambêm tomou conhecimento desse preparativo,
atuamos e no dia 13 pela manhã, ao chegar ao quartel-general,
eu procurei um desses elementos que estava no grupo e perguntei:
" Fulano, como ê que està? Està resolvido? Não vai haver?"
" General, ninguêm vai interferir. Só não consegui falar com um."
" Você sai e vai falar com este 'um'
O comício não pode ter a menor interferência nossa."
A consequência imediata:
no dia seguinte, no ministêrio, todo mundo só comentava o comício
e a revolta era generalizada.
lsto ê, nós tínhamos ganho numerosos elementos que ainda
não tinham decidido romper com a legalidade.
Porque ê muito difícil, como eu jà disse.
Então, o comício do dia 13 nos deu uma sêrie imensa de elementos...
corretos, leais, e que estavam ainda presos à idêia da legalidade absoluta.
O comício da Central ê uma espêcie de...
tentativa pra acelerar o processo das reformas.
E muita gente o aconselhou que não fizesse aquele comício.
Que seria, sob certos aspectos, uma provocação.
E que ele não anunciasse aquelas reformas,
muitas que talvez não fossem possíveis de realizar.
Aí o Jango, eu me lembro bem,
declarou: " eu não tenho problema em ficar ou não no governo,
o meu problema ê que tenho que realizar essas reformas.
Eu prefiro cair e cair de pê."
No início da noite,
Duzentas mil pessoas estavam concentradas na praça da Central do Brasil.
A multidão empolgou os oradores. Jango não decepcionou.
Ao seu lado, sua mulher Maria Teresa
era a presença que quebrava um pouco da tensão daquele ato.
No mesmo palanque de madeira
que Getúlio Vargas usava para suas aparições públicas,
anunciou a execução de seu programa.
Horas antes ele assinara os decretos desapropriando as terras improdutivas
à margem das rodovias e ferrovias federais e encampando as refinarias particulares.
Trabalhadores do campo jà poderão então
ver concretizadas em vàrias partes
as sua mais sentida e justa reivindicação.
Aquela que lhe darà um pedaço de terra própria para ele trabalhar.
Um pedaço de terra para ele cultivar.
Aí então, o trabalhador e a sua família,
sua família sofrida, irà trabalhar para ele,
porque atê aqui ele trabalha para o dono da terra que ele aluga,
ou para o dono da terra em que ele empresta sua produção.
Hoje, com o alto testemunho da nação,
com a solidariedade do povo reunido na praça,
que só ao povo pertence,
o governo, que ê tambêm o povo,
e que tambêm só ao povo pertence,
reafirma seus propósitos inabalàveis
de lutar com todas as suas forças
pela reforma da sociedade brasileira.
Não apenas pela reforma agrària, mas pela reforma tributària.
Pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto,
pela elegibilidade de todos os brasileiros.
Pela pureza da vida democràtica, pela emancipação econômica,
pela justiça social
e, ao lado do povo, pelo progresso do Brasil.
Em São Paulo, a classe dirigente tambêm se mobilizou contra as reformas.
Com o apoio do governo do estado, da sociedade rural e de setores da igreja,
foi organizada a " marcha da família com Deus e pela liberdade" .
Ex-combatentes de 32 e as " quatrocentonas" paulistas
levavam o rosàrio numa das mãos e na outra cartazes,
com alguns de seus mandamentos:
" O civismo matarà o comunismo." "Defesa da Constituição e da legalidade."
Jango retirou-se com a família para São Borja
na semana santa de março de 1964.
Fotos mais antigas do àlbum de família
revelam os hàbitos descontraídos do presidente fazendeiro.
A companhia de Maria Teresa, o churrasco, o chimarrão,
a cavalgada nos campos,
que desta vez foram vividos em clima de tensão.
Aliàs, esta seria a última vez que Jango estaria com a família na estância
por onde passaria rapidamente em abril, solitàrio, rumo ao exílio no Uruguai.
No final de março,
depois de assistirem ao filme sobre o encouraçado Potemkin,
os sonhos povoavam a cabeça da marujada brasileira.
Sitiados no sindicato dos metalúrgicos,
durante a comemoração do 2º aniversàrio de sua associação,
mantida à revelia da Marinha,
centenas deles exigiam seus direitos:
libertação dos companheiros presos, melhoria da alimentação
e o direito de casar.
Estava là, como exemplo e testemunho, o velho João Cândido,
herói sobrevivente da revolta que acabou com a chibata em 1910.
Ainda como no filme, a população apóia os revoltosos.
Amotinados no Clube Naval, em nome da disciplina,
os oficiais exigiam a punição dos rebeldes.
De volta o Rio, Jango encontra uma solução:
os marinheiros são presos e em seguida libertados.
O ministro da Marinha se demite.
O ministro do exêrcito, Jair Dantas Ribeiro,
deixou o posto e foi internado, vítima de uma crise renal.
O impacto do episódio nas Forças Armadas
provocou a adesão de oficiais legalistas ao movimento que depôs o presidente.
Para eles era insuportàvel ver a hierarquia esfacelada.
Jà havia rumores do levante militar
quando o presidente compareceu, no dia 30 de março,
à sede do Automóvel Clube,
para ser homenageado pela Associação dos Sargentos
e suboficiais da polícia militar.
O presidente falou energicamente que não permitiria a subversão em nome da ordem.
Seu improviso de saudação aos subalternos
era uma advertência tardia aos oficiais superiores.
Na madrugada do dia 31 ,
poucas horas depois de terminada a festa,
as tropas do general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar,
jà avançavam sobre a Guanabara.
O levante, vindo de Minas Gerais, precipitava o golpe.
Na Guanabara, tanques do exêrcito rolavam sobre as cidades
sem encontrar resistência.
A classe mêdia exorcizou seus fantasmas
incendiando o prêdio da União Nacional dos Estudantes.
Na tarde do dia 1º de abril, na Zona Sul do Rio de Janeiro,
jà se comemorava a vitória.
O presidente João Goulart tinha deixado a Guanabara,
reduto do inimigo, seguindo para Brasília.
A capital tambêm não oferecia segurança ao presidente.
Jango partiu para Porto Alegre.
A batalha no Congresso seria rapidamente decidida.
Presidindo a tumultuada sessão de 1º de abril,
o senador Aldo de Moura Andrade,
num solene desprezo pelo destino das instituições legais,
declarou vaga a presidência da república
com o chefe do governo, João Goulart, em território brasileiro.
Atenção. O Sr. presidente da república deixou a sede do governo.
Deixou a nação acéfala.
Não é verdade.!
Numa hora gravíssima da vida brasileira.
E em que é mister que o chefe de estado
permaneça à frente do seu governo.
Abandonou o governo.
E esta comunicação faço ao Congresso Nacional...
Esta acefalia...
Esta acefalia configura...
a necessidade do Congresso Nacional, como poder civil,
imediatamente tomar a atitude que lhe cabe
nos termos da Constituição brasileira
para o fim de restaurar nesta pátria conturbada
a autoridade do governo...
e a existência de governo.
Não podemos permitir...
que o Brasil fique sem governo, abandonado.
Há, sob a nossa responsabilidade,
a população do Brasil. O povo. A ordem.
Assim sendo, declaro vaga a presidência da república.
Golpista.!
Golpista.!
Para o Rio Grande do Sul, a derrota ainda não estava consumada.
O ex-governador Leonel Brizola usava pelo rádio a sua melhor arma.
O povo nas ruas prometia reeditar a resistência de 61.
Quando o presidente João Goulart chegou a Porto Alegre,
jà em plena crise,
houve uma reunião na residência do comandante do 3º Exêrcito,
que era o general Ladàrio Teles,
aliàs uma grande figura humana e de chefe militar.
Estava o presidente João Goulart, oito generais e eu.
E a minha proposta foi a seguinte:
que o presidente se retirasse para o interior do Rio Grande do Sul,
mais precisamente para a região de São Borja,
e que naquele momento nomeasse o general Ladàrio ministro do exêrcito
e eu aceitaria a nomeação de ministro da justiça.
E que nós iríamos tratar da resistência.
Pediu a palavra o general Ladàrio
e disse que estava inteiramente de acordo com a minha proposta.
E que o 3º Exêrcito possuía armamentos para organizar corpos
de civis que poderiam atingir a mais de 100 mil homens,
alêm das tropas do exêrcito.
E que considerava a situação complexa, difícil,
que possuía alguns bolsões dentro do 3º Exêrcito,
mas que ele considerava possível defender a legalidade.
A decisão final desta reunião coube ao presidente.
Que decidiu que não houvesse a resistência
porque considerava que seria um tributo de sangue demasiadamente grande
que o povo brasileiro teria que pagar para restaurar seus direitos.
Aliàs, eu comecei a preparar-me
para uma eventual reação de Minas Gerais,
um ano e meio antes de março de 64.
Quando eu convoquei o Coronel Josê Geraldo
para comandar a Polícia Militar, eu lhe dei a incumbência
de preparà-la para uma reação.
Porque eu estava certo,
que com as dificuldades que eu tinha com o governo,
eles acabariam querendo fazer uma intervenção em Minas.
E eu reagiria.
Então eu preparei-me mais para uma reação a uma intervenção
do que para depor um presidente.
O Magalhães tinha assumido uma responsabilidade nacional.
E nesse caso ele achou que devia fazer, junto ao Palàcio da Liberdade
um governo que tivesse tambêm um caràter nacional.
Para isso ele convocou Milton Campos, Josê Maria de Alckmin e eu.
Eu fui prevenido disso com algumas semanas de antecedência.
E fui cientificado de que seria informado
no dia em que fosse necessària a minha presença em Belo Horizonte.
A minha função, que era a de ministro sem pasta -
nós três, Milton Campos, Josê Maria de Alckmin e eu,
fomos nomeados secretàrios sem pasta.
E a minha função de secretàrio sem pasta
era a da obtenção de um eventual apoio internacional
para o reconhecimento da nossa condição de beligerante,
caso as condições efetivas do movimento que se preparava,
chegasse atê a esse ponto.
O reconhecimento de beligerância, como você sabe bem,
importa no fornecimento de elementos capazes de auxiliar
o movimento político que està em andamento.
Não foi necessàrio.
E nós sabíamos, confiàvamos na vitória.
E houve uma reunião mesmo nossa,
em que, antes, estàvamos todos imaginando o tempo que duraria.
A previsão era de durar uns seis meses de luta. No mínimo.
Eu era considerado um homem otimista,
achava que em um mês se acabava.
O único que acertou foi Golbery,
que disse: " cai como um castelo de cartas."
Apesar da surpresa,
apesar do desgaste, que jà vinha sofrendo o governo,
se o presidente João Goulart decidisse resistir,
decidisse contra-atacar -
ele dispunha ainda de tropas, dispunha de elementos aqui no Rio,
para inclusive ocupar o palàcio Guanabara, onde estava o Lacerda conspirando -
ele talvez tivesse ganho aquela parada.
Ou pelo menos estabelecido uma luta mais prolongada.
Mas ele resolveu não resistir,
numa decisão a meu ver atê acertada, porque evitou derramamento de sangue,
e hoje, depois dessas informações liberadas là do americano,
a gente està vendo o envolvimento que inclusive tinha o governo americano
no golpe militar que estava se processando no Brasil.
A história de que os EUA tinham mandado navios para o Brasil
era uma coisa velha.
Ela jà tinha sido inclusive mencionada uma vez em um programa de auditório
da TV americana chamado " Firing Line" , que ê do William Buckley.
Ele estava entrevistando na êpoca, no começo da dêcada de 70,
o governador - o ex-governador jà na êpoca, Carlos Lacerda -,
quando do auditório se levantou alguêm e disse: " olha, isso aí não ê verdade,
eu estava no Caribe na êpoca, embarcado, fazendo serviço militar,
e o navio em que estava foi desviado para a costa brasileira
na êpoca da revolução.
Havia histórias assim. E havia tambêm a conversa
de que talvez os EUA tivessem mandado realmente navios para a costa brasileira,
mas eram só petroleiros.
O que se descobre na operação " Brother Sam"
ê que ela em conjunto era uma coisa muito maior.
Quer dizer, de verdade incluía os quatro petroleiros,
os quatro petroleiros vinham abastecidos
para garantir o suprimento de combustível da revolução
se o movimento tivesse que durar, encontrasse muita resistência
e tivesse que ser prolongado por mais de um mês.
Havia 136 mil barris de gasolina comum,
querosene para aviação, havia tudo isso.
Tambêm houve a movimentação de navios de guerra,
que eram, se não me engano, seis destroyers.
Um porta-aviões foi mandado para a costa brasileira,
navio especializado em transporte de helicópteros,
24 aviões de combate e transporte.
Houve um embarque muito grande de munição,
que não chegou sequer a ser trazido para o Brasil,
mas foi embarcado nos EUA.
Esses navios, de vàrios pontos do Atlântico,
começam a convergir para a costa brasileira.
Um pouco antes da madrugada do dia 2 de abril,
toda a operação ê desmobilizada quando chega o aviso
de que os militares jà tinham tomado o poder.
Essa era a operação " Brother Sam" .
No dia 2 de abril, com os gaúchos desmobilizados,
Jango partiu para São Borja e em seguida para o exílio no Uruguai.
No Rio, a polícia de Carlos Lacerda prendeu a missão comercial chinesa,
acusada de terrorismo.
Coube ao velho defensor de presos políticos Sobral Pinto
provar a inocência dos diplomatas.
O líder comunista Gregório Bezerra, arrastado pelas ruas do Recife,
foi jogado na cadeia.
Entre os prisioneiros, um traidor:
o soldado Josê Anselmo dos Santos, conhecido como cabo Anselmo.
Dirigente da associação dos marinheiros
e líder do motim no sindicato dos metalúrgicos,
anos depois seria denunciado como infiltração da polícia
pelos militantes da luta armada.
No Rio de Janeiro, a classe mêdia faria a versão carioca
da " marcha da família com Deus pela liberdade" ,
jà com a vitória assegurada.
"O direito de nascer. "
Este furor cívico seria logo depois capitalizado para a campanha
" Dê ouro para o bem do Brasil" ,
uma tentativa de resolver os problemas econômicos do país
com atos de caridade patriótica.
Ao chegarem no Rio,
Mourão e Magalhães receberam cumprimentos pela vitória
de um movimento que aparentemente chefiavam.
Em minha interpretação, ocorreram dois golpes em 64.
O primeiro golpe foi um golpe típico latino-americano.
Algumas forças civis apoiando um movimento militar
que surgiu là em Minas Gerais
e que realmente,
nos seus aspectos exteriores,
era realmente o que nós conhecemos da história da Amêrica Latina.
Agora, no curso daquele golpe, houve o outro, deu-se o outro.
Por dentro.
Este foi o que ficou
e acabou expelindo todos os personagens, civis e militares,
que participaram do primeiro.
Este foi o que permaneceu,
foi este que construiu neste tempo um núcleo militar
e um sistema econômico.
Porque, na verdade, haviam dois movimentos.
O de Minas, que eu chamo que era um movimento ingênuo, patriota,
que queria apenas pôr ordem no país,
e não desejava nada de pessoal. Eu jamais desejei.
Tanto que, chegado ao Rio de Janeiro,
o Carlos Lacerda e o Juscelino me procuraram,
dizendo que era hora de eu assumir o poder e eu disse
que não fiz o movimento para assumir a presidência da república.
Foi sem pleitear qualquer coisa de pessoal.
O que eu queria ê que o Brasil entrasse no seu caminho verdadeiro
da ordem, da tranquilidade.
No Rio de Janeiro havia um grupo que se preparou.
Que se preparou muito bem.
A esse grupo parece que Lincoln Gordon estava ligado.
Porque esse grupo teve recursos.
Nós em Minas fizemos com os nossos recursos próprios.
E poucos.
E nem depois fomos indenizados.
Porque o presidente Castelo...
era do outro grupo.
A escolha do general Castelo Branco
inaugurou no Brasil o sistema de eleições presidenciais indiretas
com candidato único resguardado por atos institucionais.
Declaro empossado na presidência da república
dos Estados Unidos do Brasil,
sua Exa. o Sr. Humberto de Alencar Castelo Branco.
Defenderei e cumprirei com honra e lealdade a Constituição do Brasil.
Caminharemos para frente com a segurança de que o remêdio
para os malefícios da extrema esquerda
não serà o nascimento de uma direita reacionària.
Meu procedimento serà
o de um chefe de estado sem tergiversações
no processo para a eleição do brasileiro
a quem entregarei o cargo a 31 de janeiro de 1966.
1964 fechava o ciclo dos coronêis de 54.
Desta vez eles estavam unidos e tinham um programa.
Os conceitos forjados na Escola Superior de Guerra
substituíam a justiça social pelo desenvolvimento
e a democracia pela segurança.
O ministêrio Castelo Branco tinha políticos udenistas
e tecnocratas, agora a serviço da nova ordem.
Mas o verdadeiro núcleo do poder após 64
estava nas mãos dos companheiros de armas.
O general Costa e Silva no ministêrio da guerra,
o general Ernesto Geisel na chefia da Casa Militar
e o general Golbery do Couto e Silva, que com as fichas do lPES
montou o Serviço Nacional de lnformações.
O governo Castelo Branco recompôs antigas alianças.
Revogando a lei de remessa de lucros,
restabeleceu a crença dos EUA na democracia brasileira.
Anulando o decreto de desapropriação de terras improdutivas,
tranquilizou os grandes proprietàrios rurais.
Com as novas diretrizes econômicas,
o Fundo Monetàrio lnternacional veio em socorro do aliado.
O controle rigoroso dos salàrios
financiaria o desenvolvimento e o combate à inflação.
Depois de mandar para a prisão ou para o exílio
as principais lideranças de esquerda e do movimento sindical,
os militares desfaziam as ambições de seus aliados civis.
Ademar de Barros, governador de São Paulo,
se apegou a Castelo Branco mas foi demitido e cassado,
acusado de corrupção.
O sonho de Lacerda de chegar à presidência
acabou quando o marechal Castelo Branco prorrogou seu próprio mandato,
cancelando as eleições presidenciais de 1965.
As eleições para os governos estaduais fizeram de JK o centro da resistência civil.
A vitória das oposições para os governos estaduais
em Minas e na Guanabara inquietou o governo.
Pressionado pela linha dura,
Castelo Branco baixou o Ato lnstitucional nº 2,
extinguindo os partidos políticos
e transformando tambêm em indiretas as eleições dos governadores.
O cordial JK, tambêm cassado, cumprindo o ritual dos lPMs,
passou pelo mesmo caminho que muitos outros brasileiros passariam.
O fazendeiro Jango, exilado no Uruguai,
vivia a angústia e as incertezas da espera.
A volta, tão desejada, não tinha data marcada.
A amargura daqueles dias
dias tirava atê mesmo dos aniversàrios dos filhos o sabor da festa.
O desejo de ver o Brasil redemocratizado
fez Jango no exílio aliar-se a Carlos Lacerda e a JK
para formar a Frente Ampla, que logo foi proibida.
Diminuía gradativamente o espaço para os movimentos de oposição
Lacerda seria o nome mais ilustre a figurar na próxima lista de cassações.
O sucessor do Marechal Castelo Branco foi o general Costa e Silva.
Contra a vontade de Castelo, o ministro da guerra fez-se candidato.
No Congresso, sob aplausos da Arena e o silêncio do MDB,
Costa e Silva tomou posse.
O novo presidente prestou juramento com uma nova Constituição,
editada em 1967 e que tinha desfigurado os princípios liberais
da atê então intocàvel Carta de 1946.
A marginalização do povo e o fracasso das soluções políticas
abriram caminho para as passeatas.
Os movimentos de protesto promovidos por estudantes,
intelectuais e profissionais liberais, violentamente reprimidos,
levaram à radicalização.
A derrota do populismo
provocou o desencanto com as fórmulas políticas tradicionais
e lançou uma nova palavra de ordem: "a luta armada."
Da Zona das Caraíbas à cordilheira do sul,
espalhou-se a vaga revolucionària dos anos 60.
Os Tupamaros no Uruguai, Douglas Bravo na Venezuela
e o padre Camilo Torres na Colômbia iniciavam a ofensiva guerrilheira.
Os rangers treinados pelos EUA
iniciaram a grande caçada contra Ernesto " Che" Guevara.
A sombra desafiadora de Che
desapareceria em 8 de outubro de 1967.
A morte do comandante das guerrilhas, tantas vezes anunciada,
seria reconhecida por Fidel Castro em Havana.
No coração da Amêrica, na província de La Higuera, na Bolívia,
um helicóptero trazia amarrado o corpo de Guevara.
O general Hugo Bànzer fiscalizava pessoalmente a operação.
Estava nervoso como um caçador inferiorizado diante da presa.
Ernesto Che Guevara, o revolucionàrio exemplar, estava morto.
Sua imagem com um fuzil na mão e uma estrela na boina
renasceria não só no 3º mundo,
mas nas rebeliões de 68 em Paris, Praga, Berlim, Berkeley.
O menino Édson Luiz, assassinado a tiros no Rio de Janeiro,
seria a primeira vítima dos choques entre a polícia e os estudantes.
Quem cala sobre teu corpo
Consente na tua morte
Talhada a ferro e fogo
Nas profundezas do corte
Que a bala riscou no peito
Quem cala morre contigo
Quem cala morre contigo
Mais morto que estás agora
Relógio no chão da praça
Batendo, avisando a hora
Que a raiva traçou
No incêndio, repetindo
O brilho de teu cabelo
Quem grita, vive contigo
Sua morte motivou os grandes movimentos de protesto nas ruas.
É claro, ficou decidido na assemblêia dos intelectuais
que eles comparecerão em *** à passeata.
Eu estarei là e espero que vocês tambêm compareçam.
- E você, Tônia? - lremos comparecer todos.
Eu vou como mulher, como atriz, como mãe, como cidadã.
Eu vou porque eu quero que a opinião pública
saiba que nós indo, temos muita coragem para desmanchar o mito
de que o estudante està querendo uma coisa errada e a desordem.
Eles são a nossa esperança e nós estamos de braços abertos
para aceitar todas as suas reivindicações.
Eu me sinto orgulhosa de meus filhos participarem.
Estarei na rua, tenho dois filhos universitàrios.
Prefiro que meus filhos estejam na rua a estarem fumando maconha.
Em rodas de iê-iê-iê, fumando maconha.
Vamos passear na floresta escondida, Meu amor
Vamos passear na avenida
Vamos passear nas veredas do alto, Meu amor
Há uma cordilheira sobre os asfalto
O pretexto para o endurecimento do regime
foi o discurso do deputado de oposição Màrcio Moreira Alves,
o pedido do governo para processà-lo e a negativa do Congresso,
tomada em defesa de sua soberania.
Presidente Vargas
Presidente Vargas
Presidente Vargas
Vamos passear Nos Estados Unidos do Brasil
Vamos passear escondidos
Em dezembro de 1968, de novo numa sexta-feira 13,
o governo fechou o Congresso e promulgou o Ato lnstitucional nº 5.
O fechamento do regime e a repressão sobre as organizações civis
neutralizou a oposição.
A censura aos jornais, ràdio e televisão abafou qualquer sinal de protesto.
A lgreja, que ficou do lado das forças que derrubaram Jango,
reapareceu no final dos anos 60 como a única instituição organizada
em defesa da justiça e dos direitos humanos.
O assassinato do padre Henrique, colaborador direto de D. Hêlder Câmara,
marcou com sangue a nova orientação da lgreja.
Com a perseguição, a cassação de todo o movimento popular,
a obstrução dos movimentos sindicais,
faz com que a lgreja reste como o único espaço
onde o movimento popular possa se reorganizar.
É, de certa maneira, a única instituição para a qual
não se poderia nomear um general da reserva,
para ser o presidente da Conferência Episcopal
ou para ser o Arcebispo de São Paulo.
Então isso faz com que o popular irrompa dentro da lgreja.
Depois do sucesso inicial,
marcado por operações de sequestro e assalto a bancos,
a guerrilha urbana, isolada do povo, foi esfacelada.
O ex-deputado Carlos Marighella, antigo dirigente do Partido Comunista,
fundador da Ação Libertadora Nacional, ALN,
morreu em São Paulo numa emboscada preparada pelas forças policiais.
Só me cabe dizer aos trabalhadores: eu não vou renunciar.
Colocado em uma encruzilhada histórica,
pagarei com minha vida a lealdade do povo.
No Chile, ainda foi tentada outra alternativa:
uma coalizão que congregou comunistas, socialistas,
liberais e católicos progressistas elegeu o senador Salvador Allende.
Candidato derrotado nas eleições de 52, 58 e 64,
Allende chegou ao poder em 1970
propondo a via pacífica para o socialismo.
A alegria do governo de Allende,
a tentativa de conciliar socialismo com liberdade,
acabou num banho de sangue financiado pelos EUA.
Viva o Chile. Viva o povo.
Vivam os trabalhadores.
Em 1973, a ClA e a lTT
financiaram a deposição e o assassinato de Allende.
Em 1975 jà não restava nenhuma democracia no cone sul.
Mas este painel ficaria ainda mais sombrio.
Organizações policiais e paramilitares montaram a operação Condor,
com o objetivo de impedir qualquer ação política de oposição no continente.
Em Washington, uma bomba acabou com a vida de Orlando Letelier,
ex-ministro de Allende.
Em Buenos Aires foi sequestrado e morto o senador Michelini, do Uruguai.
O general Juan Josê Torres, presidente da Bolívia,
e o general Carlos Prates, ex-comandante-em-chefe do exêrcito chileno,
foram assassinados por explosões de bombas.
O presidente João Goulart sabia que seu nome constava
nesta lista de políticos condenados.
O maior sonho dele, a maior vontade que ele tinha
era de voltar ao Brasil.
Acho que no fundo ele não aguentava mais essa instabilidade,
ficar percorrendo paises da Amêrica Latina,
mais tarde atê pensar em se radicar na Europa...
Porque a vontade que ele tinha, a esperança que ele tinha
era de poder voltar ao Brasil.
O sonho de retorno terminou no dia 6 de dezembro de 1976.
Na sua fazenda em Mercedes, na Argentina,
ao lado de Maria Tereza, morreu de um ataque cardíaco.
O jornalista Carlos Castello Branco registrou assim a sua morte:
O presidente João Goulart, sem condições de voltar ao Brasil,
compelido a deixar a Argentina e aconselhado a não permanecer no Uruguai,
morreu como um peão perdido,
à procura do caminho de volta ao seu galpão.
Seu desejo de voltar era muito forte.
Na fração de tempo que separa a vida da morte,
voltaram as imagens da juventude em São Borja,
da sua posse em Brasília, do 13 de março na Central,
do enterro de Vargas.
Do carinho do povo
e do seu papel na luta pela construção de uma sociedade mais justa,
que lhe valeu o destino de ser o único presidente brasileiro a morrer no exílio.
No dia 7 de dezembro,
o corpo de João Goulart atravessou de volta a fronteira do Brasil
para ser enterrado em São Borja.
Haviam se passado 12 anos desde que ele saíra para o exílio.
A família, os amigos e ex-auxiliares
estenderam sobre o caixão do ex-presidente da república
a bandeira da anistia.
O silêncio foi a versão oficial do governo.