Tip:
Highlight text to annotate it
X
Além do fato que eu tenho que levar todos os dias,
que não tenho como mudar, que ela não sobreviveu,
eu tive um atendimento desumano, desrespeitoso.
Fui tratada como um bicho,
acho que nem animal é tratado dessa forma, eu fui tratada como objeto,
inanimado, sem direitos.
Tinha horas que eu ficava pensando
“Nossa eu fui tratada como uma prisioneira, uma criminosa”.
Eu quero para todo mundo assim, eu quero alertar: “O parto é da mulher”.
Eu peço, que a nossa voz seja ouvida, que as nossas histórias não sejam ignoradas.
que as nossas histórias não sejam ignoradas.
ignoradas
Eu quero citar a maternidade que me atendeu,
foi a Fernando Magalhães, considerada centro de referência e excelência em parto, aqui no Rio de Janeiro,
mas para mim, um campo de concentração.
Qual é o meu objetivo com esse meu depoimento,
é alertar a todas as mães, seja o primeiro, segundo,terceiro,
quantas vezes já passou por essa experiência, saibam que não é mito, a violência obstétrica é rotina,
ela não é uma raridade, um azar que você teve.
Do médico mesmo eu não recebi nenhum tipo de orientação pro parto,
as conversas com relação ao dia do parto eram sempre muito evasivas
A minha ginecologista, que me acompanhou durante quatro anos,
sendo desses quatro, dois tentando engravidar, ela tentou de todas as maneiras me convencer a não ter parto normal.
Ela inclusive chegou a agendar a minha cesárea, só que quando eu estava no oitavo mês de gestação,
eu decidi mudar de médico, porque eu queria muito o parto normal.
E eu lembro que eu fui fazer uma consulta, e uma médica falou assim “Bom, mãezinha,
você teve um parto há quanto tempo?” Falei “Olha, tem um pouco mais de um ano”.
Ela falou assim “Você gostaria de ter um parto normal”; “Gostaria”,
“Olha, eu faço, mas eu já vou te dizendo que é só com fórceps”. E eu pirei né.
Meu primeiro médico era um compulsivo examinador do meu corpo.
Ele fazia exames de toques em todas as consultas, ultrassons em todas as consultas,
medições "panicats" em todas as consultas.
Era um forte indício de que ele iria me encaminhar para a cesárea, e eu não sabia.
E para mim foi extremamente violenta, foi
quando, por volta da nona semana, acho que na nona semana de gestação, eu comecei a ter sangramentos, muito fortes.
E aí eu fui, numa dessas vezes, eu fui para a maternidade, para passar com uma médica ou com um médico, e a médica que me atendeu,
que mal olhou na minha cara, simplesmente disse assim
“Olha, você tá sangrando, é bom que você se acostume com a idéia de que você pode perder o bebê, porque é
muito comum mulher de primeira gestação perder o primeiro filho”.
Bom, eu já tava, tinha passado a madrugada inteira chorando porque estava com medo
de ter perdido o bebê no sangramento, então fiquei mais desesperada ainda.
Como eu já sabia que era um procedimento do hospital,
e que só tem esse hospital então não ia ter muito jeito, eu até fui no Ministério Público para tentar
fazer com que meu marido entrasse, né, fosse permitida a entrada do meu marido junto no momento do parto,
mas eu não consegui, nem no Ministério Público.
Eu também tava sem acompanhante né, eu tava sozinha.
Isso também eu acho que prejudicou o momento, fisicamente.
Uma outra crítica que eu tenho foi a questão do meu marido, ele não pode estar presente
durante o parto. Todo o tempo que ele esteve conosco foi enquanto descíamos
da sala de cirurgia para a enfermaria, porque nessa maternidade, o pai ele é uma visita.
Eu fiquei sozinha, eu não pude ter acompanhante comigo,
eu fiquei sozinha a noite toda em trabalho de parto, e eu achava isso, acho isso um absurdo até hoje assim.
E, fisicamente eu fiquei bem, mas emocionalmente não, eu não me recuperei até hoje, eu acho.
Dois anos depois, eu fico pensando “meu Deus, quanta coisa que era desnecessária”.
A ocitocina era desnecessária, por causa daquilo foi tudo acontecendo assim, em cascata, não precisava de nada daquilo.
O que eu mais me recordo e o que me causa mais sofrimento foi o fato d’eu
não ter tido acompanhante. Essa foi a violência mais sutil e a mais terrível. Meu marido não
pôde ficar comigo, eu não tinha ninguém naquele momento, eu não podia ficar com celular, ou seja,
eu estava incomunicável nas mãos de uma equipe que eu via que não tinha nenhum
comprometimento com a parturiente.
O médico veio me examinar e fez o exame de toque,
e todos os outros estagiários também fizeram exame de toque.
Eu me senti totalmente agredida, totalmente violentada , e com muita vergonha.
Mas a pior para mim foi a episiotomia, que feita sem consentimento,
sem nem me avisar. E me causou, durante uns bons meses, desconforto físico
ela inflamou, infeccionou – e psicológico – eu senti estranha, não gostava nem que meu marido encostasse
naquela região... ficou sensível, quando muda o tempo, até hoje eu sinto pinicar onde eu levei os pontos.
Então, me afetou bastante essa episiotomia, eu me senti violada, violentada.
Eu falo que quando eu leio algum relato de violência ***, como a vítima se sente depois,
eu consigo traçar um paralelo, porque a forma como isso afetou a sexualidade
e a forma como eu lidava com o meu próprio corpo foi bastante forte.
Eu lembro que, logo primeira coisa, “Olha, a gente vai te colocar um sorinho,
mas é só um sorinho, não tem nada”, e me amarram a fita de cardiotoco e todo tempo eles falavam assim
“Você não pode se mexer, você tem que ficar imóvel porque se não a gente vai perder o coraçãozinho de bebê,
e a gente não sabe se você vai estar bem, se o bebê vai estar bem”, e aquele ambiente opressor.
Em seguida, entrou uma enfermeira, fez a tricotomia, eu me lembro que
fiquei bem constrangida com esses dois procedimentos. E veio um médico anestesista,
para me dar a anestesia, e nesse momento ele pediu que eu sentasse na maca e relaxasse para ele
poder aplicar a anestesia... uma coisa assim absurda né, absurda e cruel.
Foram oito picadas na minha coluna porque ele não conseguia então achar o ponto certo para aplicar claro,
porque, eu estava sentada em cima da cabeça da minha filha que já estava nascendo.
Quando ele fez a peridural, eu senti uma pressão muito grande na minha
cabeça, meu ouvido entupiu, eu me lembro de ter começado a ficar nauseada, e pedi para o meu marido
ir falar com ele e questionar o porquê daquilo. Ele disse que parece que a anestesia tinha ficado muito alta,
aí ele refez o procedimento, botou a peridural mais baixa, segundo ele, foi assim que ele me falou.
E fiquei, mais ou menos umas três, quatro horas deitada na maca, com soro e a peridural,
esperando o trabalho de parto, esse era o meu trabalho de parto... Esse era o modelo de atendimento ao parto
normal dele. Quando por volta das cinco e meia da manhã ele veio ouvir o bebê,
e disse que o bebê tava apresentando taquicardia , os batimentos alterados, aí ele mediu o bebê
e falou que, ouviu o bebê e falou que se aquilo continuasse, ele iria, é,
a gente teria que fazer uma cesariana. Eu comecei a chorar na hora.
Ele me examinou, o plantonista, e disse “Onde está o seu médico?”. Ele disse, meu marido falou
“Ah, ele falou para você ligar para ele assim que a gente chegasse aqui e fizesse a admissão”.
Ele simplesmente ignorou meu marido e já pediu para a enfermeira
“Prepara a sala de cirurgia e chama o anestesista”. Eu “Anestesista para quê? Eu não quero anestesia”.
Chegando no bloco cirúrgico, eu implorei para o anestesista
“Eu não quero anestesia, tá tudo bem comigo, eu só quero atendimento,
eu quero meu médico, eu quero meu marido”;
“Não, tá tudo bem, a anestesia é para o seu bem, você vai ver, a sua dor vai parar”;
“Eu não quero, o que tá acontecendo?” e tudo... aplicaram a anestesia.
E nesse período, das duas manhã que eu cheguei, até às oito e meia,
que é a hora que ele nasceu, ninguém me deixou tomar água.
Logo em seguida eu fui, com a maca, para uma sala de observação.
E lá eu fiquei. Isso eram 4h25 da tarde, eu estava sem comer desde a noite anterior.
Ser tratada como um lixo, sentir uma dor que parece que vai te rasgar
por dentro né, por causa da ocitocina, e ainda ser mutilada... é normal?
Eu tenho uma episio médio-lateral esquerda, uma médio-lateral direita
e uma mediana, né,
eu tenho as três modalidades na mesma pessoa, no mesmo períneo.
E a mediana alterou a minha anatomia vaginal externa, mas sem comprometimento funcional.
O que me causou impacto incalculável foi a informação de que tudo pelo que eu
passei eram práticas sem fundamento científico algum.
Foi que também fizeram episiotomia, também não me informaram sobre
para quê, qual era a necessidade. E hoje eu vejo que,
naquele momento, não tinha necessidade.
Sofia nasceu, eles levaram ela para os exames,
o médico fez a minha sutura né, teve que costurar porque eu levei bisturi.
Quando o médico chegou, o plantonista, ele já chegou com meu marido atrás,
e já foi pedindo o bisturi, nem me cumprimentou nem nada, nem avaliou o bebê,
eu fui e falei “Pra quê bisturi? Eu não quero episiotomia.
Eu já sei que isso não é necessário pro meu caso, eu sei que não é preciso, é uma escolha”,
ele “Não, não podemos discutir isso agora”, e já foi fazendo a incisão na minha ***.
E eu não sabia se eu chorava, se eu respirava, se eu... Eu não sabia o que eu fazia.
Fui submetida a uma episiotomia, sem explicação, sem autorização.
Estouraram a minha bolsa de forma artificial e eu não fui informada que isso seria feito,
não me disseram os prós e os contras dessa atitude. Simplesmente foram, e fizeram.
De repente entrou uma médica, estourou a minha bolsa no meio de uma contração e foi embora.
Sinto que, no meu trabalho de parto, eu não fui protagonista,
na verdade eu fui bem passiva, sempre me mantive deitada.
Um acesso venoso mesmo eu estando sem medicação nenhuma, que saiu do lugar,
prejudicou a minha mobilidade, piorou a forma como eu lidava com as contrações,
não achando posição confortável.
Me amarram na maca, e eu vomitando muito, passando muito mal
e a enfermeira simplesmente e apenas direcionava a minha cabeça para um balde, para eu vomitar.
Todas essas intervenções que foram feitas, é,
eu não fui informada em nenhum momento, das conseqüências nem dos porquês, né
que elas precisariam ser feitas.
Não fui informada, foram feitas também sem o meu consentimento.
Não precisaria ter sido dessa forma. Eu poderia ter sido mais ativa,
poderia ter me informado do que estava acontecendo, eu poderia ter andado,
eu poderia ter feito o meu trabalho de parto, o que não aconteceu...
eu me submeti ao que eles exigiam.
Saíram com a minha filha, saiu o meu marido
saiu o médico dando tapinha no meu braço “Parabéns mamãe”,
saiu todo mundo e eu fiquei na sala sozinha, de pernas amarradas, abertas, sozinha,
como se eu fosse, assim, um subproduto. Levaram minha filha sem me dar nenhuma explicação,
levaram meu marido para longe de mim, e me deixaram lá.
E aí, um pouco antes de eu fazer 40 semanas, o médico disse que a gente ia marcar a cesárea.
Eu não via necessidade da gente marcar essa cesárea,
já que podemos esperar até 42 semanas para o bebê nascer.
E eu bati o pé “Não, eu não quero, não quero, não quero, eu quero esperar até 42 semanas”,
e aí ele me disse “Você quer esperar? Tudo bem. A gente espera,
mas você vai me assinar um termo de responsabilidade”.
Como assinar um termo de responsabilidade sendo que eu não sou médica, eu nunca tive filho,
eu não entendo nada de parto, eu não entendia nada de parto, enfim?
Tive a Estela de cesárea, esperei até 40 semanas, e daí cheguei lá um pouquinho depois
de ter completado a 40ª semana e a médica falou “Bom, o bebê não se manifestou
então a gente vai tirar né”.
Aí depois você entende, eu entendo, porque que muita gente tem pavor do parto normal,
porque tem tanta cesárea no Brasil, deve ser por causa disso. Porque se alguém ficar sabendo
exatamente o que acontece dentro desses hospitais no parto normal, vai querer cesárea mesmo.
Se eu tivesse feito cesárea, o meu marido ia poder ficar o tempo todo comigo,
o que não aconteceu no parto normal.
Quer dizer, eu não quero, não sou a favor de fazer cesárea eletiva, e o próximo também não vai ser,
não vou optar pela cesárea não, mas dá para entender porque tanta gente quer cesárea.
Porque é um horror o que você passa dentro do hospital, fica lá sozinha, morrendo de dor,
não sabe o que vai acontecer, te espetam, te enfiam agulha, dá remédio, coisa que não precisa.
Desrespeito começou desde o pré-natal, eu passei por oito médicos,
e os oito tentaram me forçar a marcar a cesariana, com desculpas como
eu sou baixa demais, porque eu tenho 1,50m, era magrinha, tinha 47kg,
então meu quadril era estreito demais, eu não teria passagem, ou que a mulher de hoje
é sedentária e não agüenta passar por um trabalho de parto.
Eu era acompanhada por um obstetra chamado Dr. Mauro que, durante todo
todo o pré-natal, nunca conversou comigo sobre a possibilidade de se fazer uma cesárea.
Eu entrei no consultório dele dizendo “Eu quero ter meu bebê por parto normal, você faz?”;
“Claro que faço, eu sou um dos campeões em partos normais do Brasil,
eu me sinto muito mais obstetra fazendo um parto normal do que fazendo uma cesárea.
E você jamais vai precisar de uma cesárea com a bacia que você tem,
não existe a menor possibilidade de acontecer essa cirurgia”.
E assim foi, ele foi, hoje eu sei, me enrolando até a 38ª semana, quando num ultrassom de rotina,
dentro do consultório – fica a dica, esse é um grande indício de médicos que costumam
usar a cesárea como prática bastante corrente, fazer ultrassom nas mulheres
com bastante freqüência dentro dos consultórios –
ele usou o resultado do ultrassom para me colocar em xeque, e me deu três motivos para
eu aceitar a agendar a cesárea. É disso que eu quero falar:
nem sempre os motivos que os médicos dão, são reais. Aliás, muitos desses motivos são
mitos, mentiras.
E assim eram os três motivos que me foram dados. O primeiro era o bebê era muito grande;
depois ele me disse que o bebê não estava encaixado; e o golpe de misericórdia dele
foi a placenta madura. Ele disse que a placenta estava calcificada e que em algum momento ela pararia de alimentar o bebê.
A palavra foi “O bebezinho tá bem agora, mas a gente nunca sabe”.
Então, numa segunda-feira, ele começou a me pressionar a agendar a cesárea.
Ficamos uma hora discutindo... eu bastante fragilizada, muito cansada, tava um calor,
eu tava com uma alergia no corpo inteiro, uma barriga desse tamanho...
e ele insistindo que ele faria aquilo com a filha dele, ele faria aquilo com a mulher dele,
e que não estava praticando uma cesárea desnecessária em mim.
Que, de fato, eu havia caído nas estatísticas de uma mulher que precisava de uma cirurgia
para garantir a segurança do bebê, para garantir a vida do bebê.
E ele me convenceu com essa frase “O seu bebê não quer morrer. Se você quiser ir para casa
e assumir essa responsabilidade, pode ir, pode pensar, mas eu estou aqui te falando como
seu médico, eu preciso que você confie em mim”. Eu aceitei.
Eu acho que por ser o primeiro filho, ele queria que o parto fosse logo,
porque daí ele iria sair do plantão no hospital que ele tava e ia pro hospital onde eu tava
e aí de certo ele queria que o parto corresse rápido; não queria respeitar a fisiologia
normal do parto.
Por medo, eu acabei aceitando. E ele marcou a cesárea
e a gente internou no hospital no sábado, às 5h da manhã, porque ele ia pra praia,
logo depois de parir a minha filha.
Eu fui vítima, né, dessas histórias que os médicos contam, mas....
Em todos eu sofri intervenções desnecessárias porque feitas por rotina
e não por indicação clínica.
Àquela época eu as recebi como parte do processo, afinal eu havia escolhido o obstetra
por ser formado pela maior universidade do país e o hospital por ser também o melhor do país,
o Einstein de São Paulo.
Questionei somente o comportamento do obstetra durante o primeiro parto,
por algumas frases que eu não gostei. Dias antes do parto, querendo marcar-me uma cesárea,
ele me disse “no Hospital das Clínicas eu espero até 42 semanas,
no consultório eu não deixo passar de 40 porque é muito perigoso”.
A cesárea tá “aqui”, eu não engoli. Meu próximo parto, com certeza, não vai ser com esse médico
e não vai ser com médico de plano de saúde. Eu vou ter que guardar um dinheiro,
uma média de uns 10 mil reais, para poder ter parto normal,
porque é um absurdo neste país o que que faz com as mães.
Na enfermaria que eu fiquei com mais cinco mães, é... muito calor, não tinha ventiladores,
não tinha cortina, a parede pegava sol o dia todo,
eu que fiquei do lado da parede posso dizer isso com verdade.
Em pleno verão carioca, minha filha nasceu 23 de fevereiro, então, muito calor,
minha filha chegou a ter febre por causa do calor e a única coisa que não se desligava lá eram
as luzes, a voz das pessoas no corredor, não tinha água nesse andar que a gente ficava.
A gente tinha que descer pro andar inferior e pegar água no filtro, cada um por sua conta.
É... o banheiro, que dividíamos com a outra enfermaria,
ou seja, 12 mulheres e acompanhantes, só tinham dois vasos, imundos cheios de lóquio,
cheios de lodo, de baratas e era terrível a hora do banho, porque a gente tinha que pegar
a caminha dos bebês, cada um com a sua, levar até o chuveiro,encher de água, voltar,
dar banho e levar de volta pra tirar a água e voltar.
E isso, fazer tudo isso cortada, com uma cesariana...
Quando o obstetra chegou ao hospital e me encontrou aos gritos pela dor causada pela
ocitocina sintética, injetada pelo soro de rotina em minhas veias,
para mim sua chegada foi como a de Deus do céu, mas ele me olhou bravo e disse
“Que isso, que escândalo é esse, você está parecendo mulher do HC (Hospital das Clínicas)”.
A vivência do parto é uma coisa que toda mulher desejará viver se compreender
que a tão famosa dor a ele associado a uma dor construída pela cultura da violência obstétrica.
Meu objetivo é abrir caminhos para que as mulheres digam “não” a esse formato
e busquem assistência fundamentada em evidências científicas.
Em relação às outras mulheres internadas, é que as enfermeiras estavam reclamando dos gritos,
das reclamações de dores. Naquele momento, eu provavelmente tive mais dor, eu senti mais dor,
eu estava deitada, estava encolhida e fazendo o máximo de força para não soltar, não emitir ruído.
Quando deu por volta de meia-noite e meia, eu queria saber se a dilatação havia aumentado,
eu fui na sala das enfermeiras, elas falaram assim “Não, volta pro seu quarto,
por que isso daí é assim mesmo, só vai piorar. Essa dor é normal, vocês reclamam muito,
isso é só o começo, só vai piorar. Deita de lado que passa!”.
Aí foram lá, me aplicaram buscopan na veia, me falaram pra ficar quietinha.
O médico me falou que meu bebê tava virado, ela estava com a barriga na minha barriga
e para nascer de parto normal ela teria que estar com as costas na minha barriga.
E ele me disse que teria que virá-la, né, virá-lo, né,
por que nós não sabíamos se era um menino ou uma menina,
teria que virar o bebê ou quebrar a clavícula e me deu opção de escolha. E eu falei pra ele,
perguntei “Dr, o que será menos dolorido para o meu bebê?” e ele disse “Com certeza virar.
Mas virar vai ser muito doído pra você.” Eu falei “ah, pra mim não tem problema, pode virar”
e ele virou. Ele colocou as duas mãos na minha ***, segurou ela pela clavícula
e virou. Foi muito dolorido.
Já na sala de parto, a única pessoa que se dirigiu a mim com respeito, e também
a única que se dirigiu, foi a anestesista, é... todos os outros passaram por mim e sequer
se deram conta que eu estava lá. Um enfermeiro, muito infeliz, que me tratou
o tempo todo com deboche, com rispidez, puxou meu avental tão logo eu entrei na sala,
eu fiquei despida para todos que passavam lá, inclusive pessoas que não iam
participar da cirurgia.
O tratamento sempre rude, o médico chegava pra ver a cicatriz,
puxava com tudo o curativo... foi por esse motivo que eu desmaiei a primeira vez,
porque a minha pele, a pele da minha barriga grudou com a cicatriz e, quando fui me deitar,
senti muita dor e desmaiei.
Aí eles me deitaram numa maca e tirando chacota de mim
“Você não é índia! Você não vai parir sem anestesia, vai tomar anestesia, sim!”
Eu tava com muito medo. Eu pedi pra uma enfermeira segurar a minha mão
só um minutinho por que eu achava que não ia agüentar.
E ela disse, assim num tom muito agressivo, que ela não podia
porque eu podia quebrar a mão dela e ela precisava da mão pra trabalhar.
E o anestesista não cogitou conter a piada clássica e disse, ainda nesse contexto
em que a gente não sabia como a Bia estava:
“Aí, hein, pai, passando de consumidor a fornecedor”, pra depois dizer-me que eu não
devia ter deixado meu marido assistir o parto, que ele conhecia
muitos homens que não voltaram a tocar na mulher depois de ver ‘aquilo tudo’...
Com cara de nojo.
No terceiro parto, durante a anamnese, a enfermeira irritada
pela interrupção das respostas durante as contrações, me disse:
“Mas mulher é safada mesmo, hein, sofre e mal dá um ano, já está aqui de novo”,
embora naquele ano eu tenha escolhido a Pró-Matre, que havia inaugurado a suíte de parto normal,
mas o meu obstetra não me deixou usar a banheira pelo risco de infecção.
Inclusive me falou que, eu não deveria chorar na hora da cirurgia,
porque eu estava saindo do hospital inteira, ou seja, não tinha tido um parto normal, não teria...
não estava alargando a minha ***, enfim...
quando eu chorava também, o médico dizia pra eu não ficar chateada, porque a cirurgia ia ficar
imperceptível, a marca da cirurgia, como se essa fosse a minha preocupação, né,
com a cicatriz da cesariana. Mas sem dúvida se, no Brasil, a forma de atendimento
à gestante fosse outra, eu teria tido uma outra história, teria recebido meu bebê com mais
dignidade e teria, eu, também, tido um dia também de mais dignidade.
Então, assim, outro sofrimento da mãe que tem uma cesariana sem ser por escolha,
é que a gente não tem nem o direito de ficar triste.
As pessoas falam que a gente não deve chorar, sofrer ou lamentar,
por que a gente tá bem e o bebê também. Então, assim, além disso tudo
a gente ainda tem que conviver com uma frustração silenciosa.
E no momento de contração mais intensa que eu tive, que eu dei um grito,
pra extravasar essa sensação da contração, a enfermeira segurou a minha mão
mão e falou assim: “Silêncio! Sem grito!”. Naquele momento eu me senti como
como se eu tivesse num quartel, sendo totalmente reprimida das minhas sensações.
Foi o momento de maior violência obstétrica que eu tive no meu parto... essa repressão.
As enfermeiras vinham, uma vez ou outra,
e levavam ela e davam um líquido amarelo num copinho que diziam que era glicose.
É, mas não tentaram me estimular a amamentação... O pediatra me disse o seguinte, que leite em pó, tipo NAN
não me lembro do nome dos outros, era tão bom quanto leite materno, que eu não precisava me preocupar,
porque eu não ia conseguir amamentar minha filha.
Eu falei pra ele que eu queria muito amamentar e ele disse que se eu quisesse amamentar,
eu tinha que ter pensado nisso antes de engravidar porque eu tenho cirurgia plástica.
Eu cheguei em casa e, para mim, era muito importante amamentar, muito importante.
Eu peguei uma bombinha de sucção, aquela que a mulherada usa pra tirar leite,
e tirei o bico do meu peito pra fora. Pedi pra minha mãe sair com a Sofia, levar ela pra sala,
e usei a bombinha de sucção pra tirar o bico do meu peito pra fora. Sangrou, doeu, foi terrível, os dois... saiu,
ainda limpei um pouco o sangue, do jeito que deu, e amamentei a Sofia. Foi muito emocionante!
Mas eu tive que fazer aquilo sozinha, porque meu médico não quis ajudar, meu médico
não quis tentar fazer alguma coisa, né, por mim e por ela, principalmente.
Colocar a roupinha, esse momento foi triste também,
por que não me deram minha filha pra mamar no mesmo momento.
Meu marido não pôde ficar comigo na sala de parto
e só depois de uns 40 minutos é que levaram minha filha pra mamar.
E me levaram para uma sala de observação, por 3 horas eu fiquei lá, sozinha.
E o meu plano era de apartamento e eu perguntava
“Eu quero ir pro meu apartamento, eu quero meu marido, eu quero minha filha, me tira daqui!”
e ninguém me dava ouvidos.
Aí quando eu fui transferida, meu marido falou que nossa filha não tinha sobrevivido
e a gente ficou arrasado.
E, assim, das 24 horas que eu fiquei naquela maternidade, eu fiquei olhando pra porta
pra saber se algum médico ia lá me dar alguma explicação do que tinha acontecido.
Ninguém se prestou a humanidade de ir lá no meu apartamento pra explicar o que tinha acontecido!
Eu fui embora pra casa atônita, sem saber o que pensar, sem saber o que fazer.
Fizemos um velório da nossa filha, enterramos ela com toda a dignidade,
todo o amor, todo o carinho que a gente tinha dado durante toda a gestação.
Esse depoimento, meu objetivo é ajudar outras pessoas.
Quem tiver grávida, procure alternativas, procure um médico humanizado, procure,
não sei, procura se informar, procura ler, procura conversar com o médico antes.
Não vá crua pro parto,
por que na hora que você chega lá, você fica muito vulnerável e você aceita qualquer coisa.
Então, não faça isso. Vá informada, vá sabendo, converse antes
e vá atrás do que você pode e do que você não pode, vá atrás dos seus direitos.
por que depois que passa, é muito complicado pra você se recuperar emocionalmente.
É muito difícil mesmo. Por que ficam questões que, parece, vão ficar pra vida toda.
As mulheres precisam saber, antes, do que é possível ser feito no trabalho de parto e no parto.
O que elas podem querer e o que elas podem exigir que seja feito.
Eu, antes do parto, busquei essas informações por conta própria
e que foram essenciais para o meu momento de alívio das contrações,
e de entender o que estava acontecendo com o meu corpo.
Eu não tive esse apoio durante o parto, a não ser do meu marido.
Que fique a mensagem de que, nem sempre,
aliás, muito raramente essas justificativas pra cesárea são verdadeiras.
Estatisticamente, uma mulher tem 90% de chances de ter um parto normal.
Somente 10% das mulheres precisariam de uma cirurgia.
Esses números são inversos no Brasil, no sistema privado, 90% das mulheres,
aqui no sudeste, passam por cirurgias cesarianas e somente 10% têm partos normais.
A lembrança de todo esse sofrimento no parto me atormentava diariamente.
Foram duas semanas tendo pesadelos seguidos, eu sonhava comigo mesma no hospital,
gritando muito, né, e eu sentia a mesma sensação de medo, de angústia, de abandono e descaso,
eu revivia tudo aquilo durante esses pesadelos.
Eu me senti muito violentada durante esse meu trabalho de parto,
muito desamparada por que eu não tinha informação, eu não tinha pra quem recorrer, não tinha onde me agarrar.
Eu tive a Lia de parto normal, ela nasceu bem, mas quando eu fui para o quarto,
assim, apesar de tá muito feliz, por que era uma coisa que eu queria muito,
esse parto normal, eu senti, eu me senti muito desrespeitada. Eu senti que alguma coisa não foi legal.
Alguma coisa faltou. Depois de muito tempo me caiu a ficha do quanto eu fui violentada.
Meu maior pesadelo todos os dias, não digo todos, mas na maioria dos pesadelos,
eu não penso na morte dela. Ela foi para um lugar melhor, do que o meu, com certeza...
mas eu só ficava pensando na violência, na forma como eu fui tratada
e aquele filme passou repetidas vezes na minha cabeça, durante um bom tempo.
A episiotomia dói até hoje. Todos os dias, quando eu vou ao banheiro, eu sinto ela repuxar,
eu sinto ela amargurar no meu corpo, dizendo pra mim, todos os dias, me lembrando todos os dias,
como eu fui violentada, como eu fui desrespeitada.
Eu desejo um bom parto pra todas, e o meu próximo parto, os meus outros partos, não vai ter nada disso,
não vai ter. Porque eu não vou mais contar com a sorte, eu não vou mais...
eu não vou mais um monte de coisa.
Mas uma coisa eu sei: na mão de um desconhecido, eu não fico mais.
Eu fiz questão de fazer esse vídeo para mostrar que a violência obstétrica ela é séria
e ela não é só aquela que acontece no parto.
Durante nove meses, a mulher, em diferentes situações, pode se confrontar com ela.
Seja com o obstetra, seja com a pessoa que está fazendo o ultrassom,
que amedronta a mulher com o tamanho da cabeça do bebê ou que tem circular de cordão
ou uma série de outras justificativas que, lá na frente, vão reforçar a decisão do médico, e não da mulher,
de fazer uma cesárea. Então, eu espero que, compartilhando a minha experiência,
as mulheres possam estar mais atentas pros exames, pras consultas,
e possam rejeitar determinadas atitudes, provenientes dos médicos, que são, sim, formas de desrespeito.
As pessoas estão se mobilizando, enfim. Tomara que isso mude e que eu não passe mais por isso
e que as outras mães que vem por aí também não.
Que isso seja realmente uma escolha, o parto que você quer,
como você quer que seu filho venha ao mundo. Porque é desumano o que eles fazem.
E o meu objetivo com este depoimento é fazer com que
os profissionais comecem a pensar que a mulher tem que ser respeitada,
aquele momento tem que ser respeitado, os corpos têm que ser respeitados,
porque isso traz conseqüências. Muitas vezes conseqüências graves de auto-aceitação,
problemas de relacionamento com ela e com o companheiro...
Então, que métodos que não são mais vistos como necessários, que já são obsoletos, sejam mudados.
Que o respeito seja colocado em primeiro lugar.
Gostaria que esse vídeo pudesse contribuir pra reflexão, principalmente dos profissionais da saúde,
das enfermeiras, cuja missão principal é cuidar, e eu não me senti cuidada no meu trabalho de parto,
não me senti acolhida. Eu percebi que eles não estavam preparados para acompanhar uma gestante,
uma gestante de 1a viagem que tinha esse sonho de ter a sua filha da forma mais natural possível.
Eu espero ter contribuído e um grande abraço pra todos.
Eu acredito que com esse vídeo, essas ações, nós podemos melhorar a assistência
à mulher nesse momento. Por que o que a gente vê é um despreparo muito grande.
E meu objetivo é também exorcizar um pouco dessas coisas que eu sinto, dessa tristeza,
dessa coisa, assim, dessa culpa mesmo por não ter buscado informação antes.
Eu tenho vontade de falar, parece que eu quero gritar pra todo mundo, assim,
quero alertar “O PARTO É DA MULHER!”.
Em nome de todas as mulheres que sofreram violência no parto, eu peço
que a nossa voz seja ouvida, que as nossas histórias não sejam ignoradas.
“Há uma Primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar! E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada, Que me saiba perder... pra me encontrar...”