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Boa tarde a todas e a todos, pra mim é uma grande honra estar aqui. O papel do Brasil
e aproveitando, especificamente, a temática da multipolaridade, na qual nós estamos inseridos
atualmente, o Brasil tem tido um papel fundamental nessa temática. Nós tivemos, passamos por
um processo de avanço democrático no país, de construção de marco legal a partir da
nossa Constituição de 1988, chegamos na década de 90, em 1992, com, finalmente aderindo
aos dois principais Pactos internacionais de Direitos Humanos: o Pacto de Direitos Civis
e Políticos e o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e, a partir deste avanço
de construção de marco legal, de construção institucional passamos, obviamente, para a
fase da necessidade da implementação destes direitos.
O Brasil tem um papel fundamental, portanto, no sentido de construirmos, por meio da luta
democrática, um marco legal a partir de nossa Constituição de 1988, baseado num processo
de diálogo pleno, de luta intensa da sociedade civil, dos movimentos sociais, das Organizações
Não-Governamentais, dos sindicatos, das áreas de atuação cidadã das mais diversas temáticas,
e pautados, sobretudo, a partir da nossa Constituição de 1988, e reforçado nos últimos 10, 15
anos pelo chamado princípio da participação social como método de governo. É o que eu
chamo, sobretudo, de um processo de tensão criativa pela qual passa o Brasil no seu processo
de tomada de decisão, de construção de políticas públicas e de implementação
de políticas públicas num pleno diálogo com a sociedade civil. E porque o espaço,
digamos, da tensão construtiva? Porque obviamente, ao nos abrirmos ao diálogo com a sociedade
civil, ao nos abrirmos para uma consulta e uma construção conjunta e participativa
governo-sociedade civil há, obviamente, espaço para crítica, há necessariamente o espaço
da escuta e da construção conjunta, e a tensão criativa passa exatamente pela garantia
de um espaço de crítica, de um espaço de denúncia, e aproveitando, de uma maneira
construtiva, também a abertura de um espaço no qual a sociedade civil seja capaz de ser
proponente, seja capaz de apresentar recomendações às autoridades governamentais.
O Brasil entra nesse cenário a partir do final dos anos 90 e ao longo de toda a última
década de 2000 num processo de crescente visibilidade internacional, um país emergente,
que integra os BRICS, que integra o IBAS (Índia, Brasil, África do Sul; Índia, Brasil, China,
África do Sul e Rússia), e ao mesmo tempo uma crescente integração regional a partir
dos processos de construção dos nossos espaços de integração regional, seja MERCOSUL, seja
UNASUL, seja CELAC, seja Comunidade dos países de língua portuguesa, seja a nossa inserção
no cenário internacional pelo sistema ONU de direitos humanos.
A temática dos direitos humanos está intimamente ligada a nossa posição internacional. Eu
estou aqui obviamente falando com base na minha experiência pessoal mas também com
base na minha experiência profissional, mas protegido pelo manto acadêmico dessa universidade
e protegido pelo manto desse diálogo desse colóquio aberto, fluido, ou seja, estou obviamente
aqui apresentando a minha posição a título pessoal. Mas é claríssimo o quadro de avanço
no cenário internacional em matéria de direitos humanos com o papel fundamental do Brasil.
O Brasil foi capaz de introduzir junto com demais atores na área regional, e nós passamos,
nos últimos 10 anos, por um processo único na história da região, em que governos,
forças populares que vieram das ruas, que vieram dos movimentos sociais, que vieram
do meio sindical, que vieram do movimento de direitos humanos, pela primeira vez na
história da nossa região, foram capazes de chegar ao governo, não apenas no Brasil,
mas em vários países da nossa região. Pela primeira vez nós introduzimos a temática
dos direitos humanos num processo de integração regional que até então tinha um fortíssimo
e quase que exclusivo caráter de integração econômico-comercial. Foi criado no âmbito
do MERCOSUL a RADH, Reunião de altas Autoridades de Direitos Humanos do MERCOSUL, e eu tive
a honra de participar desde as primeiras reuniões e pude tomar a palavra e dizer que pela primeira
vez os países da região estavam se coordenando não para violar direitos, fazendo alusão
à famigerada operação Condor na região do Cone Sul em que toda a região passava
pelo flagelo do período de ditaduras militares, ou seja, pela primeira vez, a partir de 2005,
os novos Estados estavam se reunindo não para violar direitos de uma maneira sistemática
e coordenada, mas para promover direitos, de uma maneira sistemática e coordenada.
Essa articulação no âmbito de direitos humanos avança na área da UNASUL, avança
na área do CPLP, e temos plenamente a convicção de que será possível avançar em todas as
áreas de atuação, seja de integração regional, seja de articulação político-diplomática
em que o Brasil está inserido. Nós criamos recentemente, por exemplo na UNASUL, o chamado
foro de participação cidadã da UNASUL em que, nos mesmos moldes em que nós temos no
MERCOSUL com as cúpulas sociais, a sociedade civil, os movimentos sociais, a sociedade
civil organizada ou não tem a plena capacidade de se apresentar junto às Presidentas e Presidentes
do MERCOSUL. Estamos expandindo e acabamos de aprovar, no 30 de agosto, o foro de participação
cidadã, e que permite esse espaço, volto a dizer, de tensão criativa, de diálogo
pleno e de capacidade de propostas feitas pela sociedade civil a serem apresentadas
junto às Presidentas e Presidentes também da UNASUL. Temos o mesmo foro de diálogo
sociedade civil em que a temática de direitos humanos também está inserida no âmbito
da CPLP, e deveremos apoiar a organização livre, autônoma, por parte da sociedade civil,
mas também com o apoio do governo brasileiro de um espaço de diálogo governo-sociedade
civil no âmbito dos BRICS e no âmbito das cúpulas BRICS e também no âmbito da cúpula
IBAS. Temos a inserção fundamental do Brasil, que é uma clara demonstração da multipolaridade
pela qual passa o mundo atualmente, o chamado G-20, mas que certamente caminha para algo
além de um grupo dos 20 países, das maiores economias, sejam as potências tradicionais,
sejam as potências emergentes, como o caso do Brasil, em que saltaremos, sem dúvida
alguma, do diálogo econômico-comercial para um diálogo em matérias das mais diversas,
seja o G-20 acadêmico, seja o G-20 da sociedade civil, seja o G-20 da juventude, e queremos
estabelecer também um diálogo com a sociedade civil no âmbito desse foro de concentração
político-diplomático. Algumas palavras específicas sobre as nossas
experiências no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU: o Conselho de Direitos Humanos
da ONU, que foi criado recentemente numa reforma da antiga Comissão de Direitos Humanos, tenho
aqui a honra de estar presente com várias companheiras e companheiros da sociedade civil
que seguem a atuação do Conselho de Direitos Humanos, que fazem um advocacy fundamental
naquele Conselho, o Conselho de Direitos Humanos reforma, portanto, a Comissão e, a partir
de 2007, instaura uma novidade fundamental no órgão multilateral intergovernamental
de direitos humanos com plena participação da sociedade civil. Pela primeira vez, um
pleito que o Brasil levava no espaço de diálogo diplomático com uma proposta de se criar
um relatório global em matéria de direitos humanos, fazendo frente, portanto, ao desafio,
e o que o Brasil sempre criticou, como país emergente, como país do Sul, como país em
desenvolvimento, as chamadas, os chamados "double-standards", chamado quadro de dois
pesos e duas medidas, ou o chamado quadro de seletividade altíssima e de altíssima
politização nos quadros de direitos humanos da ONU, ou seja, porque focar com "name and
shaming", com "finger pointing policy" um país específico e não outro, né? O Brasil
sempre se colocou contrário a essa postura e sempre advogou, sempre propugnou pela criação
de um relatório global em matéria de direitos humanos elaborado pelo Alto Comissariado da
ONU para os Direitos Humanos, com sede em Genebra.
Pela primeira vez, agora no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 2007, é criado
uma espécie de relatório global chamado "EPU"ou "UPR", Exame Periódico Universal,
em que todos os países, absolutamente todos os países, da maior potência do Planeta
ao país de menor desenvolvimento relativo do Planeta tenham que passar pelo crivo intergovernamental
e com "input" importante da sociedade civil e, de todo o sistema ONU, não apenas dos
direitos humanos mas todo o sistema ONU, que vai desde a temática da OIT até a temática
das mulheres, toda a amplitude da gama de direitos humanos, econômicos, sociais e culturais,
direitos civis e políticos, todos os países do globo, todos os Estados-membros da ONU
necessitam passar por esse processo de revisão periódica universal. E aí em que se combata
a seletividade como resultado em que todos os países passam, pela primeira vez na história,
por um crivo intergovernamental em matéria de direitos humanos, de monitoramento, e que
passam a ser objeto de recomendações em termo de avanços de direitos humanos.
O Brasil foi fundamental na construção desse Conselho, assim como vários países da região.
Temos capacidade, temos tido capacidade de realizar uma série de ações, do que nós
chamamos no jargão diplomático genebrino de "cross-regional", ou seja, ações que
congreguem as várias regiões do mundo. Temos, citaria pelo menos 3 exemplos dessa nossa
capacidade: o Brasil foi escolhido, num diálogo pleno desse processo de tensão criativa que
e comentei com vocês, por algumas das principais ONGs do mundo em matéria de direitos da criança
e do adolescente para encabeçar o chamado "grupo de amigos das diretrizes da ONU para
crianças sem cuidados parentais". O que que isso significa? São crianças em situação
de rua ou crianças em abrigos, são crianças não necessariamente órfãs, mas crianças
que não tem, não estão sendo objeto do cuidado parental naquele momento. Há uma
lacuna na norma internacional sobre essa temática, e o Brasil foi escolhido pelas principais
ONGs do mundo em matéria de direitos da criança e do adolescente para encabeçar uma proposta
na ONU para que criássemos, e isso foi obtido em 2009, com a aprovação, por consenso no
Conselho de Direitos Humanos e na Assembléia Geral das Nações Unidas, um "set", um grupo,
um arcabouço legal de diretrizes em matéria de direitos da criança para essa temática.
Uma outra experiência, e volto a dizer, as diretrizes foram apoiadas e tiveram como proponentes
do projeto de resolução países de todas as regiões, ou seja, demonstrando claramente
a nossa capacidade de agir de uma maneira "cross-rgional". Da mesma maneira, nós apresentamos,
em 2008, fruto das comemorações dos 60 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos,
um projeto de resolução que partiu, pela primeira vez foi um projeto de resolução
que partiu do apoio inicial de todos os países-membros e associados do MERCOSUL, todos os países
da nossa região apoiaram, chegaram a Genebra com essa, com uma proposta de projeto de resolução
sobre as chamadas metas em direitos humanos. Então, aproveitando a experiência dos chamados
ODMs, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, o Brasil propôs, nas Nações Unidas, e chegou
a ser aprovado, um projeto com dez metas nos direitos humanos que obrigam os Estados ou
criam, de alguma maneira, um constrangimento político aos Estados que respeitem ou que
implementem 10 metas em direitos humanos que vão desde a criação de planos em educação
em direitos humanos a ratificação, internalização dos principais instrumentos internacionais
de direitos humanos ao combate à fome e à pobreza e, mais importante, com a possibilidade,
já com um "time frame" estabelecido, um prazo estabelecido, de que todos os países irão
se congregar e observar até que ponto estão atingindo esses objetivos em direitos humanos
a partir já no período do aniversário dos direitos humanos, dos 70 anos da Declaração
Universal de Direitos Humanos, portanto, em 2018.
Um terceiro exemplo que eu gostaria de apresentar são os chamados, que é o arcabouço no Conselho
de Direitos Humanos, e a grande novidade, também, que é a possibilidade de sessões
especiais. Então nós temos um sem número de sessões especiais sobre situações de
países, o Brasil já apoiou e atuou fortemente, por exemplo, em sessões especiais sobre a
questão de Mianmar, sobre a questão de países africanos, como a República Democrática
do Congo, e um sem número de outros países. Houve, inclusive, a experiência proposta
de um país da nossa região, no caso, a Bolívia, de apresentar uma resolução sobre a situação
de direitos humanos no seu próprio país, então abriu uma grande novidade para que
o próprio Estado possa apresentar a situação e debater a situação de direitos humanos
dentro de seu país no âmbito do Conselho e, ao mesmo tempo, as chamadas sessões especiais
temáticas. O Brasil apoiou a primeira sessão especial temática que, não por mera coincidência,
teve como objeto o combate à fome, direito humano à alimentação, portanto, o chamado
"DESC", direito econômico, social e cultural. Em seguida, foi proponente, principal proponente,
junto com países da África, da Ásia e do Leste Europeu, aliás, foi a primeira vez
que o BRIC, como BRIC, países membros dos BRICs - Brasil, Rússia, China e Índia, e
posteriormente, agrega-se a África do Sul -, apresentam um projeto de resolução conjuntamente
no Conselho de Direitos Humanos da ONU e propugna, estabelece, cria uma sessão especial nas
Nações Unidas para debater o impacto sobre os direitos humanos da crise internacional,
da crise econômico-comercial que vigia desde 2008. Ou seja, esses países apresentam uma
sessão temática, uma sessão especial temática em que se debate, se propugna, se faz o pleito
forte a que, por conta da crise internacional, os países não deixem, ou não enfraqueçam
os seus compromissos, não deixem de implementar efetivamente a sua política de direitos humanos,
seja no caráter interno, seja na sua política externa.
Observando, aqui, o público, que eu sei muito bem que são pessoas que atuam no terreno,
é muito importante que vocês tenham a dimensão exata desse instrumento do Conselho de Direitos
Humanos, do espaço internacional, do debate internacional em matéria de direitos humanos.
Ou seja, como um instrumento, como as diretrizes da ONU para crianças sem cuidados parentais,
ou como os objetivos em direitos humanos que foram aprovados em 2008 ou mesmo as sessões
especiais que ocorrem em Genebra, impactam a situação no terreno.
Eu nunca me deixo, nunca vou esquecer, e fui, e tenho o privilégio de ser amigo pessoal
da ex-relatora especial da ONU para defensores de direitos humanos, a Dra. ???, "there is
no such a thing as an ex-human rights defender", e eu me considero um, ainda, um defensor de
direitos humanos. Nunca me esqueço, sobretudo, uma atividade que eu tive aqui na Pastoral
da Criança, no centro da cidade de São Paulo, da minha cidade, em que eu estava embalando
um bebê de 4, 5 meses, filho de uma menina que tinha 13 anos de idade e que estava abrigada
na região do centro de São Paulo, próximo a Praça da Sé, eu nunca me esqueço desse
momento, do impacto que isso trouxe pra mim, eu tinha 20 e poucos anos de idade, e, ao
mesmo tempo, a possibilidade de mudar o marco legal, como as diretrizes da ONU para crianças
sem cuidados parentais, que possa garantir ao meu Estado, seja em nível federal, seja
em nível estadual, seja em nível municipal, instrumentos legais para poder implementar
uma política pública de maior dignidade humana.
Por último, eu gostaria de ressaltar o princípio fundamental que baseia a atuação internacional
do Brasil em matéria de direitos humanos, e aqui eu faço uma referência clara a um
professor saudoso, desta casa, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e que
atuou também na América Latina, na África, atuou, inclusive, em Genebra, que é o nosso
grande e saudoso professor Paulo Freire. Portanto, não há, e esse é nosso princípio basilar,
professores nem alunos em matéria de direitos humanos. Nós estamos todos juntos, governo
e sociedade civil, neste mesmo desafio e, ao mesmo tempo, todos os nossos países, seja
da região, seja das mais diversas áreas de atuação, dos mais diversos tabuleiros
no cenário internacional, estamos e temos que estar juntos para combater violações
de direitos humanos e para conseguir criar um espaço efetivo de cooperação, de diálogo
e de avanço em matéria de direitos humanos, num quadro em que não há nem professor nem
alunos. Muito obrigado.