Tip:
Highlight text to annotate it
X
Eu penso que provavelmente a maioria de vocês achou
os três capítulos desta semana mais fáceis de ler
do que os três capítulos anteriores.
Pelo menos, espero eu.
Porque eles são muito mais simples e
penso eu… direccionados do que o que se passou antes.
Porque estamos a ver uma macro-transição no argumento que, se olharem para trás,
sobre onde estivemos, começamos
por olhar simplesmente para a troca de mercadorias,
matéria-prima na mercadoria, uma espécie de troca directa na qual podemos imaginar
o tempo de trabalho socialmente necessário incorporado em cada mercadoria, mesmo que
haja uma impossibilidade de tal coisa, a seguir passamos para
uma relação M-M
relação de mercadoria por mercadoria,
a seguir para o argumento de que
para a troca poder tornar-se geral, precisamos de alguma forma
na qual os mercados possam funcionar
e isso implica o surgimento da forma dinheiro. Então fomos para…
a troca de mercadorias mediada por dinheiro.
E no final do capítulo sobre dinheiro, de repente entramos nesta
inversão onde começamos a olhar para uma forma de circulação que tinha
esta forma: (D-M-D),
e na qual o objectivo é diferente
da forma M-D-M E na forma como Marx coloca isto,
no circuito M-D-M
vocês ficam perfeitamente felizes com o facto de que estão na troca de equivalência, porque estão trocando
diferentes qualidades de camisas e sapatos e maçãs e laranjas e de tudo o resto.
E estão perfeitamente felizes
com a ideia de que terminam com o mesmo valor com que começam, porque
vocês estão apenas interessados no valor de uso.
Quando chegamos a isto, contudo, tal como Marx assinala, é uma ideia absurda
pensar que vocês iriam pegar no dinheiro e correr todos os riscos, e todos os problemas,
passar por todo este processo de circulação, para chegar ao fim com a mesma quantia de dinheiro.
Portanto, ele diz algo do tipo: a única forma deste processo de circulação fazer sentido é
adicionando Delta-dinheiro ou, como ele irá definir: a mais-valia.
E então coloca-se a grande questão: de onde vem a mais-valia?
Quando as leis de troca são muito explícitas, tal como são apresentadas na economia política clássica,
e em tudo o resto: em mercados que funcionam na perfeição
vocês teriam equivalentes na troca, do tipo:
um equivalente aqui, um equivalente ali… então, de onde vem o extra?
E a resposta será de que haverá uma mercadoria que tem a capacidade de
produzir mais valor do que tem, e isto é a força de trabalho. Então é esta a resposta, se quiserem.
Assim, estes três capítulos são, na realidade, sobre esta transição
na qual olhamos para
o que está a acontecer no mercado. Portanto, esta é a história destes três capítulos
Mas, como já vem sendo hábito, com Marx há sempre alguns enigmas
e algumas coisas estranhas que precisamos de analisar.
E logo na primeira página
deste capítulo, que abre esta análise sobre
a fórmula geral do capital,
ele coloca uma questão que eu próprio
já tenho colocado várias vezes. Mas que, penso eu, toma uma
forma mais significativa e uma forma sobre a qual precisamos reflectir, porque,
penso eu, tem um considerável significado sobre o modo como compreendemos
a nossa situação actual.
De facto, o que ele faz nesta primeira página
é salientar que existe tanto uma origem lógica do capital
como uma origem histórica.
E temos de estar atentos à origem histórica.
Assim sendo, ele diz: "A circulação de mercadorias é o ponto de partida do capital.
Produção de mercadorias e circulação desenvolvida de mercadorias,
comércio, são os pressupostos históricos sob os quais ele surge."
Portanto, os pressupostos históricos são importantes. "Comércio mundial e mercado mundial
inauguram no século XVI a moderna história da vida do capital."
Aqui ele está a falar sobre as origens históricas do capitalismo.
E claro, ao mencionar o século XVI, usa um argumento que Wallerstein
transformou num grande argumento,
no seu argumento dos sistemas mundo sobre a formação dos mercados mundiais, do século XVI em diante,
que está na origem do capital.
E no final desta página ele diz:
"Historicamente, o capital se defronta com a propriedade fundiária, no início, em todo lugar, sob a forma de dinheiro,
como fortuna em dinheiro,
capital comercial e capital usurário."
E iremos encontrar esta questão da posicionalidade
do capital dos comerciantes e do capital dos agiotas,
ou como agora lhe chamaríamos "capital financeiro" que é uma forma muito mais respeitável de lhe chamar.
Qual é o papel deles na relação com o capital industrial?
E, então, ele faz um argumento lógico: "No entanto, não se precisa remontar à história
da formação do capital (…)
A mesma história se desenrola diariamente ante nossos olhos."
O capital entra "como dinheiro, dinheiro que deve transformar-se em capital
por meio de determinados processos."
A implicação imediata disto é que o dinheiro não é necessariamente capital
Capital é dinheiro usado de uma determinada maneira.
Assim, nem todo o dinheiro é capital.
Eu posso criar capital pegando simplesmente em dinheiro do meu bolso e usando-o duma certa forma,
lançando-o nesta forma de circulação.
E posso tirar o capital da circulação dizendo simplesmente. Oh, eu não vou fazer isto mais,
eu vou pegar em todo este dinheiro e colocá-lo de volta no meu bolso.
Portanto, se vocês colocarem a questão:
'Qual é a quantidade total de dinheiro na sociedade? e 'qual é a quantidade total de capital na sociedade'
vocês estão a colocar duas questões fundamentalmente diferentes.
E têm de perceber que o capital é criado
por uma decisão social, por parte de algumas pessoas algures
para usar o capital desta forma particular.
E é este processo de conversão do dinheiro em capital que
Marx quer realmente analisar nestas secções.
"A primeira distinção, diz ele, é realmente
na sua "forma de circulação"
E aqui ele volta a algumas coisas que já tinha feito anteriormente no capítulo do dinheiro
repetindo de certa forma o que já tinha dito:
bem, indo de M para D e de D para M são duas operações diferentes.
Do mesmo modo,
começando com D e ir para D é uma operação de tipo diferente desta.
Portanto, já sabem, e então ele entra nesta
noção imediatamente, tal como diz no meio da página 248:
"…o processo de circulação D-M-D seria insosso e sem conteúdo
caso se quisesse, por intermédio de seu rodeio,
permutar o mesmo valor em dinheiro por igual valor em dinheiro, assim, por exemplo, 100 libras esterlinas por 100 libras esterlinas."
Mas, então aparece algo aqui que é muito importante, que é:
O que é feito com o dinheiro quando é recebido.
Como ele diz na página 249, a dois terços da página:
"O dinheiro, portanto, não é gasto, é apenas adiantado."
Ou seja, o capitalista usa o dinheiro e afasta-se dele mas não o gasta
no sentido comum do consumo.
(Ele) avança o dinheiro
de forma a obter de volta esse dinheiro mais
o lucro, o valor excedente.
Assim, a intenção do processo de circulação é o que realmente interessa aqui.
Uma coisa é a troca dos valores de uso.
E isso é sobre a satisfação da
necessidade social, ou de uma necessidade ou querer individual, ou desejo, etc.
Mas então a outra é esta quantidade quantitativamente diferente
de valor, que vocês, procuram adquirir através
da forma de circulação: a perfeita circulação D-M-D'.
E esta leva a esta definição, que é uma definição muito importante na página 251, que diz:
Portanto, o processo D — M — D não deve seu conteúdo a nenhuma diferença qualitativa de seus extremos,
pois ambos são dinheiro, mas apenas à sua diferença quantitativa.
Esse incremento, ou o excedente sobre o valor original, chamo de — mais-valia (surplus value)."
Uma categoria fundamental na teoria marxiana: mais-valia.
E a grande questão que irá ser colocada é, claro:
"O que é a mais-valia, de onde vem, de que é que trata?
No topo da página 252, ele então elabora uma pouco: "O valor originalmente adiantado
não só se mantém na circulação, mas altera nela a sua grandeza de valor,
acrescenta mais-valia ou se valoriza."
A valorização do capital é sobre a forma como
a intenção original para ganhar mais dinheiro é realizada no fim do processo de circulação.
E então ele prossegue dizendo: "E esse movimento transforma-o em capital."
Várias vezes tenho feito este tipo de comentário, que Marx
está sempre interessado em processos, em vez de coisas.
E se vocês se auto-questionarem:
'Bem, o que é o capital?' A resposta está imediatamente, penso eu, antecipada nesta frase:
É valor em movimento.
É um processo de circulação
É um valor que está em movimento
de modo a criar mais valor.
E esta é a definição do capital, quando ele diz: 'E este movimento converte-se em capital.'
Portanto, é o movimento que faz isto.
Não é uma coisa.
Não é olhar para uma coisa e dizer: 'Ah, isto é capital.'
Não é o que acontece.
No que diz respeito a Marx, é quanto algum é colocado em movimento.
Só quanto é posto em movimento é que é capital. E quando o movimento pára, não é capital.
Portanto esta é a definição-processo de capital,
que é fundamental para o argumento de Marx.
E como eu já assinalei,
todos nós podemos ir e criar imensas quantidades de capital amanhã,
se pegarmos em todo o nosso dinheiro do bolsos, e começarmos a usá-lo desta maneira.
Nós poderíamos também livrarmo-nos amanhã de um monte de dinheiro, se fôssemos por aí e pegássemos em todo este dinheiro e disséssemos:
'Ok, vamos apenas gastá-lo.'
E não usá-lo desta forma.
Mas isto então também cria uma outro interessante elemento na história. Porque na página 253
ele salienta o seguinte:
"A circulação simples de mercadorias…"
"..a apropriação de valores de uso, a satisfação de necessidades." etc.
"A circulação do dinheiro como capital é, pelo contrário, uma finalidade em si mesma,
pois a valorização do valor só existe dentro desse movimento sempre renovado.
Por isso o movimento do capital é insaciável."
Agora, lembrem-se do capítulo sobre dinheiro.
Quando ele falou sobre a forma como o dinheiro é uma forma de poder social,
e como forma de poder social é potencialmente ilimitado.
Por conseguinte, não há limites para quanto dinheiro,
e o tipo de poder social que se pode acumular.
Enquanto que existe um limite para o número de valores de uso que vocês podem razoavelmente acumular,
o número de sapatos, número de Ferraris, número de iates, o número de casas. Todas estas coisas.
Há um limite, enquanto que isto é ilimitado.
Portanto, isto é então uma forma de circulação que tende sempre para a quebra de limites.
Estendendo, expandindo, crescendo, por definição.
Movimento. Deve mover-se, deve expandir-se.
Deve sempre estar à procura do delta D, mais delta D.
Enquanto que numa sociedade governada pela simples troca de valores de uso
não teríamos este imperativo.
Eu antes tinha colocado esta questão do Capital de Marx:
O que é socialmente necessário?
Mas o que estamos aqui a ver é Marx a imediatamente fazer o argumento de que o que é socialmente necessário
para a sobrevivência do capitalismo é a sua constante expansão,
o seu constante crescimento.
E seu constante esforço no sentido do crescimento ilimitado.
Pode não chegar lá, pode encontrar todo o tipo de limites, pode colapsar,
pode destruir o ambiente, pode destruir a política, pode fazer todo o tipo de coisas horríveis.
Mas o capitalismo enquanto sistema está necessariamente conectado socialmente
com esta pulsão pela mais-valia.
O que o leva até à página 254 para definir o papel do capitalismo.
Lembrem-se uma vez mais, no Capital
estamos a lidar com papéis, não com indivíduos.
Digo, vocês e eu podemo-nos tornar imediatamente capitalistas.
Podemos deixar de ser capitalistas.
Alguns de nós podem, em algum grau, já ser mini-capitalistas.
Eu tenho um fundo de pensão que, na verdade, investe em coisas. Assim, em certo sentido, eu sou um pouco um capitalista.
Ele está na bolsa de valores. O fundo de pensão está lá.
Assim, é para o papel que nós iremos olhar, o papel do capitalista.
E o que Marx diz é isto na página 254: "Como o portador consciente desse movimento,
o possuidor do dinheiro torna-se um capitalista.
Sua pessoa, ou melhor, seu bolso,
é o ponto a partir do qual o dinheiro começa, e para o qual ele retorna.
O conteúdo objetivo da circulação que nós estamos discutindo
é o seu propósito subjetivo, e é somente na medida em que a apropriação de sempre mais riqueza em
abstrato é a única força motriz por trás de suas operações que ele funciona como um capitalista…"
Isto é - se você é um capitalista, você tem que estar buscando essa expansão.
Buscando a mais-valia.
Ganhando a mais-valia. Criando um mundo ao redor de você no qual
aquela mais-valia possa ser realizada, no qual o seu capital possa ser valorizado.
A implicação disso é esta: "Valores de uso nunca devem, consequentemente, ser tratados como o objetivo
imediato do capitalista;
nem deve o lucro em alguma transacção singular. Seu objetivo é, antes, o movimento incessante de fazer lucro.
Essa compulsão sem limites pelo enriquecimento, essa caça fervorosa atrás do valor, é comum
ao capitalista e ao avarento;
mas, enquanto o avarento é meramente um capitalista que enlouqueceu, o capitalista é um avarento racional.
O incessante aumento do valor, que o avarento busca obter poupando, retirando seu dinheiro da circulação,
é alcançado pelo mais sagaz capitalista através de "lançar o seu dinheiro, repetidamente, na circulação."
O exemplo literário disso, que eu sempre
adorei, é o romance "Eugenie Grandet" de Balzac,
que muito provavelmente Marx havia lido.
E, no começo do romance, há este avarento,
Grandet, com todo o ouro escondido em algum lugar da sua casa.
E, no final da história,
ele coloca todo o seu ouro em sacos, e ele está indo para a cidade, com a finalidade de convertê-lo em rendas,
para que ele possa obter uma taxa de retorno
sobre ele no mercado de dinheiro. Assim, essa é a história do
avarento e do capitalista. E da conversão
do avarento em capitalista. Eu frequentemente imagino se Marx tinha essa história
em mente quando ele escreveu essa
breve coisa. Ele leu tudo de Balzac. Nós sabemos disso.
Assim, quase com certeza, eu suspeito que ele tinha aquilo em mente quando ele escreveu isso.
Isso, então, leva
a uma contemplação adicional, nas páginas 255-256, sobre a definição de capital.
Porque, enquanto capital é valor em movimento, ele também assume essas formas físicas.
Ele é objetificado nessas formas físicas, e ele
tem que ser objetificado em formas físicas.
Como ele diz: "Ele está constantemente mudando de uma forma para outra,
sem ficar perdido nesse movimento; ele, então, torna-se transformado
em um sujeito automático… Nós chegamos à seguinte elucidação:
capital é dinheiro, capital é mercadoria."
Isto é, quando nós olhamos para essa forma de circulação: nós vemos que o capital existe aqui
na forma dinheiro; aqui ele existe na forma mercadoria;
aqui ele retorna na forma dinheiro.
Assim, em termos das suas objectificações é nessa formas.
Então ele prossegue: "De facto, porém, o valor se torna aqui o sujeito de um processo
em que ele, por meio de uma mudança constante das formas de dinheiro e mercadoria,
modifica a sua própria grandeza, enquanto mais-valia se repele de si mesmo,
enquanto valor original, se auto-valoriza.
Pois o movimento, pelo qual ele adiciona mais-valia, é seu próprio movimento, sua valorização,
portanto auto-valorização.
Ele recebeu a qualidade oculta de gerar valor porque ele é valor.
Ele pare filhotes vivos ou ao menos põe ovos de ouro."
Duas coisas acerca disto - Primeiro: o valor é um sujeito.
O valor é aqui o sujeito de um processo,
porque o capitalista é um portador desta busca de mais-valia.
E, portanto, Marx está como que a dizer: 'O capitalista não tem propriamente qualquer escolha.
Se eles vão ser capitalistas isto é o que têm de fazer.'
E o que isto significa é que
em vez de analisar o que os indivíduos capitalistas fazem, nós analisamos a circulação do valor
nestes termos, a fim de entender o que fazem os capitalistas.
O que é isto que os leva a fazer as coisas que fazem?
A segunda coisa sobre esta passagem é, há aqui uma grande ironia.
Quando Marx fala sobre a forma de ser valor: "(..)Ele recebeu a qualidade oculta de gerar valor porque ele é valor.
Ele pare filhotes vivos ou ao menos põe ovos de ouro."
Marx frequentemente usa ironia e muitas vezes usa fortes piadas.
E é preciso ter cautela para não levar muito a sério as piadas.
Claro, ele está a falar sobre o mundo das aparências.
Isto aparece como se estivesse oculto, e muito do capital será sobre a elucidação
do que está por detrás desta qualidade oculta aparente de parir ovos de ouro por si próprio.
Eu uma vez vez fui convidado para fazer parte do júri de uma
tese de doutoramento em filosofia que, na realidade, levou esta passagem a sério,
e que falava sobre a teoria oculta de Marx da criação de valor.
E eu disse algo do género: 'Bem, você realmente leu a secção sobre o fetichismo das mercadorias?
Não percebeu que na verdade o que Marx está aqui a fazer
é a criar o conceito de fetiche, no sentido de o desconstruir, de o desmistificar?
Todos os orientadores do estudante ficaram muito embaraçados e disseram: 'O que era isso?'
Portanto, cuidado ao ler Marx, não tomem algo como isto,
que é uma ironia ou uma piada, e a levem muito a sério.
Uma série de problemas surgem daqui.
Portanto, ele está a apresentá-lo neste mundo de aparências. Como se parece o capital?
Vocês podem ver de onde vem a qualidade oculta.
Se vocês têm uma conta poupança e a colocam num banco,
vocês põem-na numa conta poupança. No final do ano vocês recebem juros…
ovos de ouro… acontecendo magicamente, certo?
Vocês pensam que é natural.
Mas Marx está a dizer algo do género: 'Ok, todos nós
vivemos num mundo onde, na realidade, parece como inevitável que o nosso capital cresça.'
Portanto, o ponto aqui é que, de facto, isto têm esta aparência de qualidade oculta.
E se nós estamos simplesmente contentes com esta qualidade oculta e imaginamos que vão aparecer ovos de ouro
num certo sentido, é sobre isto que é o argumento da privatização da segurança social,
nós fomos convidados, ou vocês foram convidados - é um nadinha tarde para me convidarem para isto - mas vocês foram convidados
a pôr o vosso dinheiro em algum sítio, e apenas esperar para que ele cresça.
E na realidade a acreditar nesta qualidade oculta, que de algum modo ou de outro isto iria ser
o vosso ninho de ovos de ouro.
Portanto, o que Marx está aqui a fazer é simplesmente sublinhar que, na realidade,
nós vivemos num mundo
e isto era verdade dos rendimentos dos rendeiros no tempo de Marx,
e que é a história de Eugenie Grandet, que
ele iria obter os ovos de ouro que viriam do investimento em alugueres.
Assim, isto leva-o a dizer o seguinte:
Que fora destas duas formas, dinheiro - mercadoria - dinheiro,
em que ponto neste processo
estão vocês em posição para medir quanto valor têm?
A resposta é: na forma dinheiro.
Portanto, há uma certa assimetria em tudo isto.
Eu não sei o que a mercadoria vale até chegar ao mercado.
Só quando eu chego ao mercado, eu sei o que obtenho na forma dinheiro, e só então eu sei
que tenho a mais-valia.
Assim, ele diz na página 256: "Na circulação simples
… a circulação D-M-D, aqui ele se apresenta subitamente como uma substância em processo e semovente,
para a qual mercadorias e dinheiro são ambos meras formas."
E então ele fala sobre a forma como isto funciona.
E logo cedo fez o comentário: "O dinheiro não se apresenta aqui, portanto,
polemicamente contra a mercadoria, como no entesouramento."
Em seguida, ele usa esta expressão, que, tenho a certeza, fez pensar alguns de vocês.
"O capitalista sabe que todas as mercadorias, por mais esfarrapadas que elas pareçam
ou por pior que elas cheirem, são, na verdade e na fé, dinheiro, judeus no íntimo circuncisos
e além disso meios milagrosos para fazer de dinheiro mais dinheiro."
Mais a baixo e chega à conclusão. "O valor torna-se, portanto, valor em processo,
dinheiro em processo e, como tal, capital."
Isto é dinheiro, que é o lugar onde começamos.
Agora, há um número de coisas
a acontecer aqui, para as quais é importante olhar.
Sobre a passagem sobre os Judeus há um debate,
onde tenho a certeza, se querem que vos leve, não encontrarão fim à vista.
Quanto ao grau em que Marx é anti-semita.
E os seus comentários sobre os judeus são frequentes nestes casos.
Há várias maneiras de poderem ler isto.
Há várias explicações sobre a forma como e porque ele usa este tipo de linguagem.
Claro que não era uma linguagem pouco comum nesta época.
Basta pensar em Dickens e Fagin e todos os outros.
Portanto, isto não é pouco comum.
Mas então, penso eu, existe ainda uma outra maneira de ler isto.
E consiste em dizer: o que Marx está a dizer
é que todos estas coisas realmente desagradáveis que são ditas sobre os judeus,
que tinham sido ditas sobre os judeus na sociedade cristã,
deviam de facto ser ditas sobre o capitalista.
Que realmente vocês deviam pegar em todo este estigma, e em todas esta retórica que é direccionada para
um grupo ético particular que está associado com o dinheiro,
e, em seguida, transferi-lo para
esse grupo que realmente usa o dinheiro dessa forma - que é a classe capitalista.
Podem pegar nisto, ou deixar.
Vão ler o debate e a discussão, há muita discussão sobre este tema.
Mas voltamos novamente neste capítulo à ideia de que
o capital é valor em movimento. É um processo.
É definido nestes termos.
Mas é um processo que pode apenas ser medido e compreendido
em termos de valor do dinheiro.
Assim, a forma dinheiro torna-se, por assim dizer,
antecipadamente no processo de circulação.
Então ele regressa a um tópico que já tinha sido aflorado no capítulo dois.
Que é dizer: 'Bem, há várias formas diferentes em que pode ocorrer D-M-D,
temos capital de comerciantes,
temos capital portador de juros, temos capital industrial.'
Portanto, temos de ter em conta todas estas formas diferentes de circulação e reconhecer
que todas elas caem na alçada desta rubrica geral da forma de circulação D-M-D mais delta-dinheiro.
Próximo capítulo.
Ele imediatamente levanta o problema
de onde possivelmente pode vir esta mais-valia.
Nas páginas 260-61 ele começa a falar sobre o problema.
Mesmo no fim, começa primeiro a falar sobre:
"A própria economia vulgar, por pouco que pressinta o que seja valor
supõe por isso, sempre que ela, à sua maneira, queira considerar o fenómeno em sua pureza,
que procura e oferta se igualam,
isto é, que seu efeito simplesmente cessa."
Eu tenho-vos mencionado várias vezes este argumento, que Marx está
frequentemente a introduzir. Que é que as condições de oferta e procura
explicam porque os preços estão sempre a oscilar em todo o lado, mas
o preço de equilíbrio é o que nos interessa aqui olhar.
E mesmo os teóricos do capitalismo
aceitam que a igualdade deveria ser uma condição de troca.
Por isso, na página 261 ele diz: “Onde há igualdade, não há lucro”.
"Mercadorias podem chegar a ser vendidas por preços que se desviam de seus valores, mas esse desvio
aparece como violação da lei da troca de mercadorias."
As leis são as leis da economia política tal como foram estabelecidas a funcionar
num mercado mundial perfeitamente competitivo por Adam Smith e Ricardo.
Assim, ele diz:
"Em sua figura pura, ela é uma troca de equivalentes,
portanto não um meio de enriquecer em valor."
Então ele continua dizendo, bem, uma das formas pelas quais os economistas políticos clássicos,
e ele destaca Condillac,
têm lidado com isto, é através
da mudança imediata, dizendo: bem isto deve ter algo a ver com valores de uso.
Mas Marx refuta isto dizendo: como sabem, toda a vossa análise diz que não podem ser valores de uso.
E as suas análises dizem que não podem ser valores de uso.
Perante este dilema, de onde vem o lucro,
eles não pode refugiar-se nos valores de uso.
O que o leva, portanto, para a seguinte
conclusão, na página 262: "Se mercadorias ou mercadorias e dinheiro de igual valor de troca,
portanto equivalentes, são trocados,
então evidentemente ninguém tira da circulação
mais do que lança nela.
Então não ocorre nenhuma formação de mais-valia.
Mas, em sua forma pura, o processo de circulação
das mercadorias condiciona o intercâmbio de equivalentes
No entanto, as coisas na realidade não se passam de modo puro.
Suponhamos, portanto, intercâmbio de não-equivalentes."
E então ele passa por uma série de casos. Vamos supor que o vendedor é favorecido
por alguma razão. Os vendedores são favorecidos por alguma razão.
Mas então quando vocês examinarem os papéis das pessoas descobrirão que, se os vendedores são favorecidos,
então os compradores são menos favorecidos.
Então, eles não vão obter um ganho líquido. A mesma coisa aplica-se
se os compradores forem favorecidos por alguma razão.
Então os vendedores irão ser os perdedores. Portanto, não há um ganho líquido.
O que o leva a considerar, na página 264,
a questão daquilo a que ele chama "procura eficaz" e que nós hoje chamamos "procura efectiva".
O que ele está a tratar aqui é uma resposta que
foi dada a este enigma por alguns economistas, particularmente Malthus, na sua economia política.
Que costumava dizer: Bem, existe uma classe de consumidores em algum lugar, cujo dever é
consumir tanto quando possível, porque têm excesso de dinheiro.
E é daí que virá a procura extra, que vos dará o delta-dinheiro.
E, em particular, Malthus argumentou da seguinte forma: Existem três grandes classes na sociedade:
Trabalhadores, que não podem ser uma fonte de procura eficaz.
Capitalistas, que estão reinvestindo o seu dinheiro. Por isso não podem ser uma fonte de procura eficaz.
E depois existe um monte de parasitas na sociedade; aristocratas e senhores e sacerdotes
e tudo o resto, que se sentam em torno
com montes de dinheiro, e cujo trabalho é consumir ao máximo
a fim de estabilizar o sistema.
E Malthus também sugeriu que na falta de uma classe de consumo doméstico
pode-se ir para o comércio externo.
E Marx responde a ambas as questões
de forma negativa, dizendo:
Bem, se há por aí algures uma classe de proprietários, então em algum ponto ou outro
eles irão ser colocados dentro do sistema e na medida em que eles estão realmente usando o dinheiro,
o dinheiro virá de algum lado, portanto eles não serão a resposta.
Todos esses parasitas no aparelho de estado
obtêm o seu dinheiro de algum lugar, trata-se desse processo de circulação, por isso está sendo extraído.
Assim, seja o que for que esteja a ser extraído está sendo trazido de volta.
E então ele usa a argumentação do tributo de Roma, para dizer, bem, como sabem, mesmo se trocarem
com estrangeiros e lhes arrancarem
então eles arrancar-vos-ão também, e assim sucessivamente, não há nenhuma mais-valia
que saia deste processo. Assim
o argumento da procura efectiva, da fonte externa da procura efectiva, não funciona na perspectiva de Marx.
Nem o da classe interna dos consumidores de trabalho.
Isto é, um dos grandes paradoxos, claro, no caso de Malthus era que a sua economia política
falava sobre a necessidade de uma classe de consumidores que consumissem como uns loucos a fim de manter
a economia em equilíbrio.
Ao mesmo tempo, ele falava sobre as pessoas pobres que eram pobres
porque se estavam a reproduzir a tal ponto que já não havia recursos suficientes em redor
e havia… todo esse tipo de problemas.
Então, num certo sentido, quando eles escreveu a sua economia política,
Malthus tinha uma explicação completamente diferente do modo como o mundo funcionava do que tinha quando
escreveu a sua teoria da população.
E é muito interessante olhar para estas
duas representações que Malthus trouxe,
mas o seu reconhecimento do problema da procura eficaz foi importante. Tal como mencionei da última vez,
Keynes tomou isso como sendo
um aspecto muito crítico e disse: Bem, na realidade o financiamento da dívida vai ser uma das
maneiras para nós fazermos isso. Mas para Marx isto não pode funcionar.
E então ele passa para o argumento final
que é: bem, talvez o problema seja nós estarmos a olhar para
a coisa de forma agregada, por isso olhemos simplesmente para os indivíduos.
E se olharmos para os indivíduos, o que vemos é, num certo sentido, sim, de facto, pode haver
muitos Pedros a roubar para pagar a Paulos, mas não haverá mais-valia total disponível desta forma na sociedade.
Uma pessoa perde e outra ganha.
Mas então isto rapidamente inverte-se por isso não há benefício agregado
que surja daí.
O que o leva à conclusão na página 266: "Pode-se virar e revirar como se queira,
o resultado permanece o mesmo. Se equivalentes são permutados, daí não surge mais-valia
e se não-equivalentes são permutados, daí também não surge mais-valia
A circulação ou o intercâmbio de mercadorias não produz valor."
Proposição muito importante em Marx, e algo sobre o qual vocês têm realmente de pensar.
A circulação não cria valor. O valor não pode ser criado através da troca de mercado.
Pode ser redistribuído por meio de troca, mas não pode ser criado
através da troca do mercado, se o mercado de troca for desse tipo de competição perfeito.
O que o leva a dizer:
'OK, nós também temos de lidar com comerciantes de capital, e usurários de capital'
E ele diz:' Sim, ok, os comerciantes de capital eram uma das formas anti-dilúvio de capital,
no início do século XVI, XVII'
E os comerciantes de capital operavam, de facto, com base na violação das leis de troca.
Na página 267 ele cita Franklin: “Guerra é roubo, comércio é engodo”.
Por isso, sim, os comerciantes enganavam grande parte do valor do mundo
Eles roubaram-no; práticas predatórias e tudo o resto.
Mas isso é uma violação das leis
da troca de mercado, tal como previsto pelos economistas políticos clássicos.
E o mesmo aplica-se ao capital usurário.
O capital dos usurários coloca o problema
da distinção de Aristóteles entre a economia, que
para Aristóteles era sobre valores de uso.
O que Aristóteles falou sobre crematística era sobre
fazer dinheiro, e fazer dinheiro era sujo, mau, e tudo o resto;
a economia era bom porque é sobre a troca de valores de uso.
E portanto, há aqui uma crítica ao juro.
Em seguida, Marx diz algo interessante na página 267: "Do mesmo modo que o capital comercial,
encontraremos, ao longo de nossa pesquisa, o capital a juros como forma derivada,
e, ao mesmo tempo, veremos por que ambos aparecem historicamente
antes da moderna forma básica do capital."
O que ele está a trazer para aqui, e a seguinte ideia:
O capitalismo teve de continuar de alguma maneira.
A partir do século XVI em diante o capital dos comerciantes e o capital dos usurários
jogou um papel crucial na dissolução
das formas de poder pré-capitalistas; nomeadamente o feudalismo na Europa,
algumas formas anteriores noutros lugares.
Os usurários emprestaram à nobreza que tinha terras, e depois, a nobreza com terras não pôde pagar
e perderam as suas terras.
Comerciantes que não podiam fazer dinheiro internamente dentro de um país foram para fora,
roubaram os valores de uso do resto do mundo
e regressaram, fazendo montes de dinheiro.
Usaram este poder do dinheiro para começar a desenvolver poder político,
o que lhes permitiu, a dada altura, confrontar e destruir
o poder dos proprietários da terra.
Portanto, há uma narração histórica a ser contada sobre as origens do capitalismo, que Marx está aqui a aludir.
E esta narrativa histórica
tem um papel muito importante e poderoso que lhe é atribuído
pelo capital dos comerciantes e capital dos usurarios.
Mas a dada altura, a forma industrial moderna do capital assume o controle.
E a forma industrial do capital precisa de comerciantes, e precisa de um sistema de juros.
Mas este sistema tem de ser disciplinado para as necessidades do capital industrial.
Assim, o que Marx está a falar
é sobre a transformação do papel do capital dos comerciantes
e do capital dos usurários de algo que é indisciplinado,
fazendo todo o tipo de coisas ultrajantes,
que não são permissíveis em termos de regras do mercado.
Estão a ser encurraladas e trazidas de volta para
o sistema capitalista, disciplinadas de acordo com as necessidades do capital industrial.
A distinção histórica que é feita entre a usura e o juro, por exemplo.
Sobre o que falava Martinho Lutero?
Pregando na parede as suas teses e dizendo:
O juro é uma taxa justa sobre o capital.
A usura foi abominada, e, tal como sabemos, ainda é o caso dos juros
que não são consistentes com a lei Islâmica.
Mas o que nós frequentemente não sabemos é que a igreja católica tinha uma proibição sobre os juros
até por volta de 1840, 1850, ou mesmo 1860.
E os juros…
a cobrança de juros estava associada directamente com formas de prostituição.
Na França do século XIX, por exemplo, esta era uma maneira muito comum
de a direita católica falar sobre isto. Existe um maravilhoso cartoon que eu usei
no meu livro sobre Paris que é de um cartonista chamado Gavarni, cerca de meados do século, no qual
uma senhora rechonchuda está a tentar atrair um velho cavalheiro para uma casa de investimento.
E ela diz-lhe:
'Você pode pôr tão abaixo quanto quiser, tenho a certeza que a taxa de retorno será muito boa.
Seja o que for que me dê, eu assegurar-lhe-ei que devolverei com juros.'
E o pobre homem foge gritando de tudo isto. Portanto, esta associação
de casa de investimento com bordel
no século XIX em França era muito forte. Assim, toda
esta questão do papel dos juros em relação com o capital industrial é muito problemática.
E continua a ser problemática e nós podemos querer pensar um pouco mais sobre isto hoje em dia
porque há aqui uma questão:
Até que medida o capital industrial controla?
Neste momento, até que medida o capital financeiro, o capital de juros, controla?
Durante muito anos na Grã-Bretanha, particularmente no período pós-guerra,
houve uma disputa entre os interesses do capital industrial na Grã-Bretanha
e os interesses financeiros da 'city' de Londres.
E se os interesses financeiros da 'city' de Londres forem sendo servidos, isso frequentemente
prejudica seriamente os interesses industriais britânicos.
E foi um primeiro-ministro trabalhista, Harold Wilson por volta de 1964/65, que tomou uma decisão-chave
para favorecer a 'city' de Londres em detrimento do interesse industrial.
E um dos resultados disto foi, eventualmente, a desindustrialização da Grã-Bretanha,
da mesma forma que
o crescente poder dos interesses financeiros dos Estados Unidos coincidiam
com a enorme vaga de desindustrialização dentro dos Estados Unidos.
Portanto, a grande questão é: Quem tem o poder?
Mas para a situação com que Marx está aqui a lidar
na medida em que lhe dizia respeito,
o capital industrial foi a chave para compreender
o modo como a mais-valia vai ser produzida,
como iria circular.
E o capital industrial, portanto,
foi a forma de capital na qual ele iria se concentrar,
mas ele está aqui a dar este papel histórico.
Assim, voltamos à pagina 268,
para o enigma final: "Mostrou-se que a mais-valia não pode originar-se da circulação,
que, portanto, em sua formação
deve ocorrer algo por trás de suas costas e que nela mesma é invisível"
esta é a parte oculta, OK, "não é visível na própria circulação."
Final da página: "Capital não pode, portanto, originar-se da circulação
e, tampouco, pode não originar-se da circulação.
Deve, ao mesmo tempo, originar-se e não se originar dela.
(…) A transformação do dinheiro em capital tem de ser desenvolvida
com base nas leis imanentes ao intercâmbio de mercadorias" isto é o princípio da equivalência,
"de modo que a troca de equivalentes sirva de ponto de partida. Nosso possuidor de dinheiro,
por enquanto ainda presente apenas como capitalista larvar, tem de comprar as mercadorias por seu valor,
vendê-las por seu valor e, mesmo assim, extrair no final do processo
mais valor do que lançou nele.
Sua metamorfose em borboleta tem de ocorrer na esfera da circulação e não tem de ocorrer na esfera da circulação.
São essas as condições do problema. Hic Rhodus, hic salta!"
Aqui têm a bola, agora precisam de correr com ela!
Portanto, este é o enigma a ser resolvido e olhado no próximo capítulo.
Assim, olhemos para a compra e venda da força de trabalho.
E tendo colocado uma pergunta retórica
no final do último capítulo, do tipo: afinal de contas, de onde vem a mais-valia?
ele diz imediatamente: bem, há uma
resposta imediata e basta-nos ir directamente para a página 270:
"Para extrair valor do consumo de uma mercadoria, nosso possuidor de dinheiro
precisaria ter a sorte de descobrir dentro da esfera da circulação, no mercado,
uma mercadoria cujo próprio valor de uso tivesse a característica peculiar de ser fonte de valor,
portanto, cujo verdadeiro consumo fosse em si objetivação de trabalho,
por conseguinte, criação de valor.
E o possuidor de dinheiro encontra no mercado tal mercadoria específica
— a capacidade de trabalho ou a força de trabalho."
Agora Marx irá fazer uma grande distinção entre trabalho e força de trabalho.
Força de trabalho é a capacidade de criar valor.
E é claro que nós sabemos que valor é tempo de trabalho socialmente necessário.
é a ideia importante aqui é que
o capitalista deve encontrar uma mercadoria, e em particular a mercadoria força de trabalho,
que possa ser comprada e vendida de forma a que haja a certeza absoluta
de que a força de trabalho que é dada ao capitalista é superior
ao trabalho necessário para reproduzir o trabalhador.
Este é o cálculo em que vamos entrar.
Uma das grandes consequências disto
é que Marx vai fazer uma análise do capitalismo que não envolve qualquer forma de batota
no mundo das trocas.
Todas as mercadorias, nesta análise, vão ser trocadas pelo seu valor.
Não existe aqui violação do requisito de equivalência.
Isto é algo que
algumas pessoas acham um pouco estranho em Marx. Ter-se-ia pensado que Marx iria dizer:
Oh, essas pessoas violaram a troca, relações de poder, esse tipo de coisas.
Mas aqui regressamos, penso eu, a uma das
missões centrais de Marx, que consiste em minar a economia política clássica.
E a economia política clássica, tal como sugeri,
insiste perpetuamente na história de que, se o mundo
fosse feito num sistema de mercado a funcionar na perfeição,
então toda a gente ficaria melhor.
E mercados a funcionar na perfeição assumem a equivalência na troca.
Assim Marx diz: OK, eu também assumo a equivalência na troca.
Agora, quer isto dizer que ele acredita que o capitalismo seja assim? Não de todo.
Então, ele começa a olhar para todo o tipo de relações entre
a economina política clássica e as realidades no terreno, e
ele está firmemente a ir atrás da economia política clássica em vez de tentar descrever
as realidades no terreno.
Vamos imaginar uma economia de mercado a funcionar na perfeição.
E diz ele: "Por força de trabalho ou capacidade de trabalho
entendemos o conjunto das faculdades físicas e espirituais que existem na corporalidade,
na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento
toda vez que produz valores de uso de qualquer espécie."
Mas várias condições devem ser satisfeitas
se a força de trabalho vai tornar-se uma mercadoria.
A primeira condição é a de que o trabalhador deve ser, tal como diz na página 271,
"(…) ele deve poder dispor dela, ser, portanto, livre proprietário de sua capacidade de trabalho, de sua pessoa.
Ele e o possuidor de dinheiro se encontram no mercado, e entram em relação um com o outro
como possuidores de mercadorias iguais por origem,
só se diferenciando por um ser comprador
e o outro, vendedor, sendo portanto ambos pessoas juridicamente iguais. Portanto, uma vez mais, assumimos que
a lei vai ser justa neste processo
o que não é necessariamente verdade, mas Marx vai assumi-la como tal.
Assim "(…) o proprietário da força de trabalho" ou seja, o trabalhador,
"só a vende por determinado tempo,(..)"
Ele "venda-a ao comprador"
para que "[o comprador]" a consuma, por um prazo de tempo determinado.
Desta forma ele consegue ao mesmo tempo alienar a sua força de trabalho
sem renunciar à sua propriedade sobre ela.
A segunda condição essencial, na página 272,
é esta: "(…)o possuidor de força de trabalho, em lugar de poder vender mercadorias
em que seu trabalho se tenha objectivado,
precisa, muito mais, oferecer
à venda como mercadoria sua própria força de trabalho, que só existe em sua corporalidade viva."
Esta é a versão de Marx da bio-política.
"Para transformar dinheiro em capital,
o possuidor de dinheiro precisa encontrar, portanto, o trabalhador livre no mercado de mercadorias,
livre no duplo sentido de que ele dispõe,
como pessoa livre, de sua força de trabalho como sua mercadoria,
e de que ele, por outro lado, não tem outras mercadorias para vender, solto e solteiro,
livre de todas as coisas necessárias à realização de sua força de trabalho."
Esta é uma concepção interessante da noção de liberdade.
O trabalhador é livre no sentido duplo do termo.
livre para vender a sua força de trabalho a quem quiser,
sob determinadas condições do contrato, sempre em controlo do seu próprio corpo
enquanto trabalhador, proprietário do seu próprio corpo, não estamos aqui a lidar com escravidão,
apesar da escravidão continuar a existir,
mas Marx está a falar de trabalhadores livres.
Mas eles estão também livres de qualquer controle sobre os meios de produção.
Portanto, eles estão livres no sentido duplo do termo.
Ou seja, sempre que ouço o George Bush a falar sobre a forma como vai levar a liberdade ao mundo
eu penso: sim, é disto que ele está a falar, ele vai libertar toda a gente de qualquer controle sobre os meios de produção
Ao mesmo tempo, ele vai transformá-los em proprietários individuais e trabalhadores assalariados.
Portanto, da próxima vez que ouvirem esta missão
sobre levar a liberdade ao resto do mundo,
lembrem-se então de qualquer era a definição de liberdade de Marx, no capitalismo.
E então quando vocês realmente olham para
a política no terreno, dentro do regime de Bush, ficam com uma boa ideia, de facto,
do que quer dizer esta definição marxiana.
É pouco provável que seja acidental que a coligação de autoridade provisória no Iraque,
um ano depois da ocupação, esteja efectivamente empenhada
no regime dos direitos laborais livres, todo esse tipo de coisas,
como parte central da constituição do Iraque. Ao mesmo tempo,
como eles estavam a dizer, não deveria haver barreiras para a propriedade estrangeira
e para o capital financeiro, não barreiras para nada. Eles estão a libertar o território para
aliviar as pessoas de qualquer tipo de preocupação sobre
ter o controlo dos meios de produção.
Isto leva-nos, claro, à questão histórica na página 273:
"Por que esse trabalhador livre se defronta com ele na esfera da circulação é questão que não interessa
ao possuidor de dinheiro,
que encontra o mercado de trabalho como uma divisão específica do mercado de mercadorias."
Este é o lugar onde reconhecemos que tem existido um processo histórico.
E Marx prossegue, dizendo: "E tampouco ela nos interessa por enquanto. Nós nos ateremos
ao facto na teoria assim como o possuidor de dinheiro na prática."
A seguir ele entra numa qualificação imediata:
"Uma coisa, no entanto, é clara. A Natureza não produz de um lado possuidores de dinheiro
e de mercadorias e, do outro, meros possuidores das próprias forças de trabalho.
Essa relação não faz parte da história natural
nem tampouco é social, comum a todos os períodos históricos.
Ela mesma é evidentemente o resultado
de um desenvolvimento histórico anterior, o produto de muitas revoluções económicas,
da decadência de toda uma série de formações mais antigas da produção social."
E a seguir prossegue, dizendo: e as categorias económicas passaram por uma revolução similar.
Que o que nós entendemos por trabalho
no feudalismo é algo muito diferente do que entendemos por trabalho no capitalismo.
O que entendemos por mercadorias,
e, no final disto, ele faz, penso um argumento muito importante,
por volta do final da página 273: "A representação do produto
como mercadoria supõe uma divisão de trabalho tão desenvolvida dentro da sociedade,
que a separação entre valor de uso e valor de troca,
que apenas principia no escambo directo, já se tenha completado.
Tal estágio de desenvolvimento é, porém, comum às formações sócio-económicas
historicamente as mais diversas."
Nem todas as sociedades de mercado são sociedades capitalistas.
Podemos ter sistemas de mercado sofisticados,
sistemas de trocas de mercadorias, que não são capitalistas.
Então ele continuar a dizer, na página seguinte,
que todas estas outras formas foram percursoras, se quiserem.
Assim, diz ele na página 274: "Suas condições históricas de existência",
isto é, do capital,
a existência do capital "de modo algum estão presentes na circulação mercantil e monetária.
Ele só surge onde o possuidor de meios de produção e de subsistência
encontra o trabalhador livre como vendedor de sua força de trabalho no mercado,
e esta é uma condição histórica que encerra uma história mundial.
O capital anuncia, portanto, de antemão, uma época do processo de produção social."
O que está aqui em causa é que
o capital não poderia ser capital sem
que tenha havido todo um processo de criação de trabalho assalariado, proletarização, que o precedeu.
Portanto, não é simplesmente o dinheiro
e as mercadorias em todas estas sofisticadas formas que é necessário. Sim, são necessárias,
mas o outro elemento que é necessário, que compreende a história do mundo,
é a criação do proletariado, a criação da força de trabalho assalariada,
que vende a sua força de trabalho como uma mercadoria.
Portanto, uma vez mais, entra aqui este elemento histórico.
E vermos que também entra de um modo diferente.
A grande questão que surge então é: O que constitui o valor da força de trabalho?
E nas próximas séries de passagens ele diz:
Bem, o trabalhador precisa de subsistir, precisa de viver.
Assim, é necessário fornecer mercadorias suficientes
que permitam ao trabalhador viver.
Mas, imediatamente de seguida, coloca o problema:
quantas mercadorias são necessárias ao trabalhador para viver?
Parte disto tem a ver com a natureza do trabalho
que se está a pedir ao trabalhador.
Se o trabalho for muito árduo. é necessário alimentá-lo bem.
Tal como diz nas páginas 274-275: "determinado quantum de músculo, nervo, cérebro etc. (…) precisa ser reposto."
Esse gasto acrescido condiciona uma receita acrescida.
(…) A soma dos meios de subsistência deve, pois, ser suficiente para manter o indivíduo trabalhador
como indivíduo trabalhador em seu estado de vida normal."
Agora, estado normal, o que é o estado normal?
"As próprias necessidades naturais, (…) são diferentes de acordo com o clima e outras peculiaridades
naturais de um país. Por outro lado, o âmbito das assim chamadas necessidades básicas,
assim como o modo de sua satisfação,
é ele mesmo um produto histórico e depende, por isso, grandemente do nível cultural de um país,
entre outras coisas também
essencialmente sob que condições,
e, portanto, com que hábitos e aspirações de vida, constituiu a classe dos trabalhadores livres.
Em antítese às outras mercadorias
a determinação do valor da força de trabalho contém, por conseguinte, um elemento histórico e moral.
No entanto, para determinado país, em determinado período,
o âmbito médio dos meios de subsistência básicos é dado."
O valor da força de trabalho não é simplesmente uma quantidade física.
Depende do grau da civilização dos países
depende da dinâmica da luta de classes.
Depende do que as pessoas se acostumaram, depende do clima, depende da
natureza do trabalho.
Por outras palavras, quando chegamos a dizer: Qual é o valor da força de trabalho?
Qual é o valor da força de trabalho dos trabalhadores?
Temos de reconhecer isto como
uma determinação que vem de várias fontes.
E isto é, obviamente, uma história muito complicada.
E varia muito de lugar para lugar e de um tempo para o outro.
Mas então ele prossegue e diz,
numa dada situação nós sabemos qual é o valor.
É interessante quando se olha para
sociedade contemporânea. Temos várias maneiras de começar a definir esse dado.
Existe uma coisa, por exemplo, chamada 'nível de pobreza' no país.
O que é preciso para alimentar, abrigar, vestir, reproduzir…uma família de quatro pessoas.
Eu não sei qual é o número actual. Alguém sabe? 17, 18 mil,
algo do género por ano? Algo assim.
»ESTUDANTE: Por volta de 18 mil, actualmente. »HARVEY: Por volta de 18 mil, actualmente, obrigado.
Portanto, num certo sentido, vocês poderiam dizer: bem, nesta sociedade
temos ainda alguns dados sobre… nesta sociedade é isto. Agora, se estão no Equador,
qual seria o nível de pobreza no Equador?
Qual seria na Argentina contemporânea? Qual seria na China Contemporânea?
Claramente, é muito diferente de local para local.
Assim, Marx aceita: sim, vai variar de lugar para lugar,
e quando a luta de classes se apodera disso,
a definição do que é o valor da força de trabalho começa a mudar.
E quando a burguesia começa a sentir-se culpada
e decide que quer viver num país civilizado onde não haja pobreza à sua porta o tempo todo
podem dizer: bem, talvez possamos aumentar toda a gente
até a um nível 'civilizado'.
Portanto, existem todo este tipo de forças a operar
na determinação do valor da força de trabalho.
Mas o que Marx vai fazer é reconhecer isso e dizer então: mas para os nossos propósitos
de análise, eu vou assumir que é conhecido.
E fazer apenas essa suposição, dizendo: nós sabemos que dado é.
E o dado é ainda mais flexível porque vocês também têm
de incorporar aqui alguma contabilização para os custos de reprodução.
Porque vocês não estão simplesmente a alimentar o trabalhador durante a noite para que eles possam
voltar na manhã seguinte. Vocês têm de pensar, como sabem, nas crianças,
na reprodução da classe trabalhadora.
Vocês também têm de pensar sobre as qualidades da força de trabalho,
as competências, quanto vão gastar em competências esse tipo de coisas, qual é o valor
das competências e por aí fora.
Portanto, o que estamos a aqui a ver é o surgimento de um dado móvel
que, no entanto, nós vamos ter que dizer,
para fins de análise, que sabemos o que é.
Mas nós vemos imediatamente que a força de trabalho não é uma mercadoria como outra qualquer.
Porque a luta moral, civilizacional, de classes, entra aqui.
Pode haver outras mercadorias onde também isto aconteça.
Mas no caso do trabalho, tudo isto é prévio e fundamental
para determinar o valor da força de trabalho.
E, portanto, vocês têm de olhar para isto nestes termos.
Para além do mais, há outra peculiaridade sobre a força de trabalho enquanto mercadoria.
O capitalista vai ao mercado e compra todas estas mercadorias e coloca-as a trabalhar.
Mas no caso da força de trabalho o capitalista apenas paga
ao trabalhador depois do trabalho estar feito.
Portanto, na realidade o trabalhador está a adiantar o seu trabalho ao capitalista,
na esperança de ser pago no final do dia.
E na China, como sabemos, não sei, 30 por cento da força de trabalho em algumas partes
do país não chega sequer a receber o seu salário.
Portanto, eles adiantam o seu trabalho e não recebem o seu salário no final do dia.
E, claro, declarar falência é uma das formas usadas
para fazer isto neste país, também.
Portanto, existem todos estes tipos de peculiaridades nesta mercadoria, ou seja, quando começarmos a falar
sobre a mercadoria "força de trabalho", temos de conhecer estas peculiaridades.
Agora, o que é que entra disto no valor da força de trabalho?
E aqui, penso eu, a melhor maneira de olhar para isto é,
o que Marx está a argumentar está em vigor,
como o nível de pobreza foi definido neste país por Mollie Orshansky, eu acho que foi
por volta de 1965 ou algo do género,
e eles primeiro estabeleceram o nível de pobreza.
E a forma como o estabeleceram foi esta; fizeram a pergunta:
qual é o cabaz de mercadorias que uma família precisa para sobreviver,
quanto precisam para pagar a habitação,
quanto para as roupas, quanto para a alimentação.
quanto para o transporte?
Eles somaram o valor de todas essas mercadorias
e o valor agregado de todas essas mercadorias,
quando calculados ao longo do ano, deu-lhes o nível de pobreza.
Por outras palavras, era um tipo especial de cesto com mercadorias necessárias
de um determinado padrão de vida num dado momento.
Agora, é interessante voltar
a olhar para a história dos argumentos sobre o que deveria ser
este cesto de mercadorias.
Em 1965 não incluía telemóveis.
Será que inclui isso agora? Deve incluir?
Alguns itens têm caído, outros entraram.
E, claro, o que a direita conservadora faz é dizer: Vocês escolheram o cabaz de compras errado,
e eles encontram um capaz de compras que vos dá um nível de pobreza de 16 mil.
E se vocês são de esquerda, vocês fazem com que vá até aos 20 mil.
Mas é uma determinação social.
No entanto, é com base no valor das mercadorias que o trabalhador precisa para sobreviver.
Por outras palavras, fixa-se a definição
do nível de pobreza e o salário mínimo e tudo o resto, ou salário,
mesmo a ideia de um salário para viver, por exemplo, é sobre
o que é necessário para se sobreviver, qual é o cabaz de compras
de mercadorias que é necessário para sobreviver no mundo de hoje nos Estados Unidos?
E é isso que vocês usam.
Portanto, o valor da força de trabalho
é fixado pelo valor das mercadorias
que são necessárias para reproduzir o trabalhador num dado padrão de vida
num dado momento e num dado lugar.
É assim que o valor da força de trabalho é determinado.
E este valor é fixado num dado lugar e dado tempo.
E vocês também podem ver o quão sensível ele é
às mudanças de valor das mercadorias.
Por exemplo, se as necessidades de repente diminuem em valor então o valor da força de trabalho decresce.
Eles continuam a receber o mesmo conjunto de produtos, mas os produtos são mais baratos porque
as indústrias que as produzem tornam-se muito mais produtivas.
E uma das razões pelas quais vocês podem manter o custo do trabalho baixo nesse país é porque, claro,
a WalMart está a explorar ao máximo na China.
Portanto, o cabaz de compras é muito mais barato que seria de outro modo, se não tivessem
produtos importados baratos.
Esta é uma das razões porque, como sabem, toda esta história da colocação do proteccionismo
e por aí fora é realmente problemática.
Porque se vocês realmente classificarem de trabalho forçado os chineses e reavaliarem todos os preços,
ou começarem a pôr tarifas aos produtos chineses,
de repente descobririam que o valor de todos esses produtos subiriam e teriam de pagar mais aos trabalhadores
para mantê-los dentro de um padrão de vida a que estão acostumados.
Portanto o que isto significa é que o valor da força de trabalho é fixado no mercado
através destes processos de configuração do que é o valor da força de trabalho,
em termos do valor das mercadorias usadas.
Agora, há aqui um elemento interessante.
Em que tipo de processo de circulação estão os trabalhadores?
Estão no circuito M-D-M.
Eles começam com a mercadoria 'força de trabalho'
que vão trocar com o capitalista.
Eles recebem dinheiro.
E eles recebem a quantia de dinheiro necessária para comprar o pacote de mercadorias necessário que lhes permita
reproduzir a si próprios a aos seus filhos,
reproduzir a classe trabalhadora, de modo a que eles continuem sempre lá.
Livres como o ar, livres como sempre (risos).
Temos aqui uma interessante dinâmica:
o trabalhador está no M-D-M,
o capital no D-M-D. E esta distinção
vai ser muito importante para compreender o resultado deste enigma
que estivemos a analisar. Assim, ele diz na página 279:
"O valor de uso, que este último recebe…"
porque, na verdade, o que o capitalista faz é comprar o valor de uso da força de trabalho.
Portanto, "O valor de uso, que este último recebe por sua vez na troca, só se mostra na utilização real,
no processo de consumo da força de trabalho."
Isto é, os capitalistas vão usar a força de trabalho na produção.
"O consumo da força de trabalho, como o consumo de qualquer outra mercadoria,
ocorre fora do mercado ou da esfera de circulação."
Assim, diz Marx, "Abandonemos então,
junto com o possuidor de dinheiro e o possuidor da força de trabalho, essa esfera ruidosa,
existente na superfície e acessível a todos os olhos,
para seguir os dois ao local oculto da produção, em cujo limiar se pode ler:
'Não se permite a entrada a não ser a negócio'.
Aqui há de se mostrar não só como o capital produz, mas também como ele mesmo é produzido, o capital."
E quem o produz?
O segredo da fabricação de mais-valia há de se finalmente desvendar."
Mas para entender isto, temos de sair da esfera da circulação.
Assim, ele diz na página 280: nós temos de sair daqui e partir de
"…um verdadeiro éden dos direitos naturais do homem. O que aqui reina é unicamente Liberdade,
Igualdade, Propriedade e Bentham."
Ele então prossegue e fala sobre a forma como: "Liberdade! Pois comprador e vendedor de uma mercadoria,
(…) são determinados apenas por sua livre-vontade. Contratam como pessoas livres, juridicamente iguais.
(…) Igualdade! Pois eles se relacionam um com o outro apenas
como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente.
Propriedade! Pois cada um dispõe apenas sobre o seu.
Bentham! Pois cada um dos dois só cuida de si mesmo."
E aqui chegamos novamente ao ponto de vista de Adam Smith.
A única coisa que os junta, "(…) e leva a um relacionamento é o proveito próprio,
a vantagem particular, os seus interesses privados.
Cada um só presta atenção apenas a si mesmo, e ninguém se preocupa com os outros.
E justamente porque cada um só cuida de si e nenhum do outro, realizam todos, em decorrência de uma harmonia preestabelecida das coisas
ou sob os auspícios de uma previdência toda esperta,
tão-somente a obra de sua vantagem mútua, do bem comum, do interesse geral."
Marx está a ser um bocadinho irónico.
"Ao sair dessa esfera da circulação simples ou da troca de mercadorias,
da qual o livre-cambista vulgaris extrai concepções, conceitos e critérios
para seu juízo sobre a sociedade do capital e do trabalho assalariado
já se transforma, assim parece, (…)
O antigo possuidor de dinheiro marcha adiante como capitalista,
segue-o o possuidor de força de trabalho como seu trabalhador;
um, cheio de importância, sorriso satisfeito e ávido por negócios;
o outro, tímido, contrafeito,
como alguém que levou a sua própria pele para o mercado
e agora não tem mais nada a esperar, excepto o — curtume."
Ponto interessante aqui.
Esta noção de direitos e liberdades.
O que Marx está realmente a fazer aqui, de certa forma,
é a apontar que a constitucionalidade burguesa está inteiramente preocupada com as relações de mercado.
A as definições de liberdade e direitos radicam ali.
Mas a constitucionalidade burguesa não tem quase nada a dizer sobre o que se passa dentro da produção.
O que é que se passa dentro da fábrica?
E quando os Estados começam a interferir com o que se passa dentro da fábrica através da legislação
tipo OSHA, os capitalistas ficam indignados.
É uma violação dos direitos da propriedade privada.
Vocês não querem que ninguém espreite dentro do processo de produção.
E a constitucionalidade burguesa não tem nada a dizer em relação ao que se passa dentro
do processo de produção, nada a dizer sobre isto tudo.
Sim, vocês podem tentar e pegar em alguém nas relações de mercado e traze-los de volta para…
… e aplicar-lhes este mundo da produção, mas é algo muito difícil de fazer.
E isto é, penso eu, um ponto fascinante.
Porque um monte de políticas de direita neste momento é sobre precisamente liberdade e direitos.
Perfeitamente consistentes com a visão burguesa do mundo.
E Marx está a dizer algo do género:
Sim, vocês podem ter um belo momento a brincar com Bentham,
noções de liberdade e direitos e todo esse tipo de coisas, a propriedade privada e tudo o resto.
Ou seja, esta é a ética neoliberal.
execução selvagem, é a teoria liberal, execução selvagem, constitucionalidade selvagem.
E sempre que um movimento revolucionário aparece, tal como aconteceu em Portugal, na década de 70
e tenta criar uma constituição que realmente tentou legislar
a forma como a produção devia ser organizada, a burguesia fica totalmente louca.
Aqui está algo que vocês não podem e não devem fazer.
E é interessante para mim é pensar o quanto
a política dos últimos trinta anos na realidade se esqueceu disto.
Quanto da política,
ao ir para noções abstractas de direitos humanos e liberdade e direitos e todo esse tipo de coisas,
está na realidade a falar sobre algo que está fora do que se está a passar
dentro do actual processo de produção.
Porque o que Marx está a dizer é: vocês não podem descobrir o segredo do modo como o capital é produzido
olhando simplesmente para o mercado.
Vocês podem ver que existe uma mercadoria, chamada força de trabalho,
que claramente tem a capacidade de produzir mais valor do que ela própria tem.
Mas para quebrar o segredo da realização do lucro e da produção do capital
vocês têm de ir para dentro do processo de produção, têm de ir para dentro do processo de trabalho.
E olhar para o que está a acontecer
dentro da fábrica, olhar para o que está a acontecer no processo de trabalho na linha de produção,
nos campos, agro-negócios, nas mentes,
nas fábricas, e em todos esses grandes complexos na China,
que empregam milhares e milhares de pessoas que fazem meias e tudo o resto, coisas que vestimos.
Portanto, é aí que vocês devem ir.
E se não estivermos preparados para entrar neste reino, nunca descobriremos
o verdadeiro segredo de como é feito o lucro.
Mas para chegar a este ponto, temos de entender que o proletário tem de existir.
A proletarização tem de ter ocorrido.
E uma vez mais Marx está a dizer:
Olhem, eu não vou ficar aqui a falar
sobre o modo como o proletariado foi formado.
Na verdade, ele faz, no Capital, fala sobre isso, mas é na parte oito
onde ele lida com a formação do proletariado e a acumulação primitiva.
Mas aqui ele está a dizer:
Eu estou a assumir que existe um mercado de trabalho,
o proletariado já está no lugar,
o trabalho assalariado está em todo o lado, o valor da força de trabalho é conhecido.
Todos estes dados são conhecidos.
Em seguida, começamos a construir uma teoria com base neste tipo de argumento.
Agora, novamente: há suposições construídas aqui.
Ele está claramente a assumir, aqui e em todo o lado, as teses do liberalismo
e as teses da economia política clássica.
E está a tomá-las pelas suas próprias palavras.
Em seguida ele quer mostrar, que quando as tomamos nos seus próprio termos,
não podemos resolver o segredo do lucro,
a não ser que façam algo mais. que é a parte três,
a qual será sobre a produção da mais-valia, a mais-valia absoluta.
Assim, o que vamos fazer na próxima vez é ler os próximos três capítulos.
Prestando particular atenção às primeiras dez páginas do capítulo sete sobre processo de trabalho.
Assim, temos ainda algum tempo para uma discussão geral sobre o que se passou nestes três capítulos.
Alguém tem questões a colocar?
» ESTUDANTE: (inaudível)
» HARVEY: Pode fazer esse tipo de argumento, mas então…
isso irá depender de elementos,
como sabe, de eventos históricos que realmente aconteceram.
Veremos algo disto a ser descrito no Capital Agora, a explicação disto é que
a formação do proletariado realmente começou a formar-se por volta do século…
séculos XIII, XIV. Ou seja, foi um processo longo.
Portanto, vocês têm elementos de um sistema de trabalho assalariado,
que estão surgindo quando não existe em redor um capital industrial.
Há certamente a dada altura um capital agrário que começa a entrar em acção e inicia
a proletarização no campo, trabalho assalariado,
conversão dos camponeses em trabalhadores assalariados no campo através do movimento de fechamento.
Portanto, começa-se a ver elementos disto. Portanto, sim, você pode argumentar que há uma co-evolução
da ascensão do proletariado e um crescimento da classe capitalista,
mas a forma como Marx a descreve, é que
muitos elementos da proletarização precederam a ascensão,
como era, da forma industrial do capital que vai ser
fundamentalmente relacionada com a exploração
da força de trabalho na produção no fim do século XVIII.
Através disto um extensivo proletariado estava já no posto,
funcionando em todo o tipo de formas. Incluindo, a propósito,
e este é um elemento muito importante no caso britânico, como uma classe de servos,
que é uma classe de trabalhadores assalariados
empregados como serventes humildes e, como sabem, cocheiros e esse tipo de coisas
para uma classe bastante rica em termos de consumo. Portanto, havia uma classe de trabalhadores assalariados,
que estava se espalhando, e então
já pronta antes do capitalismo industrial pudesse tomar o controlo
e começar a usá-lo. Assim, num certo sentido, isto era mais ou menos como é o ovo e a galinha
a industrialização que ocorreu um pouco mais tarde.
Mas, para que o trabalho assalariado tivesse ocorrido, teve de haver um tipo de relações de trabalho assalariado
estabelecido no campo, estabelecido no sector de serviços e tudo o resto.
E o sector de serviços na Grã-Bretanha, por exemplo,
era muito grande e muito dele era, na realidade, já trabalho assalariado.
Assim, não era uma relação capitalista, era uma espécie de relação do tipo mestre-escravo.
» ESTUDANTE: A noção de direitos humanos, tal como sabemos actualmente é muito… não existia no tempo de Marx, não era
escrita. Mas estou apenas curioso, porque você disse algo muito rapidamente, e eu estava a tentar entender
quando você está a falar sobre noções de direitos e direitos serem, algo que tinha de ser, tinha de
endereçar, ser desenvolvido dentro do que significa produção no processo de produção.
Uma das áreas mais marginalizada dos direitos humanos hoje em dia é a dos direitos económicos, sociais e culturais
que eu, tal como estava lendo como ele definiu o actual valor do poder de trabalho é…
ou seja, direitos económicos e sociais é sobre o direito a ter uma casa…
É uma luta para definir e desafiar
essas noções. …Portanto, eu estava a tentar compreender
… que Marx ou você próprio,
todas estas noções… é que… nós já começamos com… isto é…
obviamente é problemático, certo, se você tentar definir as coisas dentro do sistema sem…
você estava dizendo que todos os direitos humanos como os definimos agora
não tenta desafiar o actual sistema propriamente dito,
que é na verdade apenas um reflexo da burguesia…
» HARVEY: Depende, do que estamos aqui a falar é, claro,
uma das formas em que a luta de classes se desdobra, é sobre os direitos dos trabalhadores a um salário decente.
Um salário digno,
direitos à habitação e à assistência médica e tudo o resto. Portanto há lutas no mercado
que são lutas muitos importantes a serem travadas.
Que desempenham um papel crucial na determinação do valor da força de trabalho e, por conseguinte, a partir de
do ponto de vista do proletariado são lutas muito importantes, OK?
Isso é muito diferente, contudo, dos direitos e poderes que surgem
do trabalho no processo de produção.
Há uma boa quantidade de dados de que as reformas laborais que foram feitas,
isto é, a comissão nacional das relações de trabalho, que foi criada na década de 1930,
em paralelo com a criação da legislação que deu poderes aos sindicatos para a negociação colectiva,
estratégias que lhes permitiram melhorar o seu posicionamento no mercado.
E havia algo em troca a ser oferecido, dando poder às pessoas no mercado
e tirando-lhes poder no processo de produção.
Nas décadas de 1920 e 1930 uma das maneiras em que os trabalhadores insistiam
para ter poder no processo de produção era através da definição de competências.
E se você olhar para o número de categorias qualificadas
que existiam em algo como a indústria do aço na década de 1920, era enorme.
E isso significava que um trabalhador numa categoria qualificada particular não podia ser substituído por outro trabalhador
de uma outra categorias qualificada. Por outras palavras:
havia uma boa dose de poder de monopólio do trabalhador dentro do processo de produção.
O que a comissão nacional de relações de trabalho fez foi começar a desmantelar algo disto, através
de um processo de adjudicação externa, ultrapassando
disputas de qualificação dentro da produção, por exemplo.
E o que isto levou a longo prazo foi a uma gradual perda de poder dos trabalhadores neste ponto da produção,
em oposição ao seu ganho de poder no mercado.
Assim, num certo sentido, o que aconteceu foi um lance legislativo
que era deliberadamente sobre: deixem que os trabalhadores sejam tratados da maneira que vocês querem
no ponto da produção. Deem-lhes poder no mercado.
Porque na década de 1930 isto foi muito importante de qualquer forma, por causa
do problema efectivo da procura.
Portanto, o ponto aqui não é dizer que lutas sobre direitos,
sobre salários e sobre os cuidados de saúde e tudo o reto são irrelevantes, mas dizer
que são fundamentalmente diferentes
das lutas sobre direitos no ponto de produção.
E esta perda de poder dos trabalhadores no ponto de produção
é realmente um problema. Ou seja, nós vimos isto, por exemplo, na tragédia das minas em Idaho.
Onde as pessoas podiam estar a receber um salário digno e estarem a ter bons cuidados de saúde e por aí fora,
mas se você morrer na escavação porque eles não fizeram nada
em relação ao processo de produção na escavação, e não vão fazer nada sobre isso
porque custa muito, então vocês estão num mundo diferente.
E eu penso que o que Marx está aqui a fazer é a chamar a atenção para a existência de duas arenas diferentes,
que são muito diferentes uma da outra.
E se vocês se concentrarem apenas numa
em detrimento da outra,
vão olhar apenas para aquela que a burguesia quer que vocês olhem,
onde a burguesia está perfeitamente feliz para negociar. Porque
é dentro da área da legalidade e vocês podem contratar advogados e esse tipo de coisas.
E, claro, isto é óptimo para os advogados e para tudo o resto.
Mas então, o que Marx está a dizer, ganhem poder no ponto da produção.
Isto é, por exemplo, o direito dos trabalhadores agrícolas que estão a trabalhar
com todos aqueles pesticidas.
Saber com que pesticidas eles estão a trabalhar e que tipo de consequências para a saúde traz.
OSHA a dada altura tentou criar um sistema onde era obrigatório
para todo o tipo de processo industrial maior listar os tipos de
químicos com que estavam a trabalhar no processo de produção
e dizer algo sobre as suas qualidades. Eram cancerígenos? que tipos de problemas
para a saúde podiam advir disto, etc.
Claro, tudo isto desapareceu com Reagan e tudo o resto.
Mas o ponto aqui é este:
o que se passa no ponto de produção é, na verdade,
vital para o que acontece com o trabalhador,
e o que acontece com ele na linha de produção
em que medida podem eles resistir a acções disciplinares na linha de produção?
Existe perseguição na linha de produção? O que acontece? isto tipo de coisas.
Portanto isto é algo complicado.
Bem, portanto o que Marx está simplesmente a dizer é que os campo dos direitos
é muito mais familiar para a burguesia e, por conseguinte,
nós falamos sobre isto imenso, e parte disto é muito importante, obviamente,
em termos da determinação do valor da força de trabalho
e as condições de trabalho, etc. Mas, temos de olhar para outro terreno
que é o ganho de poder no ponto de produção.
E a linguagem de direitos é muito difícil de ser aplicada neste ponto.
É sobre relações de poder.
E sobre conhecimento e informação e todo o tipo de coisas deste género.
Portanto, é difícil articular isto em termos de simples linguagem de direitos.
E na medida em que as ONG e tudo o resto se concentram na linguagem dos direitos,
estão na verdade a concentrar-se na linguagem do discurso da burguesia
onde coisas progressivas podem acontecer.
Mas vocês estão ainda a limitar-se
por não olharem para o que se passa ao nível do processo de produção.
E para aí que Marx diz que têm também de olhar.
Vocês têm de olhar para ambos as arenas em conjunto.
OK, ultrapassamos um pouco o tempo a lei temporal sobe
o tempo socialmente necessário terminou, assim sendo, vemo-nos na próxima semana.