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O jazz é a musica que sintetiza a América.
É uma forma de arte...
que nos dá uma maneira indolor de nos compreendermos.
O grande poder do jazz e a inovação trazida por ele
foi oferecer a possibilidade de um grupo de pessoas
se reunir para fazer arte.
Para fazer uma arte improvisada
que nasce da negociação entre os seus estilos pessoais.
E aí está a arte. Bach também improvisava
mas ele nunca olhava para um parceiro de orquestra
e dizia: ''Vamos tocar Eine Feste Bug''.
lsso não acontecia. Ao passo que, no jazz
posso entrar num bar em Milwaukee de madrugada
e perguntar aos músicos: ''O que vocês querem tocar?
Vamos levar um blues.'' E posso fazer...
E todo mundo vai começar a me acompanhar
e você não sabe o que pode surgir daí.
Essa é a nossa arte.
Os músicos que estiverem lá vão dialogar entre si.
Falamos uns com os outros na linguagem da música.
Ele é o estilo musical da América.
Nascido da interação entre as contradições da América.
Entre o ter e o não ter
entre a felicidade e a tristeza, entre o campo e a cidade, o *** e o branco
o homem e a mulher.
Entre a velha África e a velha Europa
essa música só poderia ter surgido em um mundo completamente novo.
É uma arte baseada na improvisação, que se reinventa à medida que é criada
da mesma maneira que acontece no país que a originou.
Ela valoriza as expressões individuais
mas requer um senso de colaboração altruísta.
É uma música em permanente mudança
mas que quase sempre conserva as suas raízes no blues.
Ela tem uma tradição rica e as suas próprias regras
mas consegue se renovar totalmente a cada noite.
O jazz é ao mesmo tempo para quem só quer um ganha-pão
e para quem está disposto a se arriscar ao máximo
É perder tudo e encontrar o amor.
É simplificar as coisas e estar na maior elegância.
Ele já teve uma enorme popularidade e já sobreviveu a tempos difíceis
mas sempre foi um reflexo dos americanos...
de todos os americanos, no que eles têm de melhor.
Como dizia o percussionista Art Blakey...
''o jazz lava a poeira da vida do dia-a-dia''.
e, acima de tudo, ele mexe com a gente.
O jazz é uma celebração da vida
da vida humana em todas as suas instâncias.
Com toda a sua ignorância e sua grandeza
sua sensualidade e profundidade.
Ele lida com tudo isso.
É a expressão máxima do individualismo.
Você sobe no palco e diz:
''Não importa como os outros fizeram. Vou fazer assim.''
Ver um músico de jazz tocando
é contemplar um pioneiro, um explorador, um cientista.
É tudo isso ao mesmo tempo.
O jazz é a materialização do processo criativo.
Os homens e mulheres incríveis que criaram o jazz
vieram de todos os lugares dos Estados Unidos
e de todos os estilos de vida.
Mas todos eram capazes de fazer uma coisa que
para a maioria das pessoas
só é possível em sonho: criar arte lnstantâneamente.
Era uma gente como o cafetão ocasional
e paquerador em tempo integral de Nova Orleans.
Um pianista incrivelmente criativo
que alegava falsamente ter inventado o jazz, mas que na verdade
foi o primeiro a demonstrar que ele podia ser escrito em partituras.
Ou o filho mimado de uma família de classe média, que transformou
uma orquestra inteira de músicos geniais no seu instrumento particular.
Ele compôs quase 2 mil peças musicais para eles tocarem...
e, nesse processo, tornou-se o maior compositor dos Estados Unidos.
Gente como o filho de judeus russos criado nos cortiços de Chicago
que foi aprender a tocar clarinete só para ficar longe de confusões
e acabou ensinando um país inteiro a dançar.
Ou a filha problemática de uma doméstica de Baltimore
cujo estilo de cantar transcendia as limitações de sua própria voz
e transformava sem dificuldade músicas medíocres
em verdadeiras obras de arte.
O filho de um agente ferroviário de Kansas City, no Missouri
que foi para Nova lorque semear uma revolução musical
permaneceu orgulhosamente na sua liderança por um tempo
e acabou dando fim à própria vida aos 34 anos.
O filho de dentista de East Saint Louis, lllinois
cuja busca de inovações na música durante uma vida toda
fizeram dele o músico mais influente da sua geração.
E não podemos esquecer do menor abandonado criado em Nova Orleans
cuja genialidade sem par ajudou a transformar o jazz numa arte de solistas
e cujo trabalho influenciou todos os artistas que vieram depois dele.
Foi ele que, por mais de 0 anos, fez todos os que ouviam sua música sentirem
que por pior que as coisas estivessem, tudo iria sempre dar certo no final.
''E, com tudo isso, quem pode saber realmente o que é o jazz?''
Como poderemos saber, até estarmos abertos
para examinar tudo o que essa música coloca diante de nós?'' Ralph Ellison.
PRlMElRO EPlSÓDlO GUMBO
''Pessoas do mundo inteiro vinham para Nova Orleans:
piratas, aventureiros, jogadores, exilados, bandidos, franceses
hispânicos, alemães, ingleses, irlandeses, indianos, chineses, italianos
antilhanos, africanos...
Nas centenas de casas de cômodos, nos fundos dos edifícios
pessoas de todos os países viviam lado a lado
e acontecia todo tipo de integração entre elas.'' Danny Barker.
O jazz se desenvolveu em muitos lugares
mas esse estilo musical nasceu em Nova Orleans.
A cidade era, no princípio do século 19
a mais cosmopolita e mais musical dos Estados Unidos.
Mas Nova Orleans era também um pólo do tráfico de escravos
ainda tolerado num país que acabara de proclamar legalmente a igualdade
entre todos os homens.
E foram os descendentes dos seres humanos que haviam sido tratados
como mercadoria em suas terras que acabariam por criar
a mais americana das expressões artísticas: o jazz.
O próprio conceito de improvisação
faz parte da vida na América.
Quem era escravo teve que aprender a improvisar.
Eles chegavam aqui sem falar a língua local
sem conhecer a comida e o sistema social.
Quem não aprendia a improvisar tinha problemas.
Não conseguia sobreviver.
O jazz tem a ver com liberdade.
Ele fala de uma espécie de libertação.
É claro que outros povos foram oprimidos nos EUA
ou sofreram brutalidades. Mas apenas os afro-americanos
foram escravizados. Somente os afro-americanos
trazem a consciência e o legado Histórico
de não terem sido livres em um país livre.
A partir de 181 7, os escravos de Nova Orleans conquistaram a permissão para
cantar e dançar nas tardes de Domingo em um local chamado Congo Square.
Aos olhos curiosos dos brancos que às vezes apareciam para ver
e ouvir as celebrações
a música dos escravos, com os seus ritmos complexos de percussão
parecia oferecer uma visão genuína da cultura africana.
Mas a maioria dos escravos que se reuniam em Congo Square
nunca havia conhecido a África.
Muitos eram recém-chegados das Antilhas
e sua música tinha a pulsação contagiante dos ritmos caribenhos.
Outros escravos haviam sido trazidos para a cidade
das fazendas do interior do sul dos Estados Unidos.
Esses trouxeram consigo as canções de trabalho, os hinos religiosos
e o canto formado por chamados e respostas da lgreja Batista.
Nova Orleans também abrigava uma comunidade singular
e próspera de cidadãos negros livres que se intitulavam ''os 'creoles' de cor''.
Muitos tinham a pele mais clara por serem descendentes
de colonos franceses ou espanhóis e suas esposas e amantes negras.
Esses se identificavam mais com suas raízes européias do que com as africanas
e menosprezavam os negros de pele mais escura.
Alguns chegavam a ser donos de escravos.
Muitos músicos dessa comunidade ''creole'' tinham formação clássica
e se orgulhavam de serem capazes de tocar para todos os tipos de dança.
Segundo a manchete de uma edição do Jornal Picayune de 1838
a nova mania de Nova Orleans era a música das cornetas e trompetes.
Cidadãos de todas as etnias e nacionalidades acompanhavam
os desfiles das bandas de metais pelas ruas.
Que eram tomadas por desfiles de toda sorte, celebrando casamentos, funerais
e datas festivas, sem falar nas 6 a 8 semanas da época do Carnaval que
todas as primaveras, antecediam a festa do Mardi Gras.
Era uma cidade romântica.
Os vendedores de rua cantavam árias.
E as pessoas viviam uma integração verdadeira.
Num mesmo quarteirão, você podia encontrar
uma família de italianos, negros de todas as procedências,
'creoles', alemães... Todos vivendo ali.
Não podiam escapar de conviver uns com os outros.
Nova Orleans também tinha uma tradição de permissividade
com jogos de azar e pessoas mostrando o corpo.
Mas isso convivia com muitas igrejas
e a religiosidade do vodu.
Tudo isso se misturava na cidade.
Havia pessoas que não gostavam umas das outras
mas que tinham que se aturar pois partilhavam
a mesma cultura a mesma tigela de ''gumbo''.
Em Nova Orleans também havia os espetáculos dos chamados menestréis.
Eram as chamadas 'canções das lavouras'
feitas por compositores brancos e negros e interpretadas por cantores
brancos caracterizados como negros e às vezes, em anos posteriores
por cantores negros caracterizados como brancos fingindo-se de negros.
Á primeira vista, a tradição dos menestréis americanos
parecia simplesmente reforçar os estereótipos raciais.
Os menestréis foram a forma mais popular de entretenimento
durante cerca de 8 anos nos EUA, a partir de 1840.
Eles produziram a primeira leva
da música popular americana. Há canções de Steven Foster
James Bland e outros conhecidas até hoje.
E também criaram um estilo de humor conhecido até hoje
com piadas como a da galinha que atravessou a estrada.
Havia grupos de menestréis
levando as mesmas canções e o mesmo tipo de humor
ao país todo, não só às grandes cidades
mas a qualquer vilarejo onde pudessem se apresentar.
Foi uma forma primitiva de TV
o primeiro tipo de entretenimento
conhecido por todos os americanos igualmente.
Apesar do caráter abertamente racista, o espetáculo dos menestréis
trazia uma mistura de música alegre humor e elegância sofisticada.
Era um ritual bizarro e complexo no qual brancos e negros se interpretariam
e mal interpretariam mutuamente por várias décadas.
Acho que foi um marco da resistência dos negros
que pôde ser reconhecido no país todo.
E embora essa resistência viesse sob uma forma farsesca
com música e dança e formato aparentemente preconceituoso
esses espetáculos traziam a essência do espírito americano.
Eles iniciaram uma longa relação entre negros e brancos
entre o entretenimento dos negros
e a apropriação dele pelos brancos
nessa estranha dança entre as duas etnias
que acontece desde nossa chegada à América.
É uma relação tão próxima e intrincada
que era preciso degradá-la
para podermos lidar com a afronta tremenda da escravidão.
O primeiro grande sucesso dos menestréis foi uma canção escrita e
interpretada por um branco conhecido como Daddy Rice
que dizia tê-la ouvido inicialmente na voz de um cavalariço ***.
Rice batizou a canção com o nome do tal ***: ''Jim Crow''.
Em 26 de janeiro de 1861 , o Estado da Louisiana entrou em
dissidência com o resto da federação. Mas, apenas 1 meses mais tarde
esquadras federais subiram o Rio Mississípi e obrigaram Nova Orleans
a maior cidade dos Confederados a se render.
A ocupação dos ianques deu início a tempos de liberdade
para a população negra da cidade... e propiciou uma explosão de criatividade
Foi a abolição da escravatura
que possibilitou o nascimento do jazz.
Ele surgiu da consciência de um grupo de pessoas
excluídas de uma sociedade mas profundamente imersas nela.
Eram americanos no sentido mais genuíno da palavra
que não tinham tido reconhecimento como tal.
Mas isso não afetava o fato de serem americanos
e terem contato com todas as informações
que os americanos tinham.
Durante 12 anos depois do fim da Guerra Civil no período
conhecido como Reconstrução, as tropas federais ocuparam
o sul dos Estados Unidos para garantir o respeito aos Direitos Civis
e supervisionar a primeira tentativa oficial de integração no país.
Mas, em 1877, numa transação escusa entre corruptos republicanos do Norte
e democratas do Sul, as tropas foram retiradas
e o projeto da Reconstrução naufragou do dia para a noite.
O poder dos brancos voltou a se impor brutalmente.
O sistema de arrendamento de terras substituiu a escravidão na lavoura.
A Ku Klux *** florescia e os linchamentos se tornaram rotineiros.
Todos os aspectos do cotidiano dos afro-americanos
passaram a ser segregados, num sistema que ficou conhecido com
o nome do sucesso do menestrel Daddy Rice: ''Jim Crow''.
Durante um tempo, a cosmopolita Nova Orleans
conseguiu evitar o que havia de pior no novo sistema.
A MlSTURA lNlClAL
''De repente, descobri uma agitação nas pernas. Elas começaram a se mexer
como se levassem choques, revelando um desejo forte e perigoso
de me lançarem para fora da cadeira.'' Gustav Kuhl.
Na década de 1890, dois novos estilos musicais chegaram a Nova Orleans.
Esses dois estilos foram fundamentais para o aparecimento do jazz.
O primeiro, criado pelos pianistas negros das cidades do Meio-Oeste
era cheio de vitalidade, animado e irresistível.
Ele trazia influências de tudo o que viera anteriormente: os hinos religiosos
e as canções dos menestréis afro-americanos
melodias folclóricas dos europeus e marchas militares
todas misturadas num ritmo inovador e sincopado.
Era o chamado ragtime, que seria
o estilo musical mais popular nos Estados Unidos nos 2 anos seguintes.
Divulgada inicialmente por músicos itinerantes e mais tarde pela venda
de partituras, a batida do ragtime conquistou instantaneamente
jovens dançarinos do país inteiro.
E eles gostaram ainda mais da nova música quando perceberam
que seus pais a desaprovavam.
''O ragtime é a síncope elevada às raias da loucura.
Quem é contagiado por essa música deve ser tratado como cães com raiva.
Se vai ser uma moda passageira, uma forma de arte decadente
ou uma doença vinda para ficar, como a lepra
isso só o tempo dirá.'' Edward Baxter Perry.
Mais ou menos na mesma época, os músicos de Nova Orleans
começaram a ouvir o blues.
Uma leva constante de refugiados do delta do Mississípi passou a desembarcar
em Nova Orleans tentando fugir do sistema Jim Crow.
Para essas pessoas, o trabalho no porto da cidade
era a promessa de uma vida melhor do que qualquer coisa
que eles poderiam ter nas lavouras de cana e algodão da sua terra natal.
E o blues chegou na sua bagagem.
O blues tenta extrair sentido
de uma situação que desafia sua capacidade de compreensão.
Desde o fim da Guerra Civil,
os negros vinham buscando um novo padrão artístico.
Queriam uma estética que os libertasse
da fórmula dos menestréis.
Que os libertasse do fardo dessa fórmula
e da degradação trazida por ela.
O que nasceu dessa busca
foi o estilo musical batizado de blues.
E ele se mostrou muito versátil e elástico,
Justamente por sua simplicidade.
O blues é uma forma musical americana por excelência.
Em geral, são apenas 3 acordes arranjados em seqüências conhecidas
como estribilhos, que permitem um número infindável de variações.
É um estilo que, para ser bem tocado,
não requer apenas técnica mas uma sensibilidade especial.
Assim o músico pode criar uma linguagem básica
a partir da qual extrai todo tipo de som.
Você precisa do blues.
É como a mistura de farinha para fazer o ''gumbo''.
Sem ela, você pode ter uma sopa comum, mas não ''gumbo''.
O blues era o correspondente profano dos hinos dos negros da lgreja Batista
cheios de chamados e respostas, gritos lamentos, exortações e improvisações.
''Um orava para Deus e o outro para o que era humano'',
disse certa vez um músico de Nova Orleans.
Um diz: ''Oh, Deus, me liberte'' e o outro diz: ''Ei, moço, me deixe em paz''.
Há uma grande diferença entre ter o espírito do blues
e tocar o blues. Tocá-lo é uma maneira
de aliviar o seu coração.
Talvez as letras fossem tristes
mas a melodia evocava tempos de alegria.
Por isso, essa música afastava a tristeza do coração.
Em Nova Orleans, os músicos descobriram uma maneira de aprofundar
a mensagem do blues quando começaram a tocá-lo nos seus trompetes.
Os músicos tocavam cornetas
e instrumentos que haviam sobrado dos tempos da Guerra Civil,
num estilo militar...
Então, de repente, em vez de seguirem esse estilo
eles passaram a imitar as melodias do pessoal da igreja
com notas que vibravam no final.
lsso dá uma nova dimensão à música.
Como costuma acontecer com as coisas mais profundas
o que se viu foi uma união entre opostos.
As pessoas começaram a apreciar os hinos religiosos
e também a melodia profana do blues.
E os músicos que conseguiam entender ambas as coisas
e passaram a tocá-las lado a lado em suas cornetas
como anjos e demônios ao mesmo tempo...
Esses eram os melhores.
No século seguinte, o blues se tornaria a fonte que alimentaria
todas as correntes da música americana
incluindo o jazz.
O BARULHO
''Se você for analisar bem, o sujeito que começou a alardear
o jazz foi Buddy Bolden.
É, o sujeito era um tremendo trompetista, e fazia isso muito bem.
Ele merece o crédito por ter dado início ao barulho todo.'' Mutt Carey.
E no meio disso tudo surgiu Buddy Bolden
um *** batista de pele escura.
A grande novidade que ele trouxe
foi colocar personalidade na música.
Ele tocava ''o som de Buddy Bolden''.
Buddy Bolden, o 1º músico lembrado por tocar jazz, nasceu em 1877.
O ano do fim do projeto da Reconstrução.
Somente uma fotografia dele chegou até os dias de hoje
e pouco se sabe sobre os rumos trágicos de sua vida.
Mas, desde o início, Bolden era diferente de todos os outros
corneteiros e trompetistas:
era mais eloqüente, mais ousado e inovador, e estava sempre ansioso
por maravilhar e surpreender seus ouvintes com a riqueza
das suas próprias criações musicais.
Foi Buddy Bolden que inventou a batida
que chamamos de ''big four'' ou pelo menos é o que diz a lenda.
Nela, você realça a 2a. quarta batida da marcha.
A marcha normal é assim...
A ''big four'' faz...
Na 4a. batida, o tambor e os pratos entram juntos
e daí começou a surgir a cadência do jazz.
Antes, os trompetistas tocavam...
Mas agora havia a ''big four''.
Quando eu frasear isso, vai ficar com o meu estilo pessoal
é um ritmo totalmente diferente, cheio de improvisações.
o trompete passou a soar não como um simples trompete
mas como Buddy Bolden.
E no meio disso também havia o clarinete
que poderia fazer...
Os dois ao mesmo tempo.
A coisa é organizada
de uma maneira que todos os músicos tomem decisões
a cada momento para dar mais força à música. lsso é o jazz.
Em 1906, Buddy Bolden já havia se tornado o músico ***
mais conhecido de Nova Orleans, e agora era aclamado como 'o rei Bolden'
pelas crianças que se amontoavam na porta da sua casa todas as manhãs
só para ouvi-lo ensaiar.
Bolden era benquisto especialmente pelos negros do Storyville
o bas-fonds de Nova Orleans onde se
via uma permissividade sem igual em nenhum outro lugar da América.
Nova Orleans era um pólo de atividade ***
e não havia puritanismo.
O próprio jazz diz:
''lsso é o que fazemos
e é lindo. E também terrível.''
O jazz é a música de verdade,
que mexe com homens e mulheres de verdade.
Ele fala de depravações porque era o que os músicos viam.
Era isso que dava o espírito à música
e era o que o mundo queria dela.
Ela nunca escondeu o que acontecia debaixo dos lençóis.
O auge da carreira de Bolden
coincide com os melhores anos de Storyville.
Todos queriam ir até lá ver o que acontecia.
Era o bairro mais famoso da cidade.
Bolden viveu toda a efervescência de Storyville.
Mas ela tinha o seu preço. Bolden passou a beber demais
e a não comparecer para tocar nos shows.
Bolden sempre havia exagerado na bebida, mas agora passara a ter dores
de cabeça, havia começado a falar
sozinho e a arrumar brigas com os músicos da sua banda.
E se mostrava sempre preocupado
achando que as inovações criadas pelos companheiros iriam
ofuscar as suas. Ele parecia ter medo de tudo, até da sua corneta.
A mãe fez o que pôde para aplacar os seus medos, mas nada
parecia dar resultado.
Ela foi obrigada a chamar a polícia
com medo de que o filho pudesse acabar machucando a ela ou a si mesmo.
Buddy Bolden, o homem que comandara a primeira banda de jazz
da História, jamais voltaria a tocar sua corneta em público.
Ele passou o resto da vida confinado
no Manicômio Público de Louisiana, em Jackson.
''O piano era considerado instrumento de mulher nos grupos onde eu circulava
e eu não queria ser chamado de maricas. Queria me casar, ser um homem
de verdade. Então estudei outros instrumentos.
Até que um dia vi um sujeito tocar uma peça excelente de ragtime
e naquele momento decidi que o piano era para os homens
tanto quanto para as mulheres.'' Jelly Roll Morton.
A música dele expressa o clima de N. Orleans.
Ele captava tudo o que se passava.
Ele compreendeu a sutileza do que Buddy Bolden fazia
e incorporou isso à sua música.
E acrescentou os bordões dos vendedores:
''Olha a melancia!''
Ele incorporava tudo à música que fazia.
E, mesmo sendo ''creole'',
não era esnobe como muitos deles.
Tinha uma atração pela boemia.
Dizem que o pessoal da noite conquista a todos
e ele era desse jeito.
Jelly Roll Morton foi batizado como Ferdinand Joseph Lamothe
ao nascer no ano de 1890, em Nova Orleans.
Ele costumava dizer que seus antepassados haviam vindo diretamente
da França... mas, na verdade, ele nascera de uma mãe solteira 'creole'
cujas origens conhecidas remetiam apenas ao Haiti.
Durante um tempo, Morton foi criado por uma bisavó conservadora
que apreciava o formalismo e a tradição da ópera francesa.
Mas o seu bisneto tinha idéias muito diferentes.
Ainda adolescente, ele conseguiu em segredo um emprego
onde tocava para prostitutas e os seus clientes num bar de Storyville.
Ele adorava estar nos cabarés e boates.
Adorava estar em meio à barra-pesada
e se meter em brigas de faca.
Adorava tocar nos funerais e nos desfiles de rua.
Ele dizia à bisavó que não podia voltar para casa à noite
porque havia arrumado um emprego como vigia.
Jelly Roll disse à bisavó que era vigia noturno;
só não disse a ela o que andava vigiando.
Nos cabarés, ele ficava no melhor lugar da casa.
Ele tocava acompanhando a coreografia
das prostitutas nas cabines.
E as gorjetas eram proporcionais ao seu desempenho.
Se inventasse algo diferente...
eles lhe davam mais dinheiro.
Em pouco tempo, Morton se transformou num pianista excepcional
conseguindo misturar sem esforço os ritmos do ragtime
das canções dos menestréis e do blues num novo estilo híbrido e improvisado.
Mas ninguém o tinha em mais alta conta do que ele próprio.
''Sou o mestre'', costumava dizer.
''Qualquer som que você tirar da sua corneta será a música de Jelly Roll.''
e, anos mais tarde, não se acanhava de declarar para quem quisesse ouvir
que ele havia sido o criador do jazz.
lsso não era verdade.
Mas ele de fato compôs uma série de músicas
que estabeleceriam o padrão das composições de jazz
e foi o primeiro a colocar seu trabalho em partituras.
Algumas de suas músicas incorporavam os ritmos dançantes
da habanera caribenha.
Era o que Morton chamava de ''tempero Hispânico.''
Sem essa batida, segundo ele, a receita do jazz não podia ficar perfeita.
Morton se transformou num artista versátil.
Ele tocava piano, cantava e dançava,
e insistia sempre em ser chamado pelo exótico apelido que escolhera.
A expressão descreve um certo movimento erótico.
Ou seja, ''jelly roll'' significa...
Significa o movimento erótico preferido das pessoas
entre todos os outros possíveis.
Esse é o significado.
Mas a bisavó de Morton acabou sabendo onde o rapaz trabalhava
e o expulsou de casa definitivamente.
Ele caiu na estrada aos 1 7 anos e nunca mais a abandonou.
Morton esteve em todos os lugares:
Memphis, Chicago
Nova lorque, Kansas City
Oklahoma e Los Angeles.
Para ganhar o seu sustento, ele se caracterizava como ***
para performances do vaudeville, tentava a sorte em mesas de carteado
e de sinuca, trabalhava como cafetão e vendia de porta em porta
uma cura milagrosa para a tuberculose:
uma poção viscosa feita com sal e Coca-Cola.
Mas ele nunca abandonou o piano.
Aonde quer que Jelly Roll Morton fosse, sua música ia com ele.
''Por que existe o jazz e as bandas de jazz? É a mesma coisa que perguntar
por que existem romances baratos e rosquinhas engorduradas.
Todos são manifestações de gostos rudimentares
que ainda não foram eliminados pela civilização.
No caso do jazz, Nova Orleans tem interesse especial
já que se diz que esse vício musical teria surgido aqui.
Nós não reconhecemos a paternidade, mas a simples existência de tal boato
nos compele a sermos os últimos a aceitar tal atrocidade
na sociedade decente.''
Jornal ''Times-Picayune'' de Nova Orleans.
A música que B. Bolden e J.R.Morton haviam difundido em N.Orleans
agora era chamada de música vagabunda, ou gut-bucket.
Para outros, era apenas uma música quente, cheia de energia e vitalidade.
Mas houve quem a apelidasse de ''jass'' dizendo que o nome vinha do perfume
de jasmim que era usado pelas prostitutas de Storyville.
Acabou ficando 'jazz', embora ninguém saiba explicar o porquê.
Escrevia-se ''j, a, s, s''. Bastava tirar o ''J''
para ficar ''***'', ou bunda. Por isso mudaram para ''j, a, z, z''.
Acho que o sentido original de Jazz era ''procriação''
e não há nenhum ato mais profundo que esse
a menos que você fique diante do Criador.
Há muita discussão sobre o significado da palavra.
Há quem diga que vem de um termo africano para ''acelerar''.
O que mais impressionou as pessoas no início
foi o fato de ser uma música rápida, acelerada.
O jazz surgiu na mesma época do cinema
o cinema era a projeção acelerada da fotografia
e foi feita essa associação.
Em 1910, havia bandas de todos os estilos e etnias em Nova Orleans.
O grupo branco mais conhecido era o de Papa Jack Laine, percussionista,
ferreiro e boxer amador que começou a organizar a sua Reliance Brass Band
quando ainda estava no colégio e a manteve na ativa por mais de 40 anos.
Mas novos astros começavam a surgir, como Freddie Keppard
Kid Ory
Joe Oliver
e um menino prodígio cujo estilo agressivo impressionaria todos
os músicos que tocariam com ele nos
Sidney Bechet.
Sidney Bechet foi o poeta da música de N. Orleans.
Dava para ver que era um gênio desde o início.
Era um desses meninos-prodígios
Tocava melhor que os adultos.
Ele foi ter aulas, foi ampliar sua experiência
e passou a conseguir tirar um som quente da sua corneta.
A família 'creole' de Sidney Bechet esperava que a música fosse ser um
hobby para o rapaz, e não uma carreira.
Mas aparentemente ele nunca viu as coisas dessa maneira.
lmpaciente demais para freqüentar aulas por muito tempo, Bechet aprendeu
sozinho a tocar clarinete, e deixou os pais impressionados
ao conseguir acompanhar a banda de Freddie Keppard
quando tinha apenas 10 anos de idade.
Quando fez 16 anos, Bechet largou os estudos
para dedicar-se à música em tempo integral.
Logo ele ganhou fama como um músico como jamais
se vira em Nova Orleans.
Quando se fala em músicos de jazz
estamos sempre falando de personalidades
e de como essas personalidades passavam para os instrumentos.
Primeiro, ele usava muito o vibrato.
Mas também tinha um estilo agressivo.
Ele adorava o blues.
Adorava fazer sua corneta gemer.
Dar liberdade ao músico para explorar a própria voz
era uma novidade quando o jazz começou em N. Orleans.
Tradicionalmente, o compositor dava as diretrizes.
Ainda na adolescência, quando Sidney começou a ficar famoso
ele era visto entre os músicos como um prodígio.
Ele era capaz de pegar um clarinete velho
e extrair sons que ninguém imaginava serem possíveis.
Como havia acontecido com Jelly R. Morton, S. Bechet acabou deixando
sua cidade natal e viajou por todo o Sul e Meio-Oeste
O jazz estava saindo de Nova Orleans e se espalhando pelo país
levado pela arte de um músico de cada vez.
Após o lançamento das primeiras vitrolas fabricadas pela Victor
em 1901 , a indústria fonográfica se tornou um grande negócio.
Os artistas que mais vendiam discos eram o tenor Enrico Caruso
que cantava óperas, e o band-leader John Phillip Souza.
Ninguém havia pensado em fazer discos de jazz.
Era preciso que o público estivesse presente, ao vivo
para ouvir e apreciar esse estilo musical.
OS ''CRlADORES'' DO JAZZ
Entre os trompetistas, depois de Buddy Bolden
tivemos Freddie Keppard, um músico de origem ''creole''
que criou muitas coisas novas. Ele usava uma surdina
que chamamos de ''wah-wah''. Esse efeito que vou mostrar
eu ouvi num disco de Freddie Keppard e uso muito.
Ele tocava assim...
Em 191 4, Freddie Keppard, um dos melhores músicos de jazz de N.Orleans
deixou sua cidade natal e viajou
com sua música na direção do oeste até chegar a Los Angeles.
Lá, ele e seis outros refugiados de Nova Orleans
formaram uma banda chamada The Original Creole Orchestra.
Eles viajaram apresentando-se em espetáculos de variedades por 4 anos
e depois estabeleceram-se em Chicago
onde Keppard passou a ser chamado de ''Rei Keppard''.
Jelly Roll Morton certa vez disse que ''Keppard tocar as notas mais altas
e mais baixas do seu trompete como ninguém havia feito''.
E comentava-se que os clientes sentados mais perto do palco pediam
para mudar de mesa quando ele começava a tocar.
Freddie Keppard era um homem corpulento, forte.
Certa noite, quando ele estava tocando
soprou o trompete de tal maneira
que a surdina se soltou e foi parar no meio da pista.
No dia seguinte, o fato estava nas manchetes dos jornais.
Ninguém jamais conseguira aquilo.
Mas mesmo com um sopro tão poderoso e tanta habilidade
Keppard tinha tanto medo de que outros músicos o imitassem
que costumava tocar com a mão escondida sob um lenço.
Em dezembro de 191, a Victor Talking Machine Co. fez uma oferta para
gravar Keppard e sua banda.
Esses discos eram uma novidade, e ninguém sabia se seriam aceitos
Seria uma grande chance para Keppard mas, para surpresa de todos
ele recusou a oferta
Disseram que teria medo de que outros músicos comprassem seus discos
só para roubar técnicas suas.
Freddie Keppard deixou passar a oportunidade de se tornar o primeiro
músico de jazz a gravar um disco
Pouco mais de um ano mais tarde, em 26 de fevereiro de 191 7
jazz finalmente chegou ao mercado fonográfico.
O grupo The Original Dixieland Jass Band se reuniu nos estúdios da Victor
em Nova lorque para as gravações.
A banda era formada por músicos brancos de Nova Orleans
liderados pela corneta de Nick LaRocca.
Filho de um sapateiro italiano, LaRocca era ambicioso,
obstinado e excêntrico.
aprendeu a tocar jazz sozinho praticando até no banheiro da sua casa
longe dos ouvidos do pai, que desaprovava sua escolha
No estúdio da Victor, a banda tocou duas músicas muito conhecidas
Nova Orleans: ''Dixieland Jass Band One-Step'' e ''Livery Stable Blues''.
Era um som animado e cheio de energia, e o técnico do estúdio insistiu
eles acelerassem a batida para que cada música coubesse de um lado do disco.
Lançado em 7 de março de 191 7, o disco foi um sucesso imediato.
A ênfase era no aspecto mais cômico: LaRocca fazia sua corneta relinchar
como um cavalo e Larry S. imitava um galo cantando com seu clarinete
Era a primeira vez que a maioria dos americanos ouvia o som do jazz
''Eu tinha 6 anos, morava em Milwaukee e ainda lembro do que senti
ao ouvir pela primeira vez o som sarcástico da corneta de Nick LaRocca
os rosnados insolentes de Daddy Edwards
e o cacarejar produzido por Larry Shields
Eu devo ter voltado o disco umas 100. vezes antes que lembrasse de respirar
Dois deles ficaram gastos rapidamente
Para o bem ou para o mal, o jazz entrara na minha vida.''
Ralph Berton.
O disco vendeu mais de 20 mil cópias a 7 centavos de dólar cada
Era um recorde para o mercado fonográfico da época.
Nem John Phillip Souza nem Enrico Caruso conseguiram algo semelhante
''O jazz é o assassinato, é o fim da síncope musical. Eu tenho que chegar
ao cúmulo de confessar que somos os anarquistas do meio musical.''
Nick LaRocca.
Os músicos da Original Dixieland Jass Band
agora se apresentavam como 'os criadores do jazz'
e foram fazer uma turnê pela lnglaterra
Lá, o sucesso se repetiu. Mas, com o tempo, a banda foi se desfazendo.
Eddie Edwards, que tocava trombone,. foi convocado pelo Exército em 1918
O pianista Henry Ragas morreu de gripe em 1919.
Larry Shields, o clarinetista, resolveu sair da banda em 1921
cansado das turnês intermináveis
Em 192, o próprio Nick LaRocca teve um colapso nervoso, abandonou
as turnês , e voltou a trabalhar no ramo da construção civil em N. Orleans
como se jamais tivesse sido músico.
Mas, até o dia de sua morte, LaRocca insistia que a sua música
e tudo o que podia ser chamado de jazz havia sido uma criação
exclusiva dos brancos
Os negros, segundo ele, não tinham nada a ver com o processo.
''Muitos escritores ligam esse ritmo que nós lançamos, à música
vinda das selvas africanas e à raça negra
Pois eu afirmo que os negros aprenderam a tocar essa música
com os brancos.
Os negros jamais fizeram qualquer música
que se assemelhasse à dos brancos em nenhum momento.''
Nick LaRocca.
Bem, a questão do racismo é...
A questão do racismo neste país
é aquela coisa com que se precisa lidar
para o bem da coletividade.
E isso é sempre uma coisa com que você não quer lidar
e que vai despertar conflitos internos tão grandes
que estará destinada ao fracasso.
E, para que você possa ter heroísmo e coragem
e possa lidar com essa questão com sucesso
é preciso saber se você é capaz de encará-la honestamente
e de ter energia para sustentar seu ponto de vista
E, como o jazz ocupa um papel importante
na mitologia americana, ele necessariamente
toca a questão do racismo.
Quanto mais queremos fugir, mais nos afundamos nela
É uma história antiga. Se não é a questão racial
será outra qualquer. Mas, neste país em particular
é a questão racial.